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Staycation: hospedagem no DF para quem quer descansar sem furar o isolamento

Fugir do estresse causado pelo isolamento social com toda segurança e qualidade de vida, essa é uma das propostas staycation, hospedagens perto da natureza e também perto da cidade

Ailim Cabral
postado em 24/01/2