O isolamento social mudou a forma como vários profissionais atuam. E com os fotógrafos não seria diferente. Se, antes, eles dividiam o protagonismo do clique perfeito apenas com as lentes, agora, também precisam compartilhar espaço com telas de celulares e computadores.
Assim que a pandemia começou, o fotógrafo Lucas Kiaw sentiu imediatamente os efeitos que ele teria no seu trabalho. Parceiro de muitas marcas e modelos, ele conta que já nas primeiras semanas de isolamento lidou com vários cancelamentos, o que o deixou preocupado e inseguro. “Foi apenas algum tempo depois que notei que alguns fotógrafos estavam clicando por facetime e pensei: por que não arriscar?”, diz.
Lucas começou fotografando amigas para analisar se era possível aplicar seu olhar fotográfico a distância. “Os resultados me surpreenderam. Ao mesmo tempo, precisei me reinventar quanto à técnica, porque, definitivamente, não é tão fácil. Não há a facilidade de conseguir o posicionamento certo, ajustar luz e procurar o melhor ângulo de maneira tão intuitiva quanto em um ensaio presencial”, conta.
À medida que fazia os ensaios testes, a criatividade foi aflorando e o fotógrafo passou a incorporar diversas ferramentas para conseguir chegar a um efeito que comunicasse o contexto da foto e o cenário pandêmico. Foi apenas depois de explorar as possibilidades que ele começou a fechar ensaios remunerados.
Por ser a distância, a satisfação entre clientes e fotógrafo depende de uma boa conversa. É preciso trocar muitas referências, analisar bem as particularidades e possibilidades que a vida de cada cliente traz, para, assim, compor as fotografias. “Conduzir é outro grande desafio, pois a linha entre deixar o cliente confortável e, ao mesmo tempo, conseguir comunicar de forma eficiente o que ele precisa fazer é tênue”, pontua.
Além de uma forma de registrar momentos na quarentena, Lucas Kiaw aponta que a fotografia ocupa um espaço de elevação de autoestima durante o isolamento. “A pessoa sai um pouco dessa realidade em que, muitas vezes, ela não se produz e se desleixa nos cuidados. O ensaio vem trazer de volta esse sentimento de estar bonita”, argumenta.
Aumentando a autoestima
Assim foi com a estudante de engenharia do petróleo Gabrielli Verissimo, 24 anos. Em tratamento para ansiedade, ela conta que, durante a pandemia, sua relação com o espelho ficou muito mais difícil. “Pontuo muito com minha psicóloga as coisas que faço e que me trazem sentimento de bem-estar. Maquiar-me e tirar foto é um delas, mas isso ficou cada vez mais raro no isolamento, assim como momentos de autoestima elevada.”
Gabrielli conta que o primeiro sentimento ao ser convidada para fazer o ensaio foi insegurança. “Eu nunca tinha feito um ensaio dessa forma antes e achei que seria bem difícil, até porque não sou uma pessoa muito boa com poses e, quando você fotografa presencialmente, fica mais fácil de o fotógrafo te arrumar. Às vezes, você fica parada, e ele é quem muda de posição”, diz.
Apesar dos anseios, a experiência trouxe um momento de autocuidado para a estudante, que garante que voltaria a fazer um ensaio a distância mesmo após a pandemia. “A vantagem é que a foto é feita no conforto do seu lar, e isso se traduz no resultado. Você fica bem à vontade e foge daquele padrão de foto de ensaio, que é sempre ao ar livre, em uma piscina ou na praia”, analisa.
De acordo como a psicóloga Débora Porto, a fotografia ocupa esse espaço de gerador de autoestima, pois, sobretudo neste período, em que as pessoas estão mais reclusas, a autoimagem passa a ser secundária. “Acontece que, ao ir largando pequenos cuidados de lado, é como se a pessoa estivesse deixando de ser quem é. Nesse sentido, a fotografia vem para realçar essa percepção perdida, seja num ensaio individual ou não, além de tirar um pouco o foco da pandemia e das notícias desanimadoras”, explica.
