Especial

Influenciadoras com uma causa

As redes sociais estão cheias de influencers. Mas já parou para pensar quantas delas são negras? Brasilienses contam que não é fácil entrar nesse mercado sendo preta, mas lutam por representatividade

Renata Rusky
Maria Carolina Brito*
postado em 12/11/2020 17:06 / atualizado em 12/11/2020 17:12
 (crédito: Arquivo Pessoal)
(crédito: Arquivo Pessoal)

 

Se, no Brasil, as mulheres negras, por um lado, estão condicionadas às piores condições de emprego, aos menores salários e a postos de trabalho precarizados, por outro, é um grupo que consome e movimenta, por ano, até R$ 704 bilhões. De acordo com a produtora cultural e publicitária Marta Carvalho, os dados deixam óbvio que existe uma população que era colocada de lado nas campanhas publicitárias, mas não por consumir menos — e, sim, por puro preconceito racial.

Diante dessa realidade, o mercado tem olhado cada vez mais para as produtoras de conteúdo negras e, como consequência, elas têm conquistado o merecido — e mais que urgente — espaço. Para Marta, as mulheres negras sempre estiveram nas redes sociais, mas, agora, elas estão sendo mais enxergadas. “Em 2020, ficou mais evidente que era necessário trabalhar a diversidade nas marcas e nas publicidades, a partir da inclusão. Não dá mais para contar uma história excluindo essa parcela da população”, afirma.

E com histórias de vida em que o preconceito racial sempre esteve presente, essas influenciadoras são ativistas por natureza. Apoiam umas às outras e não se limitam a falar de moda, estilo, beleza, comportamento e a fazer propagandas. “Tem muita relevância a presença e a visibilidade delas nas redes porque os conteúdos dos influenciadores negros sempre vêm com a subjetividade muito própria da pessoa preta”, explica Marta.

As influenciadoras digitais negras são mulheres que servem de referência e trazem representatividade nas redes sociais — plataformas que influenciam na autoestima e na saúde mental de tanta gente.

*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte


Da roça para as redes

A influenciadora digital Agda Carvalho, 31 anos, chegou a Brasília em 2010. Antes disso, viveu a maior parte da vida na roça, sem energia elétrica — primeiro com os pais e, depois, com o marido. Casou-se aos 16 anos, o relacionamento não deu certo e resolveu se mudar com a filha para a capital, onde tinha um irmão. Na cara e na coragem, características dela.

Em 2014, ela estudava direito e estava no processo de transição capilar para estimular a filha, Michele, de 8 anos, a gostar do próprio cabelo. “Ela queria alisar o cabelo, porque eu alisava. E eu não queria que ela alisasse, porque achava lindo”, relembra. A pequena gostava de assistir a vídeos no YouTube e começou a incentivar a mãe a fazer alguns sobre a mudança no cabelo.

Agda admite que nem entendia direito como as redes sociais funcionavam na época, mas criou um blog e um perfil no Instagram. Um dia, comprou uma sandália, colocou uma foto, despretensiosamente, e acabou ganhando uma foto na revista da marca, de circulação nacional. O perfil no Instagram não tinha nem mil seguidores. De repente, tinha 10 mil. Ela relata que muitos outros blogueiros a apoiaram e deram dicas, e comemora por ter mais referências atualmente.

Foi assim que nasceu o Negra e estilosa (@negra_e_estilosa), que, a princípio, levava só o nome dela. “Mas aonde eu ia, as pessoas me descreviam como negra e estilosa e acabavam me procurando assim nas redes sociais. Decidi, então, mudar”, conta. Com o boom desse trabalho, ela resolveu trocar de curso. Começou a estudar publicidade, no qual está prestes a se formar, para entender melhor o que fazia e aplicar novos conhecimentos. Hoje, ela tem mais de 55 mil seguidores, consegue ajudar a mãe e sustentar a si e a filha por meio do trabalho. Também já palestrou em algumas edições da Campus Party.

Trabalho com um propósito

Agda faz questão de deixar claro que ser uma influenciadora é um trabalho sério como qualquer outro. Pode gerar um certo fascínio pelos mimos que recebe de tantas marcas, mas alerta: “É importante deixar claro que os presentes não pagam a conta no fim do mês. Quem está começando não vai conseguir campanhas que pagam logo, mas é importante não criar essa cultura de que é glamour”, explica.

