Movimentos comuns do dia a dia podem ser exercício físico de qualidade

Abordagem bioantropológica do movimento humano trabalha com exercícios simples e funcionais para estimular o fortalecimento de músculos, a mobilidade e a consciência corporal

Raquel Ribeiro*
postado em 17/01/2021 09:00
 (crédito: Arquivo Pessoal)
(crédito: Arquivo Pessoal)

 

A adoção do home office em grande escala, assim como o confinamento dentro de casa contribuíram para problemas de saúde. Diante dos efeitos negativos advindos do sedentarismo, o interesse das pessoas por atividades físicas aumentou, em paralelo ao surgimento de iniciativas voltadas para facilitar o acesso às práticas corporais. Entre as opções benéficas à saúde física está a abordagem bioantropológica da movimentação natural, que se baseia na otimização e simplificação dos movimentos para resgatar a conexão com o corpo.

Com o objetivo de promover qualidade de vida para as pessoas de forma não presencial, o profissional de educação física Luciano Terra criou, no início da pandemia, um programa on-line chamado “Cura Movimento”. Por meio do canal Luciano Terra, no YouTube, e pela página @lterra8, no Instagram, ele disponibilizou aulas e conteúdos com enfoque nos chamados movimentos naturais, que são executados pelos ancestrais humanos desde os primórdios, como é o caso do agachamento de cócoras.

O professor de educação física aponta que o processo de industrialização e a tecnologia foram responsáveis por causar o distanciamento das pessoas com o próprio corpo. “O ser humano foi criado para se movimentar, buscar alimentos, abrigo e se defender. Com o passar do tempo, fomos deixando de usar o corpo de diversas formas, como caminhar longas distâncias, subir, escalar e se arrastar”.

Segundo ele, o programa se propõe a ensinar esses movimentos básicos, trabalhando a mobilidade de todos os segmentos do corpo, passando dos pés à cabeça. Práticas simples, como sentar no chão ou em uma bola, quando for assistir à televisão, andar descalço, balançar o corpo, alongar-se e respirar são alguns exemplos.

“Pequenas propostas podem mudar o arcabouço geral e dar mais movimento para o seu dia. O objetivo é quebrar esse padrão motor de estagnação e inatividade, pois estudos têm relatado que a falta de movimento está gerando mais dores e trazendo malefícios para o ser humano. Quanto mais você se movimentar de formas diferentes, melhor”.

Ele ainda acredita que as pessoas estão deixando de ter consciência do próprio corpo e que o autoconhecimento e o controle corporal são ferramentas essenciais para a identificação de problemas e para a prática correta de exercícios. Por isso, atividades que buscam a conexão com o corpo se tornam relevantes para a saúde, sobretudo, no período pandêmico.

Descoberta positiva

Quem fortaleceu a relação com o corpo no interior do lar foi a analista aposentada Ana Lúcia Assad, 61 anos. Ela conheceu o trabalho de Luciano pelo Instagram e, logo de cara, interessou-se pela proposta que mistura exercícios de não impacto com atividades funcionais. Apesar de estar aposentada, ela continuou assessorando uma instituição durante a pandemia em formato home office e, por conta das longas horas sentada assistindo a vídeos chamadas, passou a sentir muitas dores no corpo.

“A pandemia afetou bastante nesse aspecto. Depois de fazer algumas aulas, comecei a perceber muitos benefícios. Senti que eu estava com mais flexibilidade, reduzi as dores musculares, melhorei minha postura e comecei a prestar mais atenção na minha respiração”, relata.

De acordo com ela, atividades físicas são importantes para manter a mente sã e o bem-estar. “Agora, estou sentindo necessidade de fortalecer a musculatura para caminhar com mais qualidade de vida. Quero me desafiar. Pretendo continuar fazendo esses exercícios e recomendo para as pessoas de todas as idades, porque é uma questão de consciência corporal e bem-estar”.

Superação de limites

Roger Alvarenga, servidor público, 40, é outro que se renovou fisicamente ao aplicar os movimentos naturais na rotina. Diagnosticado com paralisia cerebral ao nascer, o que o levou a ocupar uma cadeira de rodas e apresentar dificuldades em certos movimentos, Roger é exemplo de superação. O servidor não sucumbiu à adversidade e, hoje, se mantém ativo, seja como atleta paralímpico na modalidade de bocha, seja por meio de atividades físicas, como os movimentos naturais.

Na busca por um profissional de educação física que entendesse a realidade de pessoas com deficiência, Roger encontrou Luciano, que passou a ser seu professor. Como resultado do trabalho de estímulo constante ao cérebro, pequenos avanços foram notados no seu dia a dia, como sentar na cama sem ajuda de ninguém e caminhar 10 metros, o que é, literalmente, uma mão na roda para ele adentrar locais que não comportam a cadeira.