Apesar do cenário pandêmico, momentos importantes não deixaram de acontecer, como o nascimento de um filho. “São momentos únicos que acabaram não ganhando tanta visibilidade nesse período. Por isso, dedicar um momento para ser fotografada é eternizar e documentar aquilo que ficou impossibilitado de dividir com quem ama por causa do isolamento social”, pontua a psicóloga.
Débora analisa, ainda, que ensaios on-line tornam-se uma tendência que não busca, apenas, evidenciar beleza, mas, também, a habilidade humana de adaptar-se aos mais diversos contextos. Segundo ela, essa é a capacidade de sobrevivência e de perceber que a vida continua acontecendo mesmo durante a pandemia — daí a vontade de guardar registros, como um atestado de “eu sobrevivi”.
Registros em vídeos
Os registros entre telas foram ainda mais desafiadores para a videomaker Lara Garcia, 20 anos. Acostumada a cobrir grandes festas, ela conta que, quando começou a ver a proposta sendo realizada por outros profissionais, teve suas dúvidas se isso seria uma boa ideia. “Por curiosidade, fui pesquisar como seria adaptar para o trabalho que faço, os vídeos, e encontrei várias técnicas diferentes”, conta.
Lara explica que, assim como na fotografia, a captação de imagem depende muito da interação com o cliente, pois ela precisa trazer um recorte da realidade, do olhar que tem para com a pessoa e, assim, transmitir personalidade e essência. “É um desafio. No trabalho de videomaker, muitas ideias vão surgindo na hora, a partir de um trejeito da pessoa ou algum movimento que ela faz. Quando você perde o contato físico, você também perde essa conexão”, aponta.
Para minimizar essa perda, envio de referências, exemplos de recortes, ângulos e movimentos conversados previamente ajudam a criar o feeling para os vídeos. “Já fica determinado qual será a música e passo isso para o cliente, assim como o que ele poder fazer em cada ponto, uma espécie de roteiro, para que nem eu nem o modelo fiquemos perdidos na hora. É preciso ter clareza no objetivo e na mensagem.”
Para o primeiro fashion film, a influenciadora Sandri Oliveira foi a escolhida. Ela, que nutre um profundo relacionamento com a fotografia e a imagem desde muito nova, conta que ficou empolgada com a experiência. “Como sou bastante extrovertida e espontânea, foi um momento muito gostoso. Coloquei uma música e me soltei”, diz.
O ensaio também serviu para desmistificar produção de conteúdo. Segundo Sandri, a ideia, de que é preciso estar junto para fazer materiais de qualidade, será cada vez mais deixada de lado em um cenário pós-pandemia.
Além de um agregador para o trabalho, as filmagens instigaram a influenciadora a um momento de autocontemplação. “Estou em isolamento desde março. Passei por um término de relacionamento. Apesar do cenário no qual todos vivemos ser angustiante, esse momento vai se transformar em uma memória de um dia no qual estava me sentindo livre, bonita e feroz em meio a tudo isso”, conta.
Para o pós-produção, elementos digitais que remetem a chamadas de vídeo, perda de conexão com o wi-fi e ao congelamento da imagem quando o sinal cai, foram utilizados para dar o tom do produto final. “Na edição, posso exercer a criatividade e transmitir as sensações que desejo. A ideia é construir uma vibe dinâmica, leve e com bastante movimento para que a pessoa se sinta imersa no vídeo”, aponta a videomaker.
Em busca da essência
Fotos espontâneas, apegadas mais ao momento do que a uma estética visual preestabelecida. Essa é a essência do trabalho da fotógrafa familiar e de parto Claudia Ruiz. Como muitos profissionais do ramo, ela teve que transformar a forma de trabalhar, mas sem perder suas características marcantes.
Por meio do projeto Quarantine Grains, Claudia vem registrando a convivência de famílias usando a tecnologia e a internet. Para ela, essas fotografias conseguem representar com fidelidade o que todos estão vivendo, presos em casa e reféns de uma nova rotina de higiene e cuidados.
