Crônica da Revista

A força feminina

Maria Paula
postado em 01/10/2020 16:13
 (crédito: Editoria de arte)
(crédito: Editoria de arte)

“O filme que dirigi, Por que você não chora?, fez muito barulho no Festival de Gramado. Estamos vivendo uma pandemia distópica que nos deixou confinados e afastados, nos fez olhar para dentro, e esse olhar é assustador para muitas pessoas. A ideação suicida é o tema do filme e houve consenso, durante a apresentação no festival, sobre quão importante é falar disso. Sempre vista como tabu pelo senso comum, a conversa sobre a vontade de morrer deixou de ser proibida nos últimos anos e ganhou espaço nas telas, como por exemplo na série 13 reasons why. Falar traz alívio e a possibilidade de seguir com a vida.

O filme é sobre a relação terapêutica entre uma estagiária de psicologia e uma cliente diagnosticada com Transtorno de Personalidade Borderline. É um filme de mulher, com um elenco poderoso: Carolina Monte Rosa, Bárbara Paz, Cristiana Oliveira, Elisa Lucinda, Maria Paula, Priscila Camargo, Luciana Martuchelli e a jovem Valentina Cysne.

É sobre isso que estou com vontade de falar, sobre as mulheres. Fiquei impressionada em ver como o filme fez sentido para elas. Pude ler críticas de jornalistas mulheres e recebi muitas mensagens nas redes sociais. O filme tocou suas almas e emocionou o público feminino.

A história deste filme começou quando eu estava na faculdade de psicologia e fizemos uma visita a um hospital psiquiátrico. Visitamos a ala masculina e a ala feminina. A ala masculina dava a impressão de ser um hospital normal. Muitas visitas, muita gente circulando, pessoas que estavam ali internadas por um período breve.

A professora que nos acompanhava já avisou antes de irmos para a ala das mulheres: “Vocês vão notar a diferença”. E realmente, um vazio tomou conta. Não tinha movimento, não tinha visitas, não tinha muita vida. Mulheres que estavam ali há bastante tempo e que tinham esperança de rever seus entes, mas reclamavam de abandono. Quando chegou a hora de irmos embora, havia tristeza e raiva em seus olhares.

Por que isso acontece com as mulheres? Eu soube que também é assim em presídios femininos. As mulheres, as grandes cuidadoras da nossa sociedade, não são cuidadas. Quem cuida de quem cuida? O filme fala sobre isso também. Os profissionais da saúde mental estão sempre sendo demandados para além da própria profissão. Os amigos e familiares estão sempre nos procurando, pedindo atenção e cuidados. Mas quem cuida da gente?

No último ano da faculdade, fiz estágio no Instituto de Saúde Mental (ISM), no Riacho Fundo. Foi uma experiência riquíssima. Ali, de novo, eu me deparei com o sofrimento das mulheres. Mulheres caladas, mães, trabalhadoras que não podiam sequer se dar ao luxo de desistir da vida. “Uma mãe não tem o direito de morrer” — essa é uma frase que está no filme e que ouvi ali. Durante o estágio, também vi um funcionário de lá entrar em surto, um dos cuidadores. Foi uma experiência bastante importante para entender que é preciso se cuidar e buscar ajuda quando estamos trabalhando com saúde mental.

O filme ganhou as páginas dos jornais, blogs e redes sociais no Brasil inteiro. Abriu a mostra competitiva de longas em Gramado, e a projeção foi enorme. Não param de chegar mensagens e convites para o filme. A psicologia vibrou. As mulheres se identificaram. É uma grande alegria. Esse era o objetivo: gerar um debate em torno de um assunto tão urgente e necessário.

E fomos também premiados pela participação da atriz Elisa Lucinda. Um prêmio diferente, menção honrosa, mas que foi muito bem-vindo. Quem convidou Elisa para o filme foi Patrick de Jongh, produtor. Ele já a conhecia de outros trabalhos. Eu amei a ideia, pois tinha visto Elisa numa peça genial, Pare de falar mal da rotina, que está em cartaz há décadas, de tão boa que é. Elisa é uma entidade e trouxe sua marca para nosso filme. As outras grandes atrizes que estão no filme também brilharam.

Essa força feminina estava presente na mostra competitiva de longas em Gramado também em outros filmes de outras duas diretoras, Joana Mariani e Angela Zoé. Que o audiovisual nacional continue incluindo as mulheres nos festivais, nos editais, e nas produções para tevê e plataformas de streaming. As mulheres brasileiras têm sustentado, senão a maioria, pelo menos metade dos lares do país. Precisamos de mais histórias feitas por mulheres para mulheres.”

A parceria publicada hoje é diferente das outras, que foram escritas a quatro mãos. A diretora de cinema e psicóloga Cibele Amaral escreveu sozinha o testemunho.

 

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