O Brasil foi sempre um país muito isolado no mundo. Tanto na economia quanto na cultura, sempre estivemos mais voltados para nós mesmos e à procura de um máximo de autossuficiência. Nunca fomos seriamente ameaçados em nossa soberania e sempre pensamos em nossa segurança como algo com que não se preocupar.
Em razão desta realidade, nossas relações com o mundo nunca ocuparam um lugar importante em nossa agenda política, toda ela voltada para as questões internas. Estamos nos aproximando das eleições gerais de 2026 e, desta vez, porém, candidatos e partidos, mesmo a contragosto, terão que fazer escolhas sobre o nosso papel no mundo. Porque o mundo mudou de tal forma que nem nossa soberania nem nossa segurança estarão, daqui para a frente, livres de ameaças.
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As escolhas que estarão postas diante de nós serão de uma importância estratégica para a qualidade da nossa vida econômica e até para a estabilidade social e política. Se continuar prevalecendo a atual polarização, talvez não alcancemos o mínimo de consenso para fazer essas escolhas existenciais, nem teremos a graça de ter um governo com a autoridade política necessária para guiar o país em tempos de rupturas e de tumultos na ordem mundial.
Para descrever a extensão das mudanças na ordem econômica mundial desencadeadas pela atual administração dos Estados Unidos, vou recorrer a um artigo fundamental de Adam Posen, presidente do Instituto Peterson para Economia Internacional, na Foreign Affairs. Segundo seu raciocínio, desde o fim da Segunda Guerra, os Estados Unidos constituíram para o mundo uma espécie de grande segurador, garantindo a segurança global e o cumprimento das regras que ordenavam o comércio, os investimentos e as finanças, propiciando um ambiente em que as relações internacionais se expandiram até chegar a um mundo quase sem fronteiras, do ponto de vista econômico. Como prêmio para esse seguro, os EUA se favoreceram por decidir sobre as regras do comércio e pelo domínio de sua moeda no sistema financeiro internacional.
O governo Trump renunciou a este papel colaborativo de segurador da economia global para tornar os EUA um poder dominante, disposto a apenas extrair proveito e lucro em virtude deste poder, desmantelando a ordem anterior e obrigando todos os países, aliados ou adversários, a cuidar da própria segurança, seja militar, seja econômica. Essa mudança vai tornar o mundo muito pior e menos produtivo, mas quem continuar na órbita exclusiva da economia norte-americana, terá que sujeitar-se à dependência e à vulnerabilidade.
Essas mudanças causarão danos maiores às economias mais integradas à economia dos EUA. Estas terão que aceitar pragmaticamente quase tudo o que lhes for imposto, no curto prazo, para ganhar o tempo necessário para reordenar suas relações com o resto do mundo. Mesmo a União Europeia, com todo o seu poderio econômico e cujas transações comerciais com o mundo superam a dos próprios Estados Unidos, achou melhor ceder e aceitar termos inteiramente desiguais. Todos os países, em todos os continentes, foram vítimas de tratamento extorsivo até agora, com exceção da Rússia e da China.
O Brasil não é uma exceção nesta história. O que muda em nosso caso é que os brasileiros, ao contrário de todos os povos vitimados pela ação do governo Trump, não sabem ainda se devem culpar o próprio Trump, ou, em seu lugar, o governo Lula ou a família Bolsonaro. Nosso isolamento do mundo parece que não nos permite ver que as políticas de Trump são de caráter global e se estendem a todos os países, e que elas tem como objetivo mudar todo o sistema de comércio. O Brasil é apenas um entre muitos. Lula e Bolsonaro são meros figurantes nesta tragédia.
Quando despertarmos desse engano pretensioso, espero que os programas dos candidatos de 2026 comecem por enfrentar as novas questões que derivam da emergência da nova realidade do mundo: soberania, defesa militar, autonomia tecnológica e a busca de uma ordem mundial alternativa aos EUA e à China. Se evitarmos essas questões, nunca seremos um país grande e sério.
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