Movimento Pele Livre empodera pessoas com acne e manchas na pele

Popularizado durante a pandemia, o movimento Pele Livre virou febre nas redes sociais e rompe padrões estéticos

Raquel Ribeiro*
postado em 10/01/2021 10:20
 (crédito: Arquivo pessoal)
(crédito: Arquivo pessoal)

 

Nos últimos tempos, imagens de mulheres com a pele limpa, sem maquiagem e filtros, tomaram as redes sociais e geraram repercussão. Dentro da onda de movimentos inclusivos que buscam a aceitação da beleza natural, o chamado skin positivity, traduzido como Pele Livre no Brasil, tem ganhado holofotes por transmitir mensagens acolhedoras e democráticas sobre a aparência.

O movimento abraça a causa da pele imperfeita, indo na contramão dos padrões de beleza disseminados nas redes sociais, com destaque para o Instagram, canal centrado na comunicação por meio da imagem. A novidade se popularizou no Brasil durante a pandemia, quando as pessoas passaram a se interessar mais por skin care. Segundo um levantamento do Google, as buscas por cuidados de pele cresceram 614% em abril de 2020, quando comparado a igual período em 2019.

Para Maya Medina, 24 anos, influencer digital e psicóloga, a aparência não pode definir o que cada um é. “Nós que decidimos o que é beleza. Tem até uma frase que diz: se o fundamento do real é o significado, modificar o significado das coisas muda a realidade. Portanto, beleza é uma coisa subjetiva. O nosso papel é ressignificar o que é bonito.” Baseado nessa visão, o movimento trabalha não só com a construção de um novo significado para o conceito de beleza, como também, com a quebra de estereótipos.

História de muitas

A relação de Maya com a acne remonta ao início da adolescência. Com altos e baixos expressos em marcas pelo rosto, ela já se submeteu a vários tratamentos estéticos. Contudo, a espinha continua a fazer parte de sua vida durante o ciclo menstrual e em períodos de maior estresse e ansiedade. Para completar o quadro, Maya sofre de dermatilomania, uma compulsão por cutucar as feridas da pele.

Devido aos conflitos emocionais trazidos pela pandemia, a influenciadora teve uma piora em seu transtorno. Foi também nessa mesma época que ela descobriu o movimento Pele Livre. “Eu conheci o movimento e comecei a abordar essa temática nas minhas redes sociais durante a pandemia. Um dia, eu saí de uma sessão de terapia e fiz umas postagens mostrando minha pele, falando do movimento e defendendo que nós que temos acne não precisamos mais nos esconder”, conta.

O feedback dos seguidores foi positivo e fez com que Maya se motivasse para continuar explorando essa temática no Instagram. Além de se confortar com o sentimento de identificação, o processo de compartilhar sua história com as pessoas, serviu de grande ajuda para que ela se sentisse mais fortalecida a aceitar sua pele natural.

De acordo com a jovem, é cientificamente comprovado que, quanto mais as pessoas são expostas a uma determinada imagem, mais elas passam a achar aquilo bonito: “O corpo está aqui para você existir, sentir, pensar e não se moldar a um padrão que alguém porventura decidiu que tinha que ser assim. Eu acho que todos os movimentos libertários estão ganhando força e são importantes, à medida que pessoas que nunca se viram representadas podem se enxergar. Isso que me levou a continuar postando sobre. Quanto mais pessoas postam sobre isso, mais a gente normaliza”.

Beleza na diferença

Quem também sofreu com a pressão estética é a enfermeira Andrízia Barbosa, 25. Com acne desde os 12 anos, ela enfrentou problemas de autoestima e até mesmo bullying. Apesar dos percalços, foi pouco a pouco deixando de estar com o rosto carregado de maquiagem e passando a olhar para a pele natural com carinho.

“A sociedade cobra da gente a perfeição. Mas a verdade é que o plano é a gente ser livre e se sentir bem do jeito que é. Se nos olharmos no espelho e nos empoderarmos, não vai ter mancha, marca ou padrão de beleza que nos diminua. A partir do momento que eu me aceitei, passei a entender que o importante é ser feliz”, declara.

