Vegetarianismo: a cura mental e física pela gastronomia

À frente do café Oyá, a chef Luciane Santos conta como a gastronomia melhorou sua saúde mental e ensina uma receita para nunca mais jogar uma casca de banana fora

Sibele Negromonte
postado em 03/01/2021 00:00
 (crédito: Minervino Junior/CB/D.A Press)
(crédito: Minervino Junior/CB/D.A Press)

Luciane Santos tinha 12 anos quando os pais se separaram. A mãe reuniu, então, as três filhas para falar da nova rotina da casa. Mais do que nunca, todas precisavam cooperar. “Ela nos ensinou a fazer arroz, pois dizia que quem sabe fazer arroz não fica esperando com fome.” Os dias que se seguiram foram de experiências divertidas. “Eu via a correria diária da minha mãe e encontrei na comida uma foram de criar uma relação de afeto e empatia. Depois da escola, eu me apressava para chegar em casa e oferecer a ela mais que um alimento, mas cuidado, tranquilidade e tempo para si e para nós.”

Naquela época, não havia as facilidades de buscar receitas na internet. Lu se virava, então, como dava: lia as dicas nas embalagens dos produtos e criava pratos para a família. “Resgatei um caderno que tinha sido dado de presente no Dia das Mães, quando eu estava no 3º ano. A professora fez uma atividade em que cada aluno escreveu uma receita de família. Até hoje, minha mãe tem esse caderno.”

Quando completou 19 anos, Lu conseguiu o primeiro emprego, coincidentemente em um restaurante. De dia, trabalhava neste restaurante, que era de um amigo, e, à noite, em um café. “Eu não ficava na cozinha, mas, sim, no atendimento. Mas aquela experiência proporcionou que eu observasse de forma mais próxima as diversas reações e experiências das pessoas com o ato de comer. E a minha visão sobre alimentação se expandiu. Passei a sonhar com a ideia de proporcionar tempo, consciência política e afetiva por meio da culinária.”

Mas o sonho de Lu precisou ser adiado. Em busca da tão sonhada independência financeira, iniciou carreia em uma multinacional de auditoria — paralelamente, fazia a faculdade de contabilidade. Começou como telefonista e foi galgando promoções até se tornar executiva. Passaram-se nove anos, Lu teve o primeiro filho e, com o excesso de trabalho e de viagens, percebeu que não era aquilo que queria para a vida. “Desenvolvi síndrome do pânico, estava depressiva”, lembra.

Foi um percalço familiar, porém, que a fez repensar tudo. Uma das irmãs de Lu foi diagnosticada com um câncer de mama agressivo e parte do tratamento estava muito relacionado à alimentação. “Era uma dieta muito restritiva, principalmente de carne. E eu comecei a estudar mais sobre o assunto, a origem dos alimentos, o que a gente consome, como o animal é tratado até o abate. E vi que gerava mais doença que saúde.” Lu voltou a cozinhar de forma mais intensa. Queria proporcionar o que havia de melhor para a irmã. E, assim, tornou-se vegetariana estrita.

Autoconhecimento

Quando estava prestes a se tornar gerente na multinacional, Lu decidiu mudar radicalmente de vida. Viu que a gastronomia era o caminho a seguir. Começou a fazer pratos sob encomenda. E, em 2014, soube que tinha um bistrô disponível na 307 Norte. Pensou: “É agora ou nunca”. A esta altura, Lu já estava em uma relação séria com o vegetarianismo e com outra cozinha que viria a influenciar fortemente o seu tempero: a nordestina. No processo de mudança, a agora chef também buscou autoconhecimento e autocura por meio da umbanda.

O Oyá, que hoje funciona na 109 Norte, é fruto de todo esse projeto de transformação. O bistrô, que no início era vegetariano, tornou-se vegano, assim como a chef. Lu conta que, quando decidiu virar vegana, recriava os pratos de que gostava, mas dentro da nova filosofia de vida que tinha adotado. “Vinha a vontade de comer, eu buscava as referências para chegar na mesma textura e sabor. E com valores nutricionais.” Assim, ela criou quibe, moqueca, estrogonofe, acarajé — carro-chefe do bistrô — e tantos outros pratos que fazem sucesso em um público cativo.

Como o escondidinho de casca de banana, cuja receita a chef compartilha com os leitores da Revista. “Essa receita é para você nunca mais jogar uma casca de banana fora. Dê preferência para ingredientes orgânicos e de produção local, mas, caso não seja possível, deixe suas bananas de molho no bicarbonato de sódio antes de utilizar”, ensina. Esse cuidado com os alimentos é, inclusive, uma constante no Oyá. “Aqui, a culinária é — e sempre será — artesanal. Cuidamos de cada prato de forma única, com generosas doses de amor e atenção. Minhas receitas têm uma raiz espiritual.”

Lu explica que a sua cozinha tem um sentido político e feminista. “Nossa missão é fornecer uma alimentação limpa e justa em todo processo da cadeia produtiva.” Para tanto, ela busca parceiros locais, que cuidem do meio ambiente e produzam ingredientes orgânicos e agroecológicos. “Também compro de cooperativas de agricultura familiar em outros estados e de movimentos sociais da reforma agrária, que garantam uma produção com segurança alimentar e compromisso com a saúde das pessoas e do planeta.”

Filha de Iansã (Oyá) com Xangô, Lu fez do seu bistrô uma homenagem para sua mãe “mãe de cabeça”. E, depois de um 2020 tão difícil, segue otimista em 2021 e fazendo o que sabe de melhor: cozinhar com amor.


Escondidinho de casca de banana

Escondidinho de banana
Escondidinho de banana (foto: Minervino Junior/CB/D.A Press)


A base


800g de mandioca cozida
2 colheres de chá de sal
1 pitada de pimenta-do-reino
1/2 xícara de manteiga vegana derretida ou azeite de oliva

O recheio


1 dúzia de bananas orgânicas (nem muito verdes, nem muito maduras)
100g de pimentão verde picadinho
1 tomate médio maduro picadinho sem semente
100g de cebola ralada
2 dentes de alho amassados
1 colher de sopa de shoyo
1 colher de chá de páprica defumada
2 colheres de chá de sal
Queijo vegetal de sua escolha
Salsa ou cheiro verde a gosto
Suco de um limão
500ml de água filtrada

Modo de fazer

  1. Descasque as bananas, tentando deixar a casca mais inteira possível. Com a ajuda de uma espátula ou faca, retire a parte branca da banana seguindo o fio. Repita o processo para todas as cascas.
  2. Com um garfo, desfie as cascas de banana e deixe de molho na água filtrada com limão, mexendo de vez em quando. Se a água ficar muito turva, troque a mistura.
  3. Enquanto isso, adicione o azeite e o sal na mandioca já cozida e amasse com um garfo até fazer uma massa homogênea. A mandioca é sem água e de preferência bem escorrida para ficar uma base firme. Reserve.
  4. Lave e escorra bem a casca de banana e reserve.
  5. Em uma panela, aqueça o óleo e doure a cebola e o alho. Adicione a casca de banana e o shoyo. Misture.
  6. Em seguida, adicione o tomate e o pimentão, a páprica, o sal e deixe cozinhar em fogo baixo com a panela tampada. Prove e veja se a casca já está macia e os vegetais, cozidos. Esse é o ponto. Acerte o sal, se necessário. Adicione a salsa ou cheiro verde ao final.
  7. Faça uma cama com metade da massa de mandioca em um refratário quadrado médio.
  8. Adicione o recheio de casca no meio e cubra com o restante de mandioca.
  9. Polvilhe um queijo vegetal de sua preferência (aqui, fazemos o nosso, que também é de mandioca) e leve ao forno até gratinar.

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