Fitness e nutrição

Prática do balé é repleta de benefícios para a saúde do homem

Aos poucos, eles trilham caminhos para a desconstrução de preconceitos e conquistam espaço e reconhecimento na dança

por Raquel Ribeiro*
postado em 06/12/2020 15:00 / atualizado em 06/12/2020 15:47
 (crédito: Ana Rayssa/CB/D.A Press)
(crédito: Ana Rayssa/CB/D.A Press)

Danças como o balé clássico carregam o estigma de serem predominantemente femininas e, por isso, a presença de homens pode ser vista com certo estranhamento e até preconceito. Contudo, engana-se quem pensa que essa modalidade tem a figura feminina como protagonista. O balé clássico foi criado por homens, por volta do século 15, na corte italiana. A princípio, apenas eles praticavam a dança. Somente durante o Romantismo, no século 19, as mulheres passaram a ser inseridas, e a associação da bailarina como símbolo de delicadeza e suavidade consolidou-se.

Embora padrões impostos pela sociedade — seja em relação a gênero, seja a idade — ainda circundem o universo do balé, mudanças e ressignificação de conceitos estão em curso. O projeto Bailarinas por que não?! é um exemplo de iniciativas que incentivam a valorização dos homens no balé. Fundado em 2015, surgiu de um desejo de Cláudia Bengtson, jornalista e bailarina amadora, de um espaço que trabalhasse com uma proposta de balé adulto voltado para homens e pessoas mais velhas.

Na iminência de completar 40 anos, Cláudia sentia falta de um ambiente que entendesse sua realidade por completo e oferecesse mais do que apenas um papel coadjuvante no palco. “Nunca encontrei aquela escola que me incentivava como aluna. O meu desejo era que respeitassem a minha vontade de aprender, como aluna iniciante, sem ficar constrangida e pensar que sou velha demais para isso.”

Após ensaios e apresentações beneficentes realizadas pelos engajados no projeto, o aumento do interesse por aulas motivou a criação da escola Bailarinas por que não?!, em 2019. Com um perfil diferente das demais instituições de ensino de balé do Distrito Federal, ela investe em um jeito mais inclusivo de ensinar e abre portas para a desconstrução de preconceitos relacionados à presença masculina na dança.

 

Benefícios para o corpo e a mente

Foi por meio de uma participação especial em uma apresentação da escola que os homens foram introduzidos no mundo do balé e, como consequência, uma turma só para eles foi criada. “É uma turma muito bacana, porque quebra esses preconceitos de quem pode dançar e quem não pode. É muito bonito acompanhar os homens que estão na turma se apaixonando pelo balé e se redescobrindo”, relata Cláudia.

O marido de Cláudia, Kristian Bengtson, 47, é um dos alunos da turma Primeiros passos para homens que se permitiu encantar pelo balé. “Gosto de praticar balé pelo desafio mental e físico, pela consciência corporal que proporciona, pela melhora na postura, e pelo clima de amizade e carinho uns com os outros, que é perpetuado na escola”, declara.

Com um histórico de atleta, o jornalista e apresentador Carlos Eduardo Cunha, 56, transitou por várias atividades até chegar ao balé. Como resultado do fortalecimento de músculos, ele notou benefícios não só na saúde — com a diminuição de dores no corpo — bem como no campo profissional. “A respiração utilizada na dança, além da noção espacial e de movimento, me ajudou na movimentação no estúdio em pé, assim como na melhor dicção para apresentar o jornal”, explica.

Aspectos positivos, aliás, não faltam para quem pratica a atividade. Mais do que uma dança que proporciona bem-estar, o balé pode ajudar desde o fortalecimento dos músculos do corpo à melhora na postura, no equilíbrio e na flexibilidade, até o desenvolvimento do autoconhecimento corporal.

“Como trabalhamos com a percepção corporal, o balé é um grande aprendizado de autoconhecimento. Nele, aprendemos a organizar e manter vivo nosso movimento. Se o trabalho for bem-feito, ganhamos qualidade de vida e longevidade”, explica Daniela Amorim, professora da turma Primeiros Passos para Homens.

Para Rodrigo Mena, professor de jazz e balé da Academia Lucia Toller, uma das maiores contribuições da dança é o poder de libertar o ser interior de cada um. “Com o passar do tempo, os alunos começam a desabrochar, mostrar-se, a se ver como artistas. Existe um processo de libertação muito bonito dentro da sala de aula, e isso é muito prazeroso. A dança tem um poder incrível sobre quem a pratica.”

Papel do homem
O aprendizado dos homens tem particularidades relacionadas a fatores físicos e emocionais. Rodrigo aponta que os rapazes recebem orientações diferentes, pois existem alguns movimentos, gestuais e compassos, que se distinguem das mulheres. “Na movimentação de braço, por exemplo, as mulheres fazem de forma mais delicada, mais suave. Os homens têm mais vigor e força. Outro exemplo é que as mulheres fazem aulas de sapatilha de ponta para dançar na ponta, enquanto os homens, não”, ilustra.

Há, também, uma associação informal do que o bailarino pode e não fazer. Segundo o professor, por muito tempo ficou designado que o papel do homem no balé se restringia a sustentar as bailarinas, quando, na verdade, é bem mais que isso. “De uns 10 anos para cá, isso vem mudando muito e de uma forma muito forte. O papel do homem no balé clássico também é de ser um solista, dançar, brilhar, fazer grandes saltos e piruetas, além de poder aprimorar sua técnica e se tornar um profissional de renome.”

Caminhos de sucesso
Em relação ao estranhamento de amigos e familiares direcionado aos homens que dançam balé, Rodrigo acredita que ele é originário da falta de informação. Logo, a partir do momento em que as pessoas começam a frequentar apresentações de dança e conviver de perto com a realidade daquele profissional, o preconceito cai por terra. “Não há muito espaço para preconceitos. Pode haver velado, mas preconceitos explícitos eles não sofrem mais. Isso vai se desconstruindo à medida que a gente vai mostrando que a dança é uma profissão, independentemente de gênero, sexualidade, cor, biótipo físico, idade.”

Envolvido por um pilar de segurança e suporte daqueles que ama, Rodrigo não se deixou abalar por concepções pejorativas e buscou se impor como profissional do balé durante toda a trajetória na dança. “O preconceito não tem espaço na minha vida, justamente por eu me impor como profissional da dança. As pessoas, desde o início, começaram a me ver e a me respeitar pela minha profissão”, conta.

Breno Lima é outro bailarino que construiu uma carreira de sucesso na dança com dedicação e paixão. Quando tinha 16 anos, conseguiu uma bolsa de estudos na Academia Lúcia Toller. Para ele, o preconceito que homens bailarinos sofrem está vinculado à homofobia e a estruturas sexistas que fomentam pensamentos de que a dança não é uma atividade própria para o homem.

O incentivo do governo ao meio artístico, a representação da classe de bailarinos na sociedade, a valorização de empresas de entretenimento e maior acessibilidade à arte são alguns dos caminhos propostos por ele para mudar esse cenário de preconceito.

“Devemos incentivar os homens que têm vontade de dançar, seja para formação profissional, seja, simplesmente, por realização pessoal. Ao ter mais contato com a arte, preconceitos seriam quebrados, o mercado de trabalho artístico sofreria influência e a profissão bailarino passaria a ser mais respeitada e bem-vista”, opina.

Enquanto essas mudanças não são concretizadas, iniciativas como a da escola Bailarinas por que não?! devem ganhar visibilidade. “Espero que a escola inspire muitos homens que têm essa vontade. Que eles superem esses bloqueios impostos pela sociedade e, por eles mesmos, realizem seus sonhos. Porque é muito gratificante e bonito você realizar um sonho, seja qual for a época da sua vida”, afirma Cláudia, otimista.

*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte 

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