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PL das Fake News: adiamento é vitória da oposição, dos evangélicos e das big techs

Em vitória da oposição, dos evangélicos e das big techs, Lira adia votação da proposta, a pedido do relator, Orlando Silva

Taísa Medeiros
postado em 03/05/2023 03:55
 (crédito:  Lula Marques/Agência Brasil)
(crédito: Lula Marques/Agência Brasil)

Em claro revés para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a votação do PL das Fake News (2.630/2020) foi adiada na Câmara dos Deputados a pedido do próprio relator, Orlando Silva (PCdoB-SP). Em plenário, Silva salientou que, desde a aprovação do requerimento de urgência, na última terça-feira, não teve tempo útil para examinar todas as sugestões recebidas. Segundo ele, foram mais de 60 novas emendas protocoladas apenas durante o dia de ontem.

Com mais tempo, Silva disse que espera "consolidar a incorporação de todas as sugestões que foram feitas para ter uma posição que unifique o Plenário da Câmara dos Deputados num movimento de combater a desinformação e garantir a liberdade de expressão", disse.

Mais cedo, os líderes partidários e demais deputados estiveram reunidos com o relator e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) duas vezes: pela manhã, na Residência Oficial; à tarde, na presidência da Casa. Apesar das tentativas de conciliação, pontos de impasse da proposta ainda precisam ser trabalhados.

Por volta de 20h, Lira anunciou a decisão em plenário. "Ouvindo atentamente o pedido do relator — que para mim já é suficiente —, e os líderes, que na sua maioria encaminham por uma saída da manutenção do diálogo, o projeto não será votado na noite de hoje", disse.

O adiamento da votação foi resultado de uma forte reação à proposta nos últimos dias. Ontem, na Câmara, representados principalmente por grupos evangélicos do Congresso Nacional, parlamentares contrários à aprovação do PL das Fake News (2630/2020) intensificaram as críticas contra o texto de relatoria do deputado Orlando Silva. Nos bastidores, é frequente a avaliação de que o texto apresentado está "tecnicamente ruim" e é pautado com expressões genéricas, o que pode causar desencontro de interpretações.

Mesmo com as negociações de Silva e Lira, a resistência entre as bancadas é notória. Partidos que, em quase sua totalidade, votam contra o projeto são o Republicanos, o PL e o Podemos. Engrossam o coro das críticas a voz da bancada evangélica.

Os críticos consideram a proposta como "PL da Censura" e afirmam que a maior preocupação é em relação à liberdade de expressão religiosa. "No Brasil tem muito mais cristofobia, bibliofobia do que de fato homofobia", defendeu o deputado Eli Borges (PL-TO), presidente da Frente Parlamentar Evangélica.

"Não estamos desrespeitando ninguém aqui, porque a igreja não desrespeita, ela acolhe. Mas ela tem na Bíblia seu manual de fé. Esse projeto, por mais que ele garanta essa liberdade de citar textos bíblicos, mas na exposição desses textos, alguns poderiam ter dificuldade de expressar seus pensamentos", argumentou.

Borges não se limitou a tratar de religião ao comentar o PL das Fake News. Também mencionou outro ponto polêmico — as declarações de políticos nas redes sociais. Segundo o deputado evangélico, a aprovação do projeto "é o início da implantação de uma ditadura no Brasil".

"Abra essa lei e você vai ver que não poderemos mais fazer críticas ao sistema eleitoral. Ora, por que não? Abra esta lei e os senhores vão ver que haverá alguma regulamentação da palavra dos parlamentares, que são livres pelo artigo 53 da Constituição Federal. Para nós isso tem nome: mordaça", concluiu.

Generalidades

A reviravolta de ontem mostrou que o PL das Fake News ainda deverá passar por modificações antes de voltar ao plenário. Tornou-se comum deputados criticarem a proposta sem terem lido de fato o relatório apresentado por Silva. Criticavam, ainda, as mudanças de última hora adicionadas pelo relator. "O texto está remendado, uma parte não condiz com a outra, sem coerência nenhuma", disse um deputado da oposição, de maneira reservada, ao Correio.

O deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) acredita que o texto ainda não está maduro. "Tem conceitos muito abertos, dispositivos encaminhando regulamentação por decreto. Isso gera insegurança", argumentou. Em relação ao aspecto religioso, o deputado salienta que, com o monitoramento via inteligência artificial, é possível que "certas metáforas" bíblicas não sejam compreendidas e sejam retiradas do ar. "É preciso estudar melhor de que forma será feita essa fiscalização".

