Relatório da Polícia Federal sustenta que o ex-presidente Jair Bolsonaro sabia da fraude em seu cartão de vacinação. O ex-chefe do Executivo foi alvo, ontem, da Operação Venire, deflagrada pela corporação. Agentes cumpriram mandados de busca e apreensão na casa dele, no Jardim Botânico, em Brasília, pouco depois das 6h. No mesmo horário, foi preso o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Ambos são investigados por envolvimento em um suposto esquema para inserir informações falsas sobre imunização no sistema do Ministério da Saúde.
"Os elementos informativos colhidos demonstraram coerência lógica e temporal desde a inserção dos dados falsos no sistema SI-PNI até a geração dos certificados de vacinação contra a covid-19, indicando que Jair Bolsonaro, Mauro Cesar Cid e, possivelmente, Marcelo Costa Câmara tinham plena ciência da inserção fraudulenta dos dados de vacinação, se quedando inertes em relação a tais fatos até o presente momento", destaca o relatório, numa menção, também, ao coronel do Exército que foi assessor especial da Presidência da República.
A investigação aponta que o documento de vacinação de Bolsonaro foi adulterado às vésperas do seu autoexílio nos Estados Unidos, no fim do ano passado. Segundo a apuração, o registro falso de imunização do ex-chefe do Planalto e de sua filha, Laura, de 12 anos, foi incluído no sistema do Sistema Único de Saúde (SUS) em 21 de dezembro de 2022 — reta final do mandato presidencial.
No dia seguinte, o documento foi acessado pelo menos três vezes, via cadastro no portal Gov.br. Duas delas, de dentro do Palácio do Planalto (leia reportagem ao lado). De acordo com o relatório da PF, os registros de vacinação do ex-presidente e de sua filha caçula foram apagados seis dias depois da inserção, sob a alegação de "erro". Os investigadores detectaram que no período entre a inclusão e a exclusão dos dados, foi emitido o certificado de vacinação de Laura em língua inglesa. O certificado de imunização de Bolsonaro foi emitido, por meio do aplicativo ConecteSUS, com o CPF do ex-presidente e utilizando um endereço de IP do Palácio do Planalto.
Bolsonaro saiu do país em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) em dezembro de 2022, após se recusar a entregar a faixa presidencial ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. À época, ele disse que passaria um "período sabático" na Flórida com a família. Em março, o ex-chefe do Executivo voltou ao Brasil com a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.
Ao todo, foram 17 os alvos de busca e apreensão, autorizadas pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Seis pessoas foram presas temporariamente, por cinco dias — esse prazo pode ser prorrogado. Os detidos são, além de Mauro Cid, o policial militar Max Guilherme, que atua na segurança de Bolsonaro; o militar do Exército Sérgio Cordeiro, segurança do ex-presidente; o secretário de governo de Duque de Caxias (RJ), João Carlos de Sousa Brecha; o sargento do Exército Luis Marcos dos Reis e o ex-militar e candidato a deputado estadual Ailton Gonçalves Moraes Barros. A PF também pediu para fazer busca e apreensão contra Michelle, mas a solicitação foi negada pelo magistrado do Supremo.
Para Moraes, as manifestações públicas contra a vacina por parte de Bolsonaro deixam claro que ele tinha pleno conhecimento do esquema criminoso. "Diante do exposto e do notório posicionamento público de Jair Messias Bolsonaro contra a vacinação, objeto da CPI da Pandemia e de investigações nesta Suprema Corte, é plausível, lógica e robusta a linha investigativa sobre a possibilidade de o ex-presidente da República, de maneira velada e mediante inserção de dados falsos nos sistemas do SUS, buscar para si e para terceiros eventuais vantagens advindas da efetiva imunização, especialmente considerado o fato de não ter conseguido a reeleição nas Eleições Gerais de 2022", escreveu Moraes.
