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Em novo embate, Lula fala em "armação" e Moro responde pedindo "decência"

Na contramão da Polícia Federal e do Ministério da Justiça, presidente lança suspeita de que plano do PCC foi tramado pelo senador. Parlamentar diz que chefe do Executivo não respeita o próprio cargo. Políticos e entidades também reagem

Renato Souza
Ândrea Malcher
postado em 24/03/2023 03:55
 (crédito: Tânia Rêgo/Agência Brasil)
(crédito: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Um dia depois de a Polícia Federal frustrar o plano do Primeiro Comando da Capital (PCC) de sequestrar e matar o senador Sergio Moro (União-PR) e outras autoridades, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse "ser visível" que o caso é uma "armação" do parlamentar. A declaração do chefe do Executivo provocou reações do meio político e de entidades, e o ex-juiz da Operação Lava-Jato pediu "decência" ao petista.

"Acho que é mais uma armação do Moro, mas eu quero ser cauteloso e vou descobrir o que aconteceu", disse Lula, durante uma visita ao Complexo Naval de Itaguaí, no Rio de Janeiro. "É visível que é uma armação do Moro, mas vou pesquisar e perguntar o porquê da sentença. Até fiquei sabendo que a juíza não estava nem em atividade quando deu o parecer para ele, mas isso a gente vai esperar. Não vou ficar atacando ninguém sem ter provas. Acho que é mais uma armação. Se for, ele vai ficar mais desmascarado ainda, e eu não sei o que ele vai fazer da vida se continuar mentindo do jeito que está", acrescentou.

O presidente se referiu a Gabriela Hardt, da 9ª Vara Federal de Curitiba, que autorizou a Polícia Federal a deflagrar a operação, batizada de Sequaz, na qual foram presos nove integrantes do PCC. Além de Moro, a facção planejava ataques a outras autoridades públicas, como o promotor Lincoln Gakiya. Pouco depois das declarações de Lula, a magistrada suspendeu o sigilo da decisão que autorizou a ação da PF (leia reportagem ao lado).

Moro reagiu duramente às suspeitas do petista. "Quero perguntar ao senhor presidente da República: o senhor não tem decência? O senhor não tem vergonha com esse seu comportamento? O senhor não respeita a liturgia do cargo? O senhor não respeita o sofrimento de uma família inocente? O senhor não respeita o combate que os agentes da lei, e aqui eu me incluo, como ex-ministro da Justiça e, antes, juiz, o combate que nós fizemos ao crime organizado", rebateu, em entrevista à CNN Brasil.

O senador disse não poder admitir "que o presidente da República, o maior magistrado do país, trate um assunto dessa severidade e dessa gravidade dando risada e mentindo à população brasileira, sugerindo que poderia ser, de alguma forma, uma armação feita da minha parte".

Ex-coordenador da Lava-Jato, o deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR) reprovou a atitude do chefe do Executivo. "Lula disse que a investigação do atentado do PCC contra Sergio Moro é uma 'armação do Moro', atacando as instituições e agindo de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo, o que configura crime de responsabilidade", escreveu nas redes sociais.

O senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) também se manifestou: "O presidente da República demonstra que está lhe faltando o devido equilíbrio emocional para lidar com as responsabilidades do cargo que ocupa".

As declarações de Lula também atingem a credibilidade da Polícia Federal e o trabalho do Ministério da Justiça. Na quarta-feira, o titular da pasta, Flávio Dino, criticou quem tentou levar o caso para o lado político. "Fico espantado com o nível de mau-caratismo de quem tenta politizar uma investigação séria, que é tão séria que foi feita em defesa da vida e da integridade de um senador que é oposição ao nosso governo", argumentou.

Entidades

Em nota, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) reiterou "o mais absoluto apoio a todos os juízes e juízas federais com atuação na área criminal no país". "O ataque pessoal a juízas e juízes federais provoca instabilidade social e se distancia da necessidade urgente de conciliação entre os Poderes", destacou. "A Ajufe reitera o respeito às instituições como condição para o exercício pleno da democracia, e seguirá defendendo a independência do Poder Judiciário e a harmonia com os demais Poderes da República."

A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) se manifestou sobre o trabalho da corporação. "Confiamos plenamente no trabalho desenvolvido pelos delegados federais que atuam no caso. As investigações foram conduzidas com cautela, responsabilidade e amparo na lei, sendo obtido, certamente, forte arcabouço probatório no curso do inquérito policial", frisou Luciano Leiro, presidente da entidade. "Vale lembrar que todo o trabalho da PF é acompanhado de perto pelo Ministério Público Federal e que as medidas relativas a prisões, sequestros e apreensões de bens são determinadas pelo juízo competente. Por isso, em momentos sensíveis como esse, é importante destacar a necessidade de autonomia funcional das instituições e a seriedade do processo persecutório penal."

Na mira do "restrito"

O senador Sergio Moro (União-PR) estava na mira de um setor do PCC chamado "restrito". A tarefa do grupo é orquestrar ataques contra ex-integrantes da facção e autoridades. Mensagens, anotações e dados colhidos pela Polícia Federal, aos quais o Correio teve acesso, revelam o plano para atentar contra a vida do parlamentar.

Os criminosos que integram esse setor recebem ordens diretas do comando do grupo criminoso. Durante as investigações, a Polícia Federal apreendeu um print de uma conversa de WhatsApp em que Janeferson Aparecido Mariano relata à namorada os códigos usados na ação. Moro é apelidado de "Tóquio", enquanto a palavra sequestro é substituída por "Flamengo".

Janeferson envia os códigos à namorada e pede que ela tire print e guarde a mensagem. Em seguida, ele apaga as conversas do celular. O print foi encontrado no arquivo de um e-mail usado pela suspeita, que também foi presa.

Planilhas obtidas durante a investigação detalham que o ataque a Moro custaria pelo menos R$ 3 milhões. O valor estava dividido no uso de automóveis, aluguel de imóveis, armas, pagamento de criminosos para executar a ação e equipamentos para ajudar na fuga.

Os suspeitos

Nos documentos liberados constam, ainda, os alvos dos mandados de prisão cumpridos na última quarta contra membros do PCC. Janeferson, vulgo Nefo, já respondeu por crimes como furto, sequestro e cárcere privado, além de ter sido um dos líderes de um motim dentro da Penitenciária Franco da Rocha, no interior paulista.

Patrick Uelinton Salomão, conhecido como Forjado, responde por organização criminosa, tráfico de drogas e associação para o tráfico, em um processo que nasceu de um inquérito do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de São Paulo (Gaeco). Após cumprir uma pena de 15 anos e 10 meses na Penitenciária Federal de Brasília, foi solto em fevereiro de 2022. É considerado foragido.

Valter Lima Nascimento, o Guinho ou Zoinho, é apontado como número dois do maior fornecedor de drogas da facção, Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho. Segundo investigações, Valter seria a principal ponte entre o grupo e traficantes de outros países latinos.

Os demais integrantes da facção que tiveram prisões decretadas são Reginaldo Oliveira de Sousa, o Rê; Sidney Rodrigo Aparecido Piovesan, conhecido como El Sid; Claudinei Gomes Carias, o Nei; Herick da Silva Soares, o Sonata; e Franklin da Silva Correa, o Frank.

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