“Como cadeirante, tenho algumas dificuldades em movimentos que seriam naturais e simples para uma pessoa sem a minha condição. Com as aulas, passei a conseguir ampliar minhas possibilidades de movimento e fui estimulado a perceber cada movimento que faço com meu corpo”, afirma, orgulhoso.

Adaptação criativa

Na experiência profissional da fisioterapeuta Jobennia Aguiar, os pacientes redescobriram o movimento dentro da casa deles durante o confinamento. Os obstáculos impostos pela pandemia abriram espaço para a criatividade. Pacotes de feijão, caixas de leite e cabos de vassoura eram alguns dos objetos recomendados pela fisioterapeuta para a execução dos movimentos naturais.

Com mais de 10 anos de carreira, a fisioterapeuta fez um curso que trabalha com uma abordagem mais antropológica da fisioterapia, pautada no estudo da evolução do corpo e dos movimentos: a chamada Fisioterapia Bioantropológica (FBA), que foi um divisor de águas em sua carreira. Com auxílio dessa abordagem, ela entendeu que os problemas associados ao corpo existem em virtude das inovações tecnológicas e da falta de preparo das pessoas para efetuar movimentos básicos.

Segundo ela, movimento natural é aquele que o corpo é estimulado a fazer, o que leva à conclusão de que é possível condicionar o corpo para desenvolver movimentos saudáveis. “Temos que adaptar a nossa casa, o nosso habitat, para torná-lo adequado ao nosso corpo e assim conseguirmos sobreviver e ficar saudáveis”, ilustra.

Jobennia também orienta que, para obter condições favoráveis à movimentação do corpo, é necessário atentar para o ambiente ergonômico, ou seja, adaptar o mobiliário dos cômodos com a finalidade de criar mais espaço.


Reconexão física

Jobennia compartilha algumas dicas para usar o corpo de forma natural e funcional:

  1. Usar mais o chão quando for assistir a seu programa preferido, trabalhar com notebook ou usar o telefone. O chão te faz mudar mais vezes de posição sem cair no conforto e na posição estática do sofá.
  2. Andar mais descalso algumas horas do dia em casa e usar calçados mais confortáveis, que proporcionem movimentação dos dedos dos pés.
  3. Ficar na posição de cócoras por um tempo. Quem não conseguir, pode se apoiar nos calcanhares para facilitar.
  4. Usar bancos de apoios para os pés na hora no sanitário para facilitar a forma natural da evacuação.
  5. Usar aplicativos para contar o número de passos que damos no dia a dia para estimular o movimento.
  6. E o principal: buscar se movimentar de forma prazerosa, lúdica, tanto na hora de lazer quanto ao executar tarefas. Assim usamos o corpo e a mente juntos.


Saberes interligados

Inspirada pela cultura do movimento e com a meta de oferecer qualidade e funcionalidade, a Pratique Movimento consolidou seu espaço no Distrito Federal há cerca de cinco anos. A proposta pioneira na capital mistura os fundamentos básicos de movimentos de várias modalidades, como dança, artes marciais e meditação. “A perspectiva que trabalhamos é do movimento como um todo. Enxergamos o movimento como um mapa que pode ser ligado em diversos pontos e, assim, juntamos diversas áreas do movimento humano e criamos uma coisa só”, define Rodrigo Salulima, professor e sócio-fundador da escola.

A motivação do professor de educação física para a empreitada de criar um negócio, abandonando a carreira de servidor público, foi a mudança positiva que sentiu no próprio corpo, após aplicar os aprendizados de um curso que fez nos Estados Unidos.

Aos poucos, ele passou a compartilhar seus conhecimentos com outras pessoas e o processo foi orgânico: cada vez mais pessoas se interessavam. “O que mais me motivou foi abrir os olhos das pessoas, mostrar a elas que subestimamos a nossa capacidade de movimentação. O meu papel é fornecer ferramentas para que meus alunos consigam expressar a potência do corpo deles”.

Rodrigo pontua que, além dos benefícios à saúde proporcionados pela movimentação, há também os cognitivos, como a criatividade e a autoconfiança. “A vida em comunidade e em conexão com os outros, se for uma prática compartilhada, gera benefícios cognitivos. Estudos mostram que as pessoas ficam mais inteligentes por praticar atividades e desenvolvem mais criatividade e autoconfiança para lidar com desafios”.

Porém, a maior contribuição de todas para a qualidade de vida, segundo ele, é o desenvolvimento da consciência corporal. “Precisamos desenvolver essa consciência para aumentar nosso senso de pertencimento a esse mundo. As pessoas precisam aprender a ter autorresponsabilidade para saber quando é hora de parar ou puxar um pouco mais”. E é por meio da exposição e da constante prática que o desenvolvimento desse saber consciente é possível e pode ser incorporado ao estilo de vida. “Vida é movimento, movimento é vida”, conclui.

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