Opinião

Alexandre Garcia: "Pesos sem contrapeso"

"No Judiciário, juízes tentados pelo ‘sereis como deuses’ passam a decidir o que é aproveitável e o que é dispensável na Constituição, e se arvoram também a fazer leis, em vez de limitarem-se a aplicá-las"

Alexandre Garcia
postado em 29/03/2023 03:55
 (crédito: Maurenilson Freire/CB/D.A Press)
(crédito: Maurenilson Freire/CB/D.A Press)

As pedras das ruas sabem que passamos por um período de desequilíbrio entre os três poderes, que é como um vírus a infectar a democracia, a ferir garantias, liberdades e o devido processo legal. Em outras palavras, há um desequilíbrio institucional.

Depois de ler meu artigo da semana passada, sobre o Congresso encolhido, um ministro do Judiciário me enviou este endosso: "Super preciso, Alexandre! Temos hoje um Judiciário hipertrofiado, um Legislativo atrofiado e um Executivo ideologizado. A democracia despencou com esse tripé."

Isso me faz refletir sobre os "pesos e contrapesos" com que Montesquieu idealizou o equilíbrio entre os três poderes. Se o Legislativo se atrofia, não pode ser contrapeso ante o peso do Judiciário e as seduções do Executivo. E Legislativo atrofiado significa representação popular atrofiada. Então despenca o significado de democracia como governo do povo.

Quanto ao Executivo ideologizado, sempre houve tons de ideologia, mas exacerbou-se quando, depois de três décadas de esquerda com matizes diferentes no governo federal, a direita antes silenciosa e tímida reapareceu e surpreendeu ganhando eleição. Veio a polarização e os ânimos extremaram as posições.

Agora o atual quer apagar o anterior. Este primeiro trimestre de novo governo faz lembrar a "Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal", do Gênesis. "Sereis como deuses" — prometeu a serpente tentadora. Quem cai na tentação, fica convencido que pode estabelecer o que é bem e o que é mal, julgando-se imbuído desse conhecimento.

O chefe do Executivo fica tentado a cancelar o que tenha sido bem construído pelo governo anterior, e rotula o bem de mal. As consequências apareceram nestes três meses, mostrando que muito de bom foi substituído por aquilo que hoje não dá certo. O Legislativo, como órgão fiscalizador em nome do povo, parece ter dispensado seus instrumentos e ainda não percebeu os efeitos disso.

Olimpo

No Judiciário, juízes tentados pelo "sereis como deuses" passam a decidir o que é aproveitável e o que é dispensável na Constituição, e se arvoram também a fazer leis, em vez de limitarem-se a aplicá-las. Há reação no próprio Judiciário, onde se ouve cada vez mais a ironia de que "a Suprema Corte tem a prerrogativa de errar por último".

Revogar direitos pétreos e entregar o poder de revogá-los a prefeitos e governadores foi ainda mais grave que desrespeitar a inviolabilidade de parlamentar por quaisquer palavras. Isso sem falar do inquérito que o ministro Marco Aurélio de Mello chamou de "Fim do Mundo". Depois das tentações do Gênesis, o Apocalipse.

O primeiro dos poderes numa democracia — e na Constituição — é o Legislativo, o poder atrofiado. É o poder que representa a população e os estados que compõem a União. Se o Legislativo não acordar, continuaremos nesse "Estado Democrático de Direito" apenas como marca de fantasia. Povo e estados sub-representados. Talvez precise de diálogo, mas, antes do diálogo, será necessária a humildade como antídoto ao veneno da serpente — o orgulho e a vaidade inoculados nos que caíram em tentação.

No período militar, o Executivo se impunha aos outros poderes — e a História hoje chama aquele período de ditadura por causa disso. Como se chamará amanhã o atual período de hipertrofia do Supremo?

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