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Análise: Arcabouço fiscal pressupõe a redução da taxa de juros

"O governo Lula se comprometeu a melhorar, ano a ano, as suas contas, chegando a um superavit primário de 1% do PIB em 2026, seu último ano de mandato"

Luiz Carlos Azedo
postado em 04/04/2023 03:55 / atualizado em 04/04/2023 11:40
 (crédito: Marcello Casal JrAgência Brasil)
(crédito: Marcello Casal JrAgência Brasil)

A primeira batalha para aprovação do novo "arcabouço fiscal" é convencer o mercado e a opinião pública de que há sinceridade de parte do governo Lula em relação aos objetivos de estabelecer limites e metas de gastos públicos. Nesse aspecto, as primeira reações são mais positivas do que negativas. A segunda batalha ainda está em curso, trata-se do convencimento generalizado de que o governo precisa aumentar as receitas para que a política econômica dê certo, algo entre R$ 150 bilhões e R$ 200 bilhões.

Há duas condições para isso, ambas muito contingenciadas. O mais fácil é a redução da taxa de juros praticada pelo Banco Central (BC), hoje em 13,75% (Selic), o que acirra o conflito entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente do BC, Roberto Campos Neto, que está convencido de que a proposta anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, causará aumento da inflação. O mais difícil é a reforma tributária, com ampliação da base de arrecadação federal sem aumento de impostos, cujo maior obstáculo é a aprovação pelo Congresso.

O governo Lula se comprometeu a melhorar, ano a ano, as suas contas, chegando a um superavit primário de 1% do PIB em 2026, seu último ano de mandato. As despesas subirão, no máximo, 2,5% ao ano, descontada a inflação. As críticas ao modelo se concentram no piso de 0,6% para o crescimento das despesas, que Haddad espera compensar com a taxa de crescimento da economia e a reforma tributária. A herança maldita do governo Bolsonaro é uma trajetória de endividamento explosiva: em 10 anos, pode saltar de 72,9% para 95,3%. Uma alta de 22,4 pontos até 2032.

Ontem, o presidente Lula criticou as avaliações pessimistas sobre o crescimento da economia neste ano, fazendo previsões de que não há haverá um quadro de estagnação ou recessão, com o Brasil crescendo mais de 1%. Essa avaliação não é uma adivinhação, se baseia no cenário traçado pela equipe econômica, cujo pior cenário prevê a estabilização da dívida em 85% no mesmo período. Ou seja, 10 pontos a menos. Entretanto, se tudo der certo, segundo Haddad, a dívida se estabilizará em 77% do PIB a partir de 2025. Isso é exequível. Onde está o caminho crítico?

Com toda certeza, no Congresso Nacional. O lobby dos setores contrários à proposta é mais concentrado do que os interesses difusos da maioria da sociedade. É sempre assim. Organizado em frentes parlamentares muito atuantes, com poder de embargar propostas ou embarcar jabutis, o poder de fogo do agronegócio e da indústria tradicional para defender isenções e privilégios é muito mais eficaz do que o dos setores beneficiados por políticas públicas universalistas, mesmo na saúde e na educação.

Quanto pior, melhor

A crise entre o Senado e a Câmara em torno da instalação da comissão mista do Congresso para iniciar a tramitação das medidas provisórias é uma demonstração da complexidade das negociações no Parlamento. A narrativa de que o governo precisa cortar gastos sociais, porque não conseguirá aumentar as receitas, é apenas a ponta do iceberg dos interesses dos grandes grupos econômicos. E o fato de a sociedade não conseguir acompanhar a complexidade desse debate favorece a ação deletéria dos que apostam no fracasso do governo.

Às vésperas de completar 100 dias, o governo Lula enfrenta dois tipos de oposição. A principal é a de extrema direita, ideológica, liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que quase ganhou as eleições e continua vivíssima (quem quiser que se iluda). A segunda, é a oposição precoce dos que apostam na fratura da coalizão de governo e na constituição, desde já, de uma "terceira via" mas eleições de 2026. Nesse aspecto, a presença do vice-presidente Geraldo Alckmin no Ministério do Desenvolvimento Econômico, de Simone Tebet no Ministério do Planejamento e de Marina Silva no Meio Ambiente frustra esses setores.

Grosso modo, há duas vertentes no governo Lula sobre a política econômica, uma mais moderada, representada por Haddad, Alckmin, Simone e Marina, todos ex-candidatos a presidente da República, e outra mais à esquerda, que se expressa por meio da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e pelo presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, que também têm suas ambições no governo. O presidente Lula claramente prestigiou a primeira, quando nada porque ocupa os ministérios.

Onde está o ponto de equilíbrio? Na popularidade de Lula e na base parlamentar do governo. A primeira está relativamente controlada, quando nada porque o presidente da República constrói uma narrativa que vem mantendo o apoio dos setores populares que o elegeram. Entretanto, toda vez que erra o tom favorece o surgimento de uma oposição moderada, que o apoiou no segundo turno, mas tem ojeriza ao PT, quando não ao próprio presidente. A segunda é o xis da questão. Os partidos de esquerda são minoritários, Lula depende do apoio do bloco de partidos de centro-direita: MDB, PSD, Podemos, Republicanos e PSC. A negociação com esses partidos será crucial para o sucesso do governo.

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