A filha, Michele, que vê de perto a rotina dela, não sente vontade de trilhar o mesmo caminho. Ajuda a mãe, dá dicas. Mas Agda não segue todas. “O @negra_e_estilosa sou eu, a gente fala de coisas boas, mas, também, traz algumas discussões polêmicas”, conta.

“Embora esteja bem profissional, eu quero que seja um espaço com a minha cara e para as Agdas que eu já fui, porque, de onde eu vim, as pessoas não chegam onde eu cheguei. Eu quero dar perspectiva a elas”, declara.

A jovem ainda tem planos de voltar à cidade natal e realizar algum projeto. No blog Negra e estilosa, com leiaute recém-lançado, tem um espaço aberto para empreendedoras da cidade divulgarem seus trabalhos de forma gratuita.

Arquivo Pessoal
Agda Carvalho criou o @negra_e_estilosa por acaso, por causa da filha, e hoje tem mais de 50 mil seguidores

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Inspiração para as pretas

 (crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press)
crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press

Com conhecimentos de moda, consultoria de imagem e fotografia, a criadora de conteúdo Ana Caroline Cardoso (@anacarolinecardoso), 27 anos, entrou no universo da internet há cerca de nove anos. Compartilhava fotos de looks, mas, por insegurança, não investiu. “Eu tinha um site em que era fotografada, fazia os looks, só que parei. Se eu tivesse levado bem a sério, confiado em mim há alguns anos, provavelmente seria uma dessas maiores. Só que eu pensava: ‘Ah! Já tem algumas. Por que as pessoas vão querer me ver?’ Acho que tem muito a ver com a baixa autoestima da mulher negra”, acredita.

Atenta às dinâmicas das redes sociais, Ana teve uma marca de roupas e achados de brechó. Lá, aprendeu o que funcionava — e o que não funcionava — para atrair o público virtual. Ela transferiu as estratégias e os planos de conteúdo da marca para a vida pessoal há cerca de três anos, quando decidiu levar a sério o trabalho de influenciadora. Deu início à produção de conteúdo exclusivamente para o feed.

Caminhando solitária, ela conta que, no ano passado, começou a ter maior reconhecimento na cidade, recebendo convites para eventos, shows, festas. “Foi um crescimento muito sozinha porque eu não tinha, por exemplo, alguma amiga que já era influenciadora. Cresci sem conhecer ninguém.” Ana Caroline tem, hoje, no Instagram, mais de 21 mil seguidores.

A jovem faz críticas ao mercado de influenciadores em Brasília, pela falta de oportunidades. “É muito difícil, porque é um mercado novo aqui, que é a cidade do concurso. As pessoas não querem pagar influenciadores como uma profissão, que é.” Ela explica que o fato de ser uma mulher negra nesse meio é um outro dificultador. “As marcas de fora não se interessam pelas pessoas negras.”

Um apontamento comum entre produtores de conteúdo negros é sobre o aumento de engajamento em novembro, mês da consciência negra, quando marcas e eventos passam a enxergá-los. “É como se a gente não existisse antes, e, de repente, aparecem vários influenciadores negros. Aí a gente pensa: vai continuar. Só que não é bem isso.”

Diferencial

Ana Caroline explica que as pessoas têm uma visão equivocada da moda, como se fosse algo fútil. Mas, para ela, entender o que cai bem em você, quais cores favorecem o seu corpo é um exercício de amor-próprio. “Principalmente da autoestima da mulher negra, porque nós não crescemos sabendo que somos bonitas. Não sabemos o que devemos vestir para nos sentirmos melhor. E, com a autoestima em alta, nos sentimos melhor, conseguimos ter mais segurança, independência.”

Para ela, o diferencial do conteúdo que produz é resultado da paixão pela moda, somada à relação próxima que tem com quem acompanha o seu trabalho, o que proporciona uma humanização entre influenciador e seguidor. “Nos meus stories, falo sobre tudo, qualquer coisa, falo besteira. Faço vídeos em que eu estou acabada. Para mim, é muito real.”

Ana Caroline conta que, quando entrou no Instagram, teve contato com várias questões sobre a situação das mulheres negras no mundo. “Eu comecei a bater o pé e decidi que o meu foco seria a autoestima da mulher preta.” Para ela, ocupar esse espaço é uma questão de representação, e de resistência. “Eu vou conseguir, ainda estarei lá em cima, vou mostrar para outras mulheres que elas são capazes também, porque referência é tudo!”

