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A rainha do lar

A televisão brasileira completa 70 anos em busca de se reinventar para olhar para o futuro e continuar soberana nas casas do país

Adriana Izel
Vinicius Nader
postado em 17/09/2020 18:33
 (crédito: Arquivo O Cruzeiro/EM/D.A Press)
(crédito: Arquivo O Cruzeiro/EM/D.A Press)

Na última sexta-feira, a televisão brasileira completou 70 anos, data que marca a inauguração da TV Tupi em São Paulo. A comemoração chega em meio ao desafio de se reinventar para enfrentar o streaming e a internet. Mas também é momento de celebrar os pioneiros do veículo que ajudou a moldar a sociedade brasileira desde a inauguração, como Assis Chateaubriand, Walter Clark, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni), Cassiano Gabus Mendes e tantos outros.

“Não teve uma década sequer que a televisão tenha deixado de espelhar os costumes sociais. Um bom exemplo disso são os anos 1970, com a Era Disco. (A novela) Dancin’Days ditou moda... E nos anos 1980? Penteados, roupas, gírias... A televisão é a história social de forma constante e audiovisual. Algo que a televisão brasileira firmou profundamente, e foi um espelho também do jeito brasileiro: sonhador como as novelas, batalhador como nos esportes, afoito por notícias como os telejornais, alegre como a linha de shows, criativo como os infantis, verdadeiro como os realities. É o Brasil na tela, sem exageros”, afirma o jornalista Elmo Francfort, responsável pelo projeto TV ANO 70 da ABERT — Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão, do qual é coordenador do núcleo Memória ABERT, e que lançará em breve o livro A história da televisão para quem tem pressa — Do preto e branco ao digital em apenas 200 páginas (Editora Valentina).

“A tevê é um espelho da sociedade brasileira. Ela interage política, econômica e socialmente com o país e reflete, muitas vezes, o nosso próximo passo. A tevê a cores, por exemplo, chega durante a ditadura militar para representar um crescimento, para dar cor a um momento pálido, acinzentado”, concorda o jornalista e crítico de tevê Gabriel Priolli, autor de livros sobre o assunto, como O campeão de audiência — Uma autobiografia (Summus editorial), sobre Walter Clark, um dos executivos mais importantes do início da televisão brasileira.

Narrado em primeira pessoa (a partir de entrevistas de Gabriel com Walter), o livro nos apresenta a “um construtor da tevê como indústria elevada à mídia nacional”, como define o autor. “Walter Clark era um bon-vivant com histórias incríveis. Ele começou na TV Rio, no tempo da tevê ao vivo e regional. Quando foi para a Globo, a emissora era a quarta colocada no Rio de Janeiro. Em 10 anos, ele e Boni levaram a emissora à liderança absoluta nacionalmente. Eram conhecidos como a dupla Boni e Clark, em referência a Bonnie e Clayde”, completa.

Gabriel ainda ressalta o espírito desbravador do executivo, um dos criadores do Jornal Nacional e do modelo de programação — com entretenimento, noticiário, esportes — que conhecemos hoje. Além disso, ele teve importante participação na passagem da televisão ao vivo para o VT, no início da década de 1960.

Desafios

Olhando a televisão brasileira hoje, consolidada, alguém pode pensar que a trajetória tenha sido simples — ledo engano, não foi. Mas talvez seja o momento atual um dos mais desafiadores. A palavra de ordem passa a ser reinvenção, por conta da ascensão de produtos virtuais (como as webséries no YouTube ou até mesmo no Instagram) e especialmente da chegada do streaming.

“Vivemos altos e baixos, mas em todos momentos a área televisiva e os telespectadores continuam num constante aprendizado. Vivíamos um processo até março e tivemos que nos reinventar. Fomos do produto mais bem acabado para a imagem que fosse possível ser gravada a distância, com as lives e conexões de internet nem sempre tão boas”, afirma Elmo. “É mais ou menos como as relações humanas: você se apaixona por alguém, mas se a outra pessoa não tiver um bom conteúdo, um bom papo, uma hora cansa e vai embora. A televisão agora está buscando a melhoria no seu diálogo”, completa.

Elmo lembra que ouvimos durante décadas “erroneamente” que a televisão mataria o rádio, mas isso não aconteceu. Assim também será com a dupla tevê e streaming: “Tem espaço para todos, com adaptações aos costumes e gostos que se modificam ao longo dos processos. A televisão não pode se basear apenas na grade, mas cada programa deve ser especial, diferenciado, podendo ser consumido dentro de uma grade ou isoladamente, conforme a vontade do espectador.”

Para Gabriel, o streaming representa um rival, mas a televisão não vai sucumbir, assim como a chegada de outras mídias, como o videocassete e a tevê a cabo, não mataram a jovem senhora. “A televisão, hoje, precisa descobrir como dialogar com essa nova audiência que está se formando. Ela perdeu a centralidade, mas está pensando como produzir para esse público, com produtos novos, como o Globoplay”, comenta o autor.

Além de reforçar o diálogo, uma arma apontada por Gabriel para manter a hegemonia é o ao vivo. “As pessoas ainda pensam na televisão quando querem acompanhar ao vivo, por exemplo, um acontecimento histórico, um acidente, um atentado. É para a televisão que a gente corre”, explica.

Marcas registradas

Pioneiros como Walter Clark deixaram algumas marcas registradas que aparecem até hoje na identidade da televisão brasileira. Gabriel Priolli destaca duas: a capacidade de improvisação e a criatividade. “Nos outros países, é tudo muito dentro de um padrão. Aqui, a televisão nasceu no improviso”, conta o escritor

Ele lembra que, no dia da inauguração, a primeira transmissão contaria com três câmeras gerando imagens. Mas uma quebrou. Os empresários americanos queriam adiar tudo para quando o conserto fosse feito. Mas Cassiano Gabus Mendes insistiu que fariam no susto, com duas câmeras e sem roteiro.

Como produto, Gabriel destaca uma verdadeira paixão nacional: “Ninguém faz telenovelas como o Brasil — fazemos o popular quando queremos e o elitista quando queremos”.

Elmo Francfort também destaca que “tivemos os primeiros anos de forma muito inventiva” e aponta uma evolução nesses 70 anos: “Atravessamos a televisão ao vivo, depois a chegada do videoteipe. Do local, fomos para o nacional; do regional, para a rede. Depois, do preto e branco às cores, seguida do digital... Vimos grandes teatros, como TV de Vanguarda, novelas memoráveis, como O direito de nascer, Beto Rockfeller, Bem amado, Pantanal, Avenida Brasil.”

Para o jornalista, o balanço é mais que positivo, pois “são 70 anos de uma história que, apesar de episódios tristes e chocantes, temos muito o que comemorar, sendo hoje uma referência internacional de tevê e do próprio país. Assis Chateaubriand talvez não tivesse ideia do que estaria por vir, tendo hoje uma quantidade grande, para muitos países considerada irreal, em número de redes nacionais”.

Confira entrevista completa com Elmo Francfort em http://blogs. correiobraziliense.com.br/proximocapitulo/.



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