Apesar de fotografar por meio do computador, a essência da produção continua a mesma. “Conduzo o processo a distância da mesma forma que faria em um ensaio presencial. Há total interação com o cliente do outro lado, e procuro captar a essência de cada um, refletir na imagem quem a pessoa realmente é e o que está vivendo”, explica.
O trabalho é o mesmo, mas a forma como se traduz em fotografia muda. Nesses ensaios, a foto passa a ter particularidades, tais como presença de ruído e movimentos borrados — nada comuns em ensaios tradicionais. “O ruído na imagem representa o incômodo que essa situação toda causa nas pessoas. Se a fotografia fosse perfeita, não seria tão representativa e, certamente, seria incompetente ao transmitir a fase ímpar que vivemos”, defende.
É o momento de esquecer o conceito da fotografia perfeita. Mais importante do que isso é tentar registrar, junto à foto, todos os momentos experienciados na quarentena. “Esse tipo de trabalho mostra imagens marcantes na vida das pessoas, em uma nova linguagem visual. São fotos que contam uma história real e com laços emocionais verdadeiros por toda a eternidade”, explica.
Pelas circunstâncias, Claudia Ruiz aponta que é crucial conduzir o ensaio de maneira leve e simples. Precisa ser um momento de descontração, em que a interação entre fotógrafo e clientes se torna essencial e ainda mais especial. “É uma fotografia colaborativa. Em períodos como esse, de dificuldade e crise, em que todos tememos e zelamos pelo bem-estar da nossa família, os laços que partilhamos se fortalecem e se tornam momentos únicos”, diz. “Embora eu não possa estar presencialmente com meus clientes, a tecnologia me permite registrar e dividir com eles momentos especiais durante o confinamento.”
Afago e história
“Foi um momento simbólico, mágico e emocionante.” É assim que a psicóloga Clara Seiblitz Figueiredo, 37 anos, descreve o ensaio a distância que fez. Após muitos convites anteriores feitos por Cláudia Ruiz, para os quais ela sempre arrumava desculpa por causa da timidez, ela rendeu-se à experiência.
Para tornar a vivência do ensaio mais tranquila, convidou o marido, que topou o desafio. Como resultado, as fotos retratam a simplicidade e a vida do casal por meio de cliques bem descontraídos. “Usamos o meu celular velhinho, mas deu tudo certo. Foi extremamente prazeroso, desafiador e de uma harmonia muito gostosa com meu companheiro. Dividimos a nossa intimidade e a nossa casa”, conta.
Segundo relato da psicóloga, as fotos marcaram o momento pelo qual o casal passa. Em isolamento desde 10 de março, Clara conta que, para ela e a família, o período vem sendo marcado pela difícil readaptação, não só à pandemia, mas, também, a Portugal, país para onde se mudou recentemente. “Pôde nos trazer muitas alegrias e risadas durante o ensaio. Um verdadeiro sopro de vida e beleza em um momento sombrio e angustiante.”
Clara, que aprecia a arte da fotografia e, principalmente, a sensibilidade do olhar apurado dos profissionais, conta que, depois do ensaio, passou a admirar ainda mais o trabalho feito por fotógrafos. “Venci a vergonha de ser fotografada e foi um dia muito divertido em meio a uma situação caótica e de medo”, relata.
Já para o consultor em TI Gessandro Machado de Carvalho, 43, que também participou do projeto Quarantine Grains, o ensaio fotográfico será guardado como o registro de um momento histórico. “É um trabalho totalmente alinhado com o cenário atual, nunca havíamos experimentado um momento tão estranho quanto esse, trancados em casa, sem saber o que vai acontecer”, define.
O consultor, que trabalhou com cobertura fotográfica de casamentos, defende a importância desse tipo de registro e acredita que isso vai marcar época. “Certamente, poderei mostrar e contar para minha filha, Olívia, que hoje tem apenas 8 meses, sobre esse momento tão singular que ela viveu ainda nova, por meio dessas fotografias”, diz.
Conheça o trabalho dos profissionais
Lara Garcia, videomaker: @larapgarcia
Lucas Kiaw, fotógrafo: @photoskiaw
Claudia Ruiz, fotógrafa: @quarantinegrains e @claudiaruizfotografia
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
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