A jovem cita a vice-presidente eleita dos Estados Unidos, Kamala Harris, que, em seu discurso após a vitória, trouxe falas sobre representatividade, como “eu posso ser a primeira mulher neste cargo, mas não serei a última.”

Persistência

Para Ana, a palavra que a descreve é persistência para quebrar as barreiras do preconceito. Ela diz acreditar que mudanças são possíveis, mas tem os pés no chão: “Não sou vista na internet como acho que deveria ser, tento dar o meu melhor. Muita gente já teria desistido, porque você dá conteúdo de graça, você está lá, sem ganhar nada, esperando que alguma hora alguém te note.”

A influencer conta, porém, que os relatos de agradecimento que recebe compensam todo o trabalho. “Eu recebo mensagens de mulheres negras do tipo: ‘Muito obrigada! Eu fiquei vendo dia após dia que você gosta do seu black power e comecei a gostar do meu’.”

O seu mais novo projeto é uma produção para o IGTV, chamada O seu programa de moda, no qual traz convidados para desbravar o mundo fashion. “Nós, negros, podemos e devemos estar em todos os lugares, inclusive falando sobre estilo.” Ela pretende viralizar o conteúdo aprofundado sobre o assunto. “Quero mostrar isso de uma forma mais acessível. Estou convidando pessoas cujo visual eu admiro para falar coisas do tipo: de onde consome e quais truques baratos de moda usa, por exemplo”, completa.

Racismo nas redes

A influencer conta que a relação dos produtores de conteúdo negros com o algoritmo das redes sociais é complicada (leia box). “No meu Instagram, postei uma foto de uma menina branca para ver como seria o engajamento. E dobrou, mesmo sem hashtag, sem nada. Não só o Instagram, mas todas as outras redes são racistas”, afirma.

Para ela, há uma produção supercriativa e de boa qualidade feita, nesses canais, por pessoas negras, mas que fica em segundo plano. “A cada dia, diminuem os números. E a tendência seria aumentar. Enquanto as pessoas brancas não param de crescer, você vê as negras estagnadas, com o mesmo número de seguidores há muito tempo.”

A decisão de criar o programa foi, justamente, uma tentativa de construir suas próprias oportunidades, atrair patrocinadores. “Tudo depende do engajamento, há dias em que está péssimo; em outros, você posta um conteúdo e o Instagram não entrega. Você tem 21 mil seguidores e está entregando para 500. Aí não é culpa sua.” Ela diz que o engajamento do primeiro vídeo do novo projeto foi bom, alcançou 8 mil pessoas, mas acredita que poderia ser melhor.

“Poucos influenciadores negros têm mais de 1 milhão de seguidores, é muito difícil. Enquanto a cada dia, eu descubro um perfil novo de uma pessoa branca que tem cinco, 10 milhões de seguidores, como se fosse algo muito fácil. A gente está lá, dia após dia, e os números não crescem, as pessoas não recebem seu conteúdo, é bem desleal”, aponta Ana.



Entendendo os algoritmos

Carla Vieira, engenheira de software, 22 anos, explica que a função do algoritmo nas redes sociais é, entre outros, gerenciar o que você vê na sua linha do tempo. “Você segue 2 mil pessoas. Se você fosse ver tudo o que é postado em ordem cronológica, bastante conteúdo seria perdido. O algoritmo seleciona, de acordo com o que ele acredita que lhe interessa.”

Segundo ela, esse tipo de programação reflete o mundo real. “Se, no mundo real, existe discriminação e preconceito, isso estará nos algoritmos que a gente cria.” A dificuldade que os produtores de conteúdo encontram na rede social, em relação ao engajamento, está relacionada aos usuários da plataforma e à sociedade como um todo. “Os usuários do Instagram, no geral, têm dificuldade de se engajar em uma publicidade em que aparece uma pessoa negra, por exemplo. Se as pessoas não se engajam, o algoritmo do Instagram vai entender que aquele conteúdo não é um dos que fazem os usuários da plataforma se engajarem. E aí ele acaba não distribuindo tanto aquele material da forma que a gente gostaria”, completa.

Carla explica que a solução para a questão seria que a própria rede social engajasse ativamente esse conteúdo — como o Twitter fez, verificando várias pessoas negras e com deficiência. “O que elas podem identificar é isso: se os usuários estão tendo comportamento que não segue o código de conduta, tentar, de alguma forma, mudar isso. Mas se vale a pena para eles, é um outro questionamento.” A engenheira conclui que essa é uma discussão importante de ser levantada, inclusive, dentro do mundo da tecnologia.

