Governabilidade

BC, Eletrobras e Marco do Saneamento: desgastes à toa com a Câmara

Temas já pacificados, e que ameaçaram ser revistos pelo governo, somente criaram ruído com os deputados. Isso fragilizou o relacionamento entre o Palácio do Planalto e o Legislativo

Fábio Grecchi
Ingrid Soares
Renato Souza
Raphael Felice
postado em 12/06/2023 03:55
 (crédito: Marina Ramos/Agência Câmara)
(crédito: Marina Ramos/Agência Câmara)

Para especialistas ouvidos pelo Correio, Luiz Inácio Lula da Silva se equivocou ao se arriscar em giros internacionais que trarão para o Brasil bons resultados no médio e no longo prazos sem que, em seu próprio quintal, diante de exigências que pedem soluções imediatas, não conte no Congresso com uma base sólida o suficiente para superar impasses e dificuldades. Para eles, o presidente da República recalculou tardiamente a relação com os políticos e pôs em risco a governabilidade, sobretudo depois de enfrentar uma tentativa de golpe de Estado, em 8 de janeiro.

Mesmo assim, o Palácio do Planalto mexeu em vespeiros que, para os analistas da cena política, não trouxeram resultados e dificultaram as conversas. Ainda que as críticas de Lula à autonomia do Banco Central e ao patamar da taxa básica de juros (em 13,75%) encontrem eco até mesmo no Centrão, a possibilidade de revisão da privatização da Eletrobras foi vista como uma pauta essencialmente ideológica — uma vez que o presidente falou diretamente para os sindicatos e associações de classe do setor, historicamente contrários a passagem de empresas públicas para mãos particulares.

A mesma percepção serviu para a revisão do Marco do Saneamento, que permitiu às empresas estaduais voltarem ao jogo das concessões para manterem seus quinhões — e em vantagem sobre os grupos privados que pretendem gerir os serviços de fornecimento de água e escoamento de esgoto. Para setores do Congresso, essas companhias públicas apresentam uma ineficiência crônica, causada por um quadro de funcionários avesso a cobranças, baixo investimento tecnológico e por serem, ainda, permeáveis à influência de grupos políticos locais. Fora esses fatores, rever o Marco traz uma insegurança jurídica cujo tempo o próprio Lula, na campanha, disse que ficara para trás.

Inclusão

Luciana Santana, cientista política e professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), destaca que, desde que assumiu a Presidência, Lula acertou em restabelecer programas e políticas públicas de antigos governos petistas. Mas pecou quando não incluiu o Legislativo nesses projetos.

"Lula teve um resultado apertado nas urnas, o bolsonarismo ainda é muito forte e, por isso, esperava-se que se aproximasse dos líderes partidários e negociasse diretamente. Mas parece ter entendido o problema. De agora em diante, é liberar emendas e a indicação de cargos no segundo e terceiro escalões. Isso não é um toma lá dá cá, faz parte da construção de governos multipartidários — nos quais a legenda do presidente não é maioria no Parlamento. Lula sabe como contornar e creio dá tempo para isso", avalia.

Para o cientista político Bernardo Santoro, o relacionamento governo-Congresso azedou à medida que "o chamado 'governo de união', defendido na campanha, deu lugar a outro voltado à esquerda, tanto no âmbito econômico quanto no social. Essa questão, combinada com a lentidão no pagamento de emendas, o pouco espaço para indicações de aliados no segundo e terceiro escalões do Executivo e a falta de diálogo com a Presidência da Câmara geraram ruídos". Ele não crê "que o problema seja na comunicação, mas na má interpretação do governo sobre a vontade popular nas urnas, pois não há comunicação que resolva a dissociação entre discurso eleitoral e prática política".

Ricardo Ismael, cientista político e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), avalia que, independentemente de quem estiver na articulação política, haverá uma negociação complexa, que exigirá tempo e energia. "O Centrão lidera a ala que tem força no Congresso e exige liberação de emendas, presença em ministério, em cargos do primeiro e segundo escalões. Ou seja, parte expressiva desses votos que o governo Lula precisa é fisiológica — não vão ter uma conversa em cima de um programa e envolve cargos e liberação de emendas. Isso é um elemento difícil, porque sabe da repercussão negativa junto à opinião pública. Mas não tem como fugir", lamenta.

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