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Brasil herda um Mercosul em crise na 62ª Cúpula dos Chefes de Estado

Com o acordo com a União Europeia cada vez mais distante, bloco econômico sul-americano custa a superar os problemas internos. Grupo sofre com a perda de protagonismo e enfrenta falta de direção coordenada das quatro nações

Henrique Lessa
postado em 03/07/2023 03:55
 (crédito: Isac Nóbrega/PR)
(crédito: Isac Nóbrega/PR)

Com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e dos líderes dos outros três países do Mercosul, inicia amanhã a 62ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, em Puerto Iguazú. O evento marca a transferência da presidência rotativa do bloco da Argentina para o Brasil e não deve trazer maiores avanços nas relações entre os quatro países do bloco, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.

As reuniões semestrais de alto nível do bloco iniciam hoje com a presença dos presidentes dos bancos centrais e dos ministros das Fazenda dos quatro sócios. Sem o Brasil terminar sua contraproposta para o acordo da União Europeia com o Mercosul, que seria o tema mais relevante para o encontro, a pauta multilateral fica esvaziada. Nem o ministro brasileiro da Fazenda, Fernando Haddad, nem o presidente do Banco Central brasileiro, Roberto Campos Neto, devem comparecer ao encontro na região da tríplice fronteira.

Haddad deve participar nesta segunda-feira da primeira reunião da Câmara Técnica de Assuntos Econômicos do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, o Conselhão. No resto do dia, o ministro deve se envolver diretamente com as negociações na Câmara dos Deputados sobre a votação do arcabouço fiscal, do projeto de lei do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), e da reforma tributária. Já a agenda do presidente Campos Neto de hoje indica que ele inicia um período de férias.

Repetindo as políticas de integração regional praticadas nos dois primeiros mandatos de Lula, a fórmula parece desgastada na roupagem. Mesmo líderes da esquerda na região não mostraram entusiasmo em embarcar na proposta de reativação de uma estrutura institucionalizada no continente, como a Unasul.

A embaixadora Gisela Padovan, secretária da América Latina e Caribe do Ministério das Relações Exteriores (MRE), afirmou que a "prioridade brasileira na presidência do Mercosul será de avançar para obter resultados concretos" e nos "processos de integração regional".

Para o embaixador Francisco Cannabrava, diretor do Departamento do Mercosul do MRE, "o bloco, tanto do ponto de vista econômico, como aquilo que nós rotulamos como político, é muito significativo e afeta diretamente as populações dos quatro países".

O acordo de livre comércio com a União Europeia, contudo, não deve ser discutido na reunião de hoje e amanhã em Puerto Iguazú. Para o embaixador Mauricio Lyrio, secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do MRE, o presidente levará sua mensagem política sobre o tema, mas a contraproposta brasileira deve ser encaminhada aos parceiros do bloco em pouco tempo, garantiu Lyrio.

"Não temos um prazo rígido, mas eu acredito que estamos muito próximos de fazer uma proposta para levar aos parceiros do Mercosul", apontou o embaixador sobre a resposta brasileira ao documento adicional europeu que estabelece cláusulas ambientais com a aplicação de penalidades ao Brasil e impede que as compras públicas, do Estado brasileiro, possam ser direcionadas preferencialmente para as indústrias nacionais.

O otimismo do governo não tem convencido diversos setores das relações exteriores brasileiras. Embaixador aposentado, o professor Paulo de Almeida disse não ter "grandes expectativas quanto à cúpula do Mercosul, com o assunto relevante, que seria o acordo Mercosul e União Europeia, fora da pauta. Não tenho nem expectativas positivas quanto ao acordo, e isso não é só por culpa do Brasil, ou do Mercosul, também é por culpa dos protecionistas agrícola europeus. É preciso ser muito claro nisso, eles impuseram condicionalidades que estão fora do regime da OMC (Organização Mundial do Comércio)", lembra.

Crítico quanto ao crescimento "exagerado" da diplomacia presidencial de Lula, ele diz que, muitas vezes, isso esvazia as recomendações do Itamaraty ao governo, e defende que o melhor para o Brasil não é excluir as compras governamentais e sim ampliar os acordos de livre comércio. "Essa restrição é prejudicial ao Brasil e para a população brasileira", disse apontando que a melhor saída é uma liberalização radical das trocas comerciais com o mundo.

Almeida destacou, no entanto, que a gestão anterior, do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foi um ponto fora da curva, e por isso impossível de comparar com qualquer outro governo. "Vamos colocar as coisas bem claras, nada pode ser comparado ao Bolsonaro, aquilo foi a demolição absoluta da política externa, da diplomacia, da imagem do Brasil no exterior."

Agenda sul-americana

No objetivo do presidente Lula de se tornar o principal líder na América Latina, desta vez sem disputar protagonismo com Hugo Chávez, da Venezuela, ou Néstor Kirchner, da Argentina, o petista deve seguir apostando no acordo comercial com a União Europeia, mas para isso talvez precise aceitar uma parte das exigências dos europeus.

Na agenda do chefe do Executivo seguirão as visitas aos vizinhos. No próximo sábado, Lula deve ir à Colômbia para se encontrar com o presidente Gustavo Petro, aliado do petista que vem enfrentando dificuldades políticas no seu país. Em seguida, no dia 17, deve seguir para Bruxelas, na Bélgica, onde acontece a reunião da União Europeia com a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribe (Celac). O petista deve usar essa oportunidade para tentar vencer algumas resistências ao acordo comercial esperadas entre os dois blocos.

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