Bom humor e ativismo

 (crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press)
crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press

Embora seja atriz, Tainá Cary (@tainacary), 25 anos, é ela mesma em seu perfil no Instagram — uma pessoa extremamente extrovertida, que fala o que passa na cabeça. “Eu não preciso me preocupar de ser homofóbica, porque eu não sou, não me preocupo de falar besteira. Não sinto esse peso. Se estou sem assunto, falo sobre a falta do que dizer.”

Gosta que lembrem da profissão que tem e de mostrar atuações algumas vezes, mas deixa bem claro quando esse é o caso. “As pessoas acham meu jeito engraçado. Eu estou normal e as pessoas riem”, conta. Sem se esforçar — às vezes, sem nem tentar —, faz piada de assuntos diversos. Tainá, naturalmente, conquistou uma porção de pessoas que esperam pelo “bom dia” dela todas as manhãs — e até cobram quando ela não dá.

Foi tudo por acaso, sem pretensão. Tainá sempre quis ser famosa, tanto que escolheu fazer artes cênicas e ser atriz, mas não imaginou que a rede social seria um meio para isso. “Era meu diário, aí eu percebi que tinha muita gente lendo e que era, também, um trabalho”, relembra.

Em grupo

Encarando o perfil de forma mais profissional, Tainá pediu à irmã, Naomi Cary, 26, escritora e diretora, de quem é inseparável, e a melhor amiga, Mariana, para ajudarem na produção. Naomi conta que a irmã trabalha com um fluxo de ideias mais desorganizado, então, cabe a ela transformar em algo viável. “Eu tenho vocação para os bastidores”, afirma. Naomi e a amiga aprenderam, em só um mês, a editar vídeos. Tudo para fazer parte e alavancar a carreira de Tainá.

“Ela é potente, e a gente vê isso nela. Quando ela tem uma ideia, pede nossa contribuição e acaba falando por todas nós”, afirma Naomi, orgulhosa. As duas compartilham um pequeno copo descartável cheio de ideias em pequenos papéis. Para a escritora, trabalhar com a irmã é, também, proteger o ego dela. “Um vídeo dela que vai mal me faz sofrer junto, então, eu dou ideias”, conta.

E elas aproveitam, também, os louros de serem uma influenciadora digital juntas. “Eu achava que demoraria para chegar uns mimos, mas foi rápido”, diz Tainá. Quando é comida, sempre espera Naomi e o sobrinho para experimentarem juntos. O que mais gostam de receber, porém, é cerveja. “Eu sempre achei que quando chegasse, seria o auge. E não é que chegou?”, brinca.

Mas os frutos do trabalho não vm em presentes e, sim, em oportunidades profissionais. Trabalhando em um grande projeto como apresentadora, Tainá levou a irmã para dirigi-la. “Ela me dirige, me assessora, me maquia”, conta. Isso rendeu a Naomi a direção-geral da empreitada. Elas comemoram juntas. O que faz uma feliz faz a outra, também.

De repente, 10 mil seguidores

Um dos momentos de virada para Tainá foi durante a explosão de protestos do Black lives matter, após a morte de George Floyd, por asfixia, durante uma ação policial nos Estados Unidos. “Naquela época, meu Instagram explodiu de seguidores”, relembra. Ela passou dos 10 mil, o que lhe garante algumas vantagens, como o famoso “arrasta para cima”, em que é possível incluir um link no chamado story (publicação disponível, em regra, por apenas 24 horas).

Depois, muitos deixaram de segui-la. E ela conta que, até hoje, quando fala de racismo, algumas pessoas param de ler os posts novamente. Mesmo assim, ela tem um público de 10,5 mil seguidores. “O que eu tenho certeza é de que a maior parte é mulher. Quase certeza de que a maioria é negra, mas esse estudo nós nunca fizemos”, admite Tainá.

Na bolha em que vive, a atriz afirma ver cada vez mais “gente preta produzindo conteúdo, mas sente falta de uma rede”. É aí que a irmã vem com a ideia: quem sabe abrir uma produtora para reunir e impulsionar esses talentos. “Queremos ver mais pretos em todas as áreas”, afirma Naomi.

Atriz, Tainá (E) tem mais de 10 mil seguidores na internet e conta com a irmã, Naomi, para gerenciar o seu perfil

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação