O vínculo entre mãe e filho começa a ser construído quando ela descobre que está grávida. “Os pais, então, têm que correr atrás depois do nascimento”, brinca a psicóloga clínica Sheila Carvalho. Segundo ela, os pais podem ser participativos durante a gestação e conectarem-se com o bebê desde a barriga (cantando, conversando), mas é fora dela que essa ligação se aprofunda.
E, se a pandemia do novo coronavírus e o isolamento social, têm sido uma fase azeda na vida, há quem faça, do limão, uma limonada. Muitos pais aproveitaram para viver uma paternidade ainda mais próxima dos filhos: com mais tempo de qualidade e com uma relação ainda mais estreita. Puderam ensinar algo diferente aos filhos, realizar desejos antigos deles e, agora, veem que tiraram muita coisa positiva de um momento tão duro.
Para Sheila, tal atitude diante da pandemia, demonstra resiliência e faz com que o momento seja muito menos traumático para as crianças e, também, para as famílias como um todo. “Os pais darem o exemplo de como se adaptar a uma situação ruim é um grande aprendizado para as crianças, que percebem que nem tudo é perfeito, nem tudo é péssimo também”, explica.
No mais, as crianças só têm a ganhar com a proximidade do pai. Para a doutora em psicologia Karin Grossman, o carinho e o suporte dos pais dão aos filhos autoconfiança e podem garantir relações mais saudáveis na vida adulta. “As experiências das crianças pequenas com pais e mães presentes, sensíveis, receptivas e solidárias iniciam um caminho de desenvolvimento psicossocial positivo para a criança”, afirma.
Vínculo com o pai e com a natureza
Autônomo, já fazia algum tempo que o personal fight Lucas Costa, 34 anos, não conseguia tirar férias. E quando podia, eram, no máximo, cinco dias, para viajar. Diante da pandemia, quando as academias fecharam, percebeu que era o momento de, também, parar de dar aulas. “Vi que a coisa era séria”, relembra.
A situação fez com que ele e a ex-mulher decidissem que o melhor para os dois filhos, Lorenzo, 4 anos, e Logan, 1, seria ficarem na chácara onde o pai mora. Além de ser em um local mais isolado, com menos risco de contaminação, ainda teria mais distrações para eles, já que, no prédio dela, os parquinhos foram fechados. Para evitar a saudade da mãe e a sobrecarga do pai, fizeram um esquema de ela ir até as crianças quase todo dia.
Lucas estava apreensivo, preocupava-se com a questão financeira. Mas conviver tanto tempo com os filhos ajudou a amenizar a angústia. “Desde que me mudei aqui para a chácara, quando ainda estava casado, nunca consegui aproveitar tão bem com eles. Estava sempre trabalhando, e trabalhando muito”, conta. Lorenzo e Logan curtiam os atrativos do campo, mas com a babá, com quem passavam o dia para os pais trabalharem.
Diversão e responsabilidade
“Foi como ter umas férias com eles”, resume Lucas. Os três andaram a cavalo, fizeram uma horta, e, todo dia, davam comida aos animais: cavalo, cachorro, jumento e burro. “Eu fui criado em chácara, em fazenda, então, isso influencia muito minha relação com a natureza, e eu quero que eles também tenham isso”, afirma o pai.
Tanto Lorenzo quanto Logan adoram os animais. O irmão mais velho é o dono da égua e faz questão que ela também saia no jornal. Quando estava na chácara, tinha responsabilidades: regar a horta e tudo que plantou, além de soltar e prender os cães. Já o irmão mais novo é fã do jumento, e o amor ali é recíproco.
Por mais que sempre tenha sido um pai presente e que procurasse fazer diversas atividades com os filhos, Lucas admite que o período de isolamento foi completamente diferente. “A gente trabalha demais, aí chega cansado, vai fazer uma atividade com ele, mas não é a mesma coisa”, explica.
O momento foi tão gostoso e transformador para o pai, que, mesmo tendo voltado a trabalhar, ele pretende diminuir um pouco o ritmo. “Se eu posso chegar mais cedo, vou chegar mais cedo. A gente tem de valorizar, largar o celular e ter tempo de qualidade”, recomenda.
Em casa com o recém-nascido
O servidor público federal Samuel Rocha, 38 anos, entrou em teletrabalhando no dia 3 de março e ficou completamente isolado com a mulher, grávida. Em 1º de maio, chegou mais uma companhia para o casal: Manuela, agora com três meses. No meio da pandemia, os dois ficaram sem a rede de apoio esperada. “No começo, foi bem complicado, porque somos pais de primeira viagem. Tudo era novidade e sem a ajuda de quase ninguém.”
No primeiro mês da bebê, o casal foi para a casa da avó materna, que também estava isolada havia mais de um mês. Samuel tinha se programado para tirar os 20 dias de licença-paternidade aos quais tinha direito e emendar um mês de férias, mas acabou com os planos todos alterados. “Minhas férias ainda não estavam marcadas e não deu para marcar mais. Pelo menos, eu estava de home office.”
Desde que a filha nasceu, Samuel está em casa com a pequena. Trabalhando, é claro, mas presente. “O volume de trabalho até aumentou, mas eu consigo fazer algumas pausas”, conta. “Se a Thaís (a esposa) precisa ir ao banheiro, ela consegue, que eu tomo conta”, brinca. Ele também consegue trocar uma fralda ou outra durante o expediente. Segundo o paizão, a mulher sempre diz: “Ainda bem que você está aqui”.
Embora o turno de trabalho esteja um pouco mais longo, ele consegue aproveitar a bebê de um jeito que não poderia se estivesse trabalhando presencialmente, no escritório. “É muito bom poder acompanhar essa primeira fase, de recém-nascida. Estou podendo ficar ao lado delas e participar desse momento”, afirma.
O horário de almoço de Samuel ficou um pouco diferente. Normalmente, o intervalo é reduzido. Em casa, consegue estender um pouco mais o tempo. “Se tem um lado positivo nisso tudo, é que, apesar de tudo, a pandemia proporcionou que eu estabelecesse um vínculo maior com a Manu agora”, conta. Ele, no entanto, lamenta que a própria mãe tenha encontrado pouco a neta e que os amigos nem a tenham conhecido.
Diversão no lar
Apesar de toda a preocupação que envolve viver uma pandemia mundial, Bernardo Luiz Moraes Moreira acredita que a situação deixou ele e os filhos ainda mais próximos. Pai de Natália, 9 anos, e Rafael, 5, sente que o vínculo entre os três cresceu ainda mais. “Na hora de dormir, principalmente, percebo que estão mais apegados, aumentou muito a conexão”, conta.
Antes do isolamento, as crianças tinham muito mais momentos só com a mãe, apenas com o pai ou até sozinhos, com funcionários. A pandemia fez a família ficar junta em casa por muito mais tempo. “Nós sempre fomos muito unidos, mas saíamos bastante, fazíamos muita coisa na rua”, conta. Os entretenimentos, muitas vezes, envolviam mais pessoas.”
Para Bernardo, a rotina está menos atribulada. Sem horário para levar os filhos à escola e a outras atividades e para buscá-los, o pai acaba enfrentando menos trânsito e tendo mais energia, mais tempo e mais disposição para dar atenção aos pequenos. “Isso, de uma forma geral, deixa a gente mais relaxado. O saldo líquido é que temos mais tempo de qualidade com eles. Esse tipo de correria, de ter horário para tudo, deixa a gente cansado, estressado. Agora, eu tenho o horário para trabalhar, passo menos tempo no trânsito, e o resto é com eles”, avalia.
Isso fez com que Bernardo tivesse, também, que exercitar a criatividade para entreter os pequenos. “A gente faz cookie, bolo”, cita o paizão algumas das aventuras do trio na cozinha. “A gente tenta desenvolver atividades diferentes para manter um interesse e distrair as crianças”, explica. Como resultado, o servidor público tem certeza que os filhos estão ainda mais apegados a ele e à mãe.
Festejos
Até festas só para a família, eles fizeram. Mas com interação dos amigos pela internet. Foi o caso do arraiá. “Colocamos música, compramos uma luz diferente, tipo discoteca. Tudo para brincarmos juntos”, relembra Bernardo. Jogos de tabuleiros e de videogame também têm sido bons aliados.
As crianças até fizeram um canal no YouTube, desejo antigo, especialmente de Natália: “Eu estou passando mais tempo em casa e redescobrindo meus brinquedos. E eu queria tanto ter um canal no YouTube, que o papai e a mamãe deixaram, o Nati Rafa Games”. Embora a maioria dos vídeos seja sobre jogo, há também um sobre um festival de sorvetes que fizeram. Natália vai descrevendo as várias delícias que vai misturar. É de dar água na boca.
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