Cidade nossa

Quem é o brasileiro?

Paulo Pestana
postado em 10/12/2020 19:43
 (crédito: Rditoria de arte)
(crédito: Rditoria de arte)

Não sei se o nobre leitor já participou de alguma pesquisa qualitativa. É um tipo de estudo feito para ouvir pessoas reunidas numa mesma sala para trocar ideias sobre determinado assunto; é muito usado por políticos, mas também é útil para a indústria, especialmente quando do lançamento de algum produto novo.

No início da conversa, os convidados — que recebem um lanche e uma graninha para participar — guardam-se, precisam ser provocados por um mediador, senão não sai nada. Mas basta dar corda para que as opiniões apareçam. E aí se ouve de tudo.

As mulheres são mais sinceras, diretas; aceitam a ponderação alheia e até mudam de opinião. Os homens são mais arraigados às próprias certezas, marcam posição como cachorros que fazem xixi no poste. E, pior, gostam de fazer pose de inteligente a cada intervenção. E gostam de exercer alguma autoridade.

De um certo momento para a frente, as opiniões se cristalizam. Aparecem líderes à procura de seguidores, com necessidade de levar uma ideia qualquer à frente — mesmo que seja a teoria de que a Terra é chata. Aliás, parênteses: os terraplanistas têm certa razão quando dizem que o mundo é chato; só erram quando colocam a definição no escaninho da geografia.

Voltando à pesquisa, é preciso compreender que as pessoas estão sendo pagas e, portanto, sentem-se na obrigação de prestar um bom serviço. E, como o trabalho ali é falar, nascem pérolas de indiscrição, que revelam o caráter do brasileiro de uma forma que nem Buarque de Holanda pai conseguiu.

Ali, ouve-se que vender voto é uma coisa normal, que votar em quem já foi condenado é justificável, que era melhor viver sob ditadura sem essa chatice de votar, que, digamos, aditivos para a diversão — como a cerveja, por exemplo — não deveriam ter imposto, para que todos pudessem farrear. Não há limites para os absurdos que são ditos, mais ou menos como nas redes sociais.

A diferença é que as pessoas estão presentes, dizem com convicção e assumem a responsabilidade pelo enunciado, diferentemente das apócrifas e covardes mensagens espalhadas pela internet. Assim, é estarrecedor descobrir o verdadeiro grau de sexismo e machismo do brasileiro.

Foi assim que o senhor, já passado dos 50, disse que a lei é errada quando condena um homem que se envolve sexualmente com uma menor de idade. E ao mesmo tempo que concorda com a proibição de menores dirigirem. O pior é que o grupo, misto, classes C e D, não se espantou com a tese; ninguém reagiu.

É triste também assistir a uma mulher (por volta dos 40 anos) dizer que elas não deveriam assumir cargos públicos porque são muito emotivas — mesmo argumento de Margareth Thatcher, aliás, que só nomeou homens para seu gabinete inaugural. O pesquisador disse que é um reflexo da passagem da presidente, mas eu tenho certeza que é um sentimento muito mais arraigado.

O pior é ter a sensação de que a gente não conhece o brasileiro. Talvez, por isso, a gente não saiba para onde vai.

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