Segundo ela, movimentos que defendem a beleza real são importantes para unir as mulheres, que são as mais afetadas pelos padrões estéticos impostos pela sociedade, assim como, para valorizar a diferença. “A sociedade já é tão competitiva. A união de mulheres nesse tipo de movimento faz com que a sociedade mude e veja as coisas com outros olhos. Não adianta a gente estabelecer padrões, sendo que cada ser humano é diferente. A beleza está na diferença.”

Busca pelo respeito

Diagnosticada com vitiligo, a modelo Raissa Severo, 28, percebeu o primeiro sinal da condição quando tinha 12 anos. Aos poucos, foi aprendendo a lidar com questões ligadas à aceitação, ao preconceito e ao amor-próprio. Para ela, o maior desafio é conscientizar as pessoas sobre a importância de entender e respeitar o processo de cada um lidar com a condição.

A sua trajetória como modelo, por sua vez, iniciou-se quando ela postou fotos tiradas por um amigo no Instagram. A partir daí, mais pessoas passaram a se interessar pela história dela e, como consequência, Raissa começou a receber convites para posar para marcas.

Nesse mesmo período, ela entendeu o seu papel dentro da sociedade na disseminação de informação e respeito sobre a vitiligo. “Foi aí que eu criei consciência da responsabilidade que eu tinha de me posicionar e falar da vitiligo como uma condição que precisa ser respeitada e de compartilhar um pouco da minha história para que isso ajudasse outras pessoas”, explica.

Representante do movimento Pele Livre, Raissa carrega todas as bandeiras de acolhimento das “imperfeições”. Ela reconhece que esses movimentos têm ganhado fôlego, mas acredita que ainda há um longo caminho a percorrer. “Eles são importantes para trazer uma consciência, e eu sei que a transformação que vem ocorrendo é gradativa. Não vai ser da noite para o dia.”

Missão conscientizadora

A dermatologista Natália Medeiros acompanha de perto casos de pacientes com patologias que trazem impacto na autoestima, como acne e vitiligo. Para ela, conscientizar a população é essencial para mudar a atitude preconceituosa da sociedade diante dos que fogem ao padrão.

“É muito importante abordar a população de uma forma geral sobre essas enfermidades, deixando claro que não são doenças contagiosas e que não são decorrentes de maus hábitos de higiene ou sujeira. O olhar preconceituoso e o medo do toque trazem uma carga negativa muito grande para esses pacientes, e eles não devem ser estigmatizados”, comenta.

Ciente da importância do apoio psicológico para o enfrentamento do tratamento, a médica ressalta a necessidade de orientar todos os envolvidos. “No consultório, costumo falar que a pele é um reflexo do nosso emocional. É a forma do nosso corpo sinalizar que precisamos desacelerar e nos atentar para nossa saúde mental. O quadro emocional do paciente pode agravar ou até mesmo desencadear algumas dessas doenças. Por isso, o apoio psicológico é muito importante para eles, assim como para com quem convive.”.

Prezando pelo autocuidado e tendo o movimento Pele Livre como inspiração, a marca brasiliense Slow & co fornece cosméticos naturais com ingredientes locais desde 2018. “A nossa pele é o maior órgão do nosso corpo, então a gente deve alimentá-la com ingredientes mais naturais, de boa procedência e sem substâncias tóxicas”, destaca a criadora da marca, Patrícia Herzog.

Produtos básicos para uma rotina diária de skin care, como hidratantes, máscaras detox de argila e esfoliantes, compõem a proposta da marca, que se pauta na conscientização das pessoas sobre a valorização do natural.

Patrícia acredita que o movimento Pele Livre é uma libertação, à medida que as pessoas passam a reconhecer a beleza verdadeira. “O movimento traz esse empoderamento para o que é real, o que está ali, acolhendo as nossas imperfeições como parte da nossa jornada. E, ao mesmo tempo, ele cria uma outra percepção estética: o belo é simples, é o que está disponível”, reflete.

*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte

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