O adiamento também é uma vitória temporária das grandes empresas de tecnologia, as big techs. Na última quinta-feira, a Associação Latino-Americana de Internet (ALAI) e a Câmara Brasileira da Economia Digital (camara-e.net), fizeram nova manifestação contra o teor da proposta. As entidades alegam que a aprovação do projeto ocasionará "gravíssimos impactos negativos".

Para o relator do PL, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), as big techs empreenderam uma "ação suja" para sabotar as discussões sobre o texto. "Nunca vi tanta sujeira em uma disputa política. O Google usa sua força majoritária no mercado para ampliar o alcance das posições de quem é contra o projeto e diminuir a de quem é favorável", disse o parlamentar durante evento do 1º de Maio, em São Paulo.

Proposta recebe críticas e elogios em plenário

Na queda de braço acerca do projeto das Fake News, PP, Republicanos, PT, PDT, Psol, PCdoB e Patriota concordaram com o adiamento, contra os votos do PL e do Novo. Antes da sessão que decidiria pela votação, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pediu aos líderes que avaliassem se havia apoio interno nas bancadas. No final da tarde, Lira afirmou que o projeto só iria à votação caso tivesse votos suficientes para passar.

Um dos trechos mais polêmicos do projeto é a criação de uma entidade reguladora — tópico retirado da última versão apresentada por Silva. Segundo o relator, nas reuniões ocorridas ontem, "a ideia de estabelecer a Anatel como ponto de fiscalização amadureceu nos debates", mas ainda não é consenso. "Alguns imaginam que a Anatel não tem expertise para um assunto tão específico, e agregar mais responsabilidade poderia agravar as dificuldades do órgão", explicou.

Silva disse que o presidente da Casa pretende estar presente durante a votação da proposta. Porém, Lira está com viagem marcada para o exterior na próxima semana. A tendência, portanteo, é de que o projeto só seja votado daqui 15 dias. "O que já era impasse na semana passada segue sendo. Com mais tempo teremos oportunidade de mobilizar mais apoio", ponderou Orlando Silva. Em plenário, a oposição cobrou uma nova data para a votação, ainda não definida.

Consenso

A busca por um texto que alinhe as expectativas das diferentes bancadas da Câmara é desafio a ser vencido pelo relator do projeto e pela base governista. A oposição, diante da falta de acordo, pede pela criação de uma comissão especial para discutir o tema.

"Toda vez que acontece algum fato notório, assassinato, chacina, perpetrada por menor de idade, a esquerda é a primeira a correr e vir aqui falar que no calor da emoção você não pode discutir a redução da maioridade penal. Está ali no Senado há mais de sete anos e alguns ainda acham razoável dizer que o PL 2630 está há três anos correndo nessa casa, e que isso seria suficiente para votá-lo", defendeu o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), líder da minoria.

O adiamento foi defendido também pela base governista, para que mais acordos sejam estabelecidos e o projeto passe com tranquilidade. O deputado Zeca Dirceu (PT-PR), líder da legenda na Câmara, salientou que a discussão em torno das fake news já não tem o mesmo teor do que quando o projeto foi protocolado, há três anos.

"Um tema que apenas procurava combater a disseminação de mentiras, de fake news. Hoje o avanço do crime que é cometido no dia a dia da Internet está ceifando vidas, está tirando vidas de crianças, está levando terror para dentro das escolas, está destruindo a vida no nosso país", afirmou, em meio à vaias da oposição. "Quem vaia não deve ter sensibilidade com o que acontece no país", rebateu o petista.

O projeto de lei tem o intuito de frear a disseminação de informações falsas nas redes sociais, vetando o uso de robôs ou contas automatizadas que não estejam identificadas como tais. As empresas provedoras de conteúdos na internet, como o Meta (responsável pelo Facebook e Instagram), YouTube, Google e outros, passam a ser responsabilizadas caso não impeçam o uso desse tipo de perfil e mantenham no ar discurso de ódio.

A proposta, que tramita no Congresso desde 2020 e já havia sido aprovada no Senado, obriga, ainda, que as plataformas tenham representação por pessoa jurídica no Brasil e que sejam responsabilizadas pelos conteúdos de terceiros que tenham sido impulsionados. As regras de moderação das mídias sociais deverão, segundo o projeto, ser transparentes, e todos os conteúdos jornalísticos utilizados pelos provedores deverão ser remunerados.

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