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Caso de Juscelino Filho aumenta a pressão para Lula ajustar base

Por trás do esforço pela saída do ministro está também a rearrumação do arco de apoios ao governo no Congresso

Vinicius Doria
postado em 06/03/2023 03:55
 (crédito: Ricardo Stuckert/PR     )
(crédito: Ricardo Stuckert/PR )

Uma reunião no Palácio do Planalto, nas próximas horas, é aguardada com expectativa pelo potencial de deflagrar a primeira defecção no primeiro escalão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Na berlinda está o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil-MA), enredado em uma série de denúncias que vão desde uso do orçamento secreto para beneficiar fazendas da própria família, no município maranhense de Vitorino Freire, até uso de avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para ir a São Paulo, onde misturou agendas públicas com a participação, no interior do estado, em um leilão de cavalos. Pesam ainda a denúncia de que ocultou um patrimônio de R$ 2,2 milhões em equinos de raça e de recontratação de pessoas que ocupavam postos-chave no Ministério das Comunicações no governo Bolsonaro.

A situação do ministro é peculiar, pois envolve denúncias de práticas incompatíveis com os princípios da moralidade pública e da impessoalidade. Mas a pressão para apeá-lo do cargo ilustra o choque de forças da ampla base montada pelo presidente no Congresso com objetivo de assegurar a governabilidade.

As disputas por espaço foram deflagradas ainda na transição, quando partidos se digladiaram para assegurar presença no staff ministerial e em postos-chave de órgãos e empresas estatais. Juscelino Filho aparece como um dos pivôs de uma relação ainda instável entre o governo e um de seus aliados de centro, o União Brasil, partido que avaliza três dos 37 ministros na ampla Esplanada montada por Lula. A titular da pasta do Turismo, Daniela Carneiro (UB-RJ), e o ministro de Desenvolvimento Regional, Waldez Góes (UB-AP) também enfrentam o "fogo amigo" da base aliada.

As disputas por espaço e protagonismo, porém, já contaminaram relações dentro do próprio PT, com o embate entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a presidente da legenda, Gleisi Hoffmann (PR), em torno da reoneração do preço dos combustíveis, e com as críticas que o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, recebe até hoje por causa da postura "conciliadora" em relação ao Exército no caso dos acampamentos antidemocráticos que se espalharam pelo país na porta de quarteis para questionar o resultado das eleições presidenciais. Em Brasília, serviram de abrigo para os golpistas que atacaram as sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro.

Para acomodar todas as forças que se uniram ao petista na campanha eleitoral vitoriosa contra a tentativa de reeleição do presidente Jair Bolsonaro, Lula ampliou o número de ministérios e, ao longo das últimas semanas, ainda se dedicava a preencher centenas de cargos estratégicos de primeiro e segundo escalões. Uma das consequências desse inchaço é a falta de protagonismo de alguns indicados, que sequer conseguiram marcar audiência individual com o presidente.

É o caso de Juscelino Filho, deputado federal do Centrão que integrava o chamado baixo clero — grupo de parlamentares com pouca expressão e modesta taxa de produtividade na Câmara dos Deputados. Alçado à condição de ministro, expôs um telhado de vidro prestes a se quebrar. A primeira audiência privada com Lula em mais de 60 dias será justamente a que pode definir sua saída do time. "Bem-vindo ao alto clero", ironizou um político da oposição ao comentar a situação do ministro.

Após a vitória de Lula, em outubro do ano passado, o Ministério das Comunicações era pretendido pelo PT, que esperava comandar a política de universalização da internet no país, uma das metas mais ambiciosas do programa do novo governo. Além disso, a pasta é responsável pelas concessões de rádio e tevê, uma área que os petistas gostariam de manter sob comando da legenda.

A pressão feita por Gleisi para que Juscelino seja "afastado" mostra que o partido do presidente não desistiu de disputar a cadeira. O ex-ministro Paulo Bernardo (PT-PR), que integrou a equipe de Comunicações do governo de transição e não foi contemplado na montagem do primeiro escalão, volta a ser cotado para retornar ao cargo que ocupou no governo de Dilma Rousseff. Gleisi, porém, foi confrontada pelo ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que disse já ter visto "muita gente ser afastada por prejulgamentos injustos, inclusive de companheiros do PT", ao defender a permanência de Juscelino Filho até que todas as denúncias sejam esclarecidas.

Substituição

Com 59 deputados e nove senadores, o União Brasil acompanha de perto a evolução da crise, mas já admite indicar outro nome para as Comunicações. Ao Correio, o presidente da legenda, deputado Luciano Bivar (PE) — que defende a aliança com o governo —, disse que espera conversar com Lula após a definição sobre o futuro de Juscelino Filho. Ele também está empenhado em defender a permanência de Daniele Carneiro à frente do Turismo. Ela entrou em modo silêncio desde que fotos e vídeos da campanha à deputada federal mostraram a incômoda presença de pessoas ligadas às milícias da Baixada Fluminense em palanques que ela frequentou. A ministra é mulher do prefeito de Belford Roxo, Wagner Carneiro (UB-RJ), único da região a apoiar Lula na eleição do ano passado.

Indicações estão longe de ser consenso no governo

Ao nascer da junção de dois partidos inorgânicos — o DEM e o PSL —, o União Brasil reúne caciques regionais com interesses distintos, sendo que nem todos convergem na direção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E os três ministros que deu ao governo são a constatação disso, uma vez que as indicações não representam consenso no governo e na legenda.

Juscelino Filho, Daniela Carneiro e Waldez Góis foram uma articulação do senador Davi Alcolumbre (UB-AP), apesar de terem o aval do presidente da legenda, deputado Luciano Bivar (PE). O restante da legenda não foi consultada sobre as indicações.

Ainda que o PT não tenha muita boa vontade em dividir os espaços de poder com os outros partidos que compuseram a coligação que elegeu Lula, a fidelidade do União Brasil era motivo de desconfiança antes mesmo de ficar acertado o espaço que a legenda ocuparia na Esplanada. Sinalizando esse receio, o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), deu uma ordem unida ao aliado pouco mais de um mês depois que Lula assumiu — em entrevista, Bivar mostrou-se insatisfeito com as pastas ocupadas e cobrava mais cargos garantir fidelidade no Congresso.

As denúncias contra Juscelino e Daniela deram o argumento que setores do governo precisavam para exigir do União Brasil o alinhamento que reluta em dar. Se os dois permanecerem no governo, o recado será claro: o governo está disposto a segurar o rojão do desgaste com a militância e a opinião pública, mas quer contrapartida.

Além do mais, os três nomes do União Brasil serão instados a acelerar pautas positivas para apresentar nos 100 dias de governo. Se Gois assumiu a liderança da coordenação do esforço federal para mitigar os efeitos da tragédia no litoral norte de São Paulo, e Daniela pavimentava em Portugal um fluxo de turismo inverso ao que se tem hoje — estatísticas mostram que mais brasileiros vão para o país europeu do que portugueses vêm para o Brasil —, Juscelino terá de apresentar projetos mais completos para a ampliação da cobertura do 5G, como acelerar o acesso gratuito às escolas públicas e reduzir o prazo inicialmente previsto — a estimativa é de incluir 85% delas até 2028. (Colaborou Fabio Grecchi)

 

 

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