Bolsonaro teve o celular apreendido, mas não teria fornecido a senha do aparelho. Em razão disso, os dados serão acessados por peritos por meio de "força bruta", quando as senhas são quebradas por softwares específicos. Além do aparelho, foram levados pelas equipes documentos e itens de informática.
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Passaporte
Moraes determinou, também, a apreensão do passaporte de Bolsonaro. A autorização para que a Polícia Federal recolhesse o documento foi concedida na mesma decisão que permitiu a ação de buscas contra o político. No entanto, o Correio confirmou, com fontes ligadas à corporação, que a ordem não foi cumprida.
Procurada, a PF informou que não comenta investigações em andamento. Porém, fontes consultadas pela reportagem informaram que os investigadores não realizaram a apreensão do documento por entenderem não ser necessária para o andamento das apurações.
Por sua vez, o Supremo informou que o magistrado autorizou a apreensão de documentos e itens de informática, mas que cabe às equipes policiais avaliarem o que é preciso para investigar o caso. O ex-chefe do Executivo nega as acusações.
Cid, o suposto articulador
Preso preventivamente, ontem, na Operação Venire, o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, é apontado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como o responsável pelo esquema de fraude envolvendo a inserção de dados falsos de vacinação contra a covid-19 no sistema do Ministério da Saúde. Para a PGR, o tenente-coronel "teria arquitetado e capitaneado toda a ação criminosa", sem conhecimento do ex-presidente da República.
Cid é investigado no inquérito das milícias digitais desde que a apuração foi aberta e é considerado peça-chave na investigação. O tenente-coronel foi preso no Setor Militar Urbano, em Brasília. Durante busca e apreensão na residência dele, a Polícia Federal apreendeu US$ 35 mil e R$ 16 mil em espécie. Cid ficará detido numa unidade prisional militar.
Os investigadores identificaram a atuação de Cid na emissão do certificado de vacinação considerado "ideologicamente falso" de Bolsonaro. O comprovante do ex-presidente foi emitido pelo aplicativo ConecteSUS por um computador cadastrado no Palácio do Planalto. O cartão aponta que Bolsonaro teria recebido três doses da vacina contra a covid-19: uma Janssen e duas Pfizer, o que ele nega.
Segundo a PF, o computador usado para acessar o aplicativo em duas ocasiões, nos dias 22 e 27 de dezembro de 2022, pertence à Presidência da República. A investigação indica que um terceiro acesso ao aplicativo foi feito em 30 de dezembro pelo celular de Cid. Para a PF, o ex-ajudante de ordens administrava a conta do ex-presidente no ConecteSUS. Isso porque o e-mail funcional do ex-assessor estava vinculado ao perfil.
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Trocas
Após gerar o primeiro certificado de vacinação, o endereço de e-mail foi trocado. Passou a constar endereço eletrônico pessoal do coronel do Exército Marcelo Câmara, ex-assessor especial da Presidência.
"A alteração cadastral pode ser atribuída ao fato de que Mauro Cid deixaria de assessorar Jair Bolsonaro a partir de 1º de janeiro de 2023, passando tal função a ser exercida por outras pessoas, dentre elas, Marcelo Câmara", diz a PF.
Ainda de acordo com os policiais, Câmara viajou para Orlando em três oportunidades para acompanhar Bolsonaro. "Isso explicaria a mudança no cadastro do aplicativo ConecteSUS do ex-presidente, que deveria ficar a cargo de alguém que estivesse mais próximo, no caso, o assessor Marcelo Câmara", afirma a PF.
A atuação de Cid no governo Bolsonaro ganhou os holofotes depois que vieram à tona suas conversas no WhatsApp com o blogueiro Allan dos Santos, no inquérito aberto para investigar a organização e o financiamento de atos antidemocráticos.
O tenente-coronel também esteve envolvido no caso das joias sauditas avaliadas em R$ 16,5 milhões que a gestão Bolsonaro trouxe ilegalmente para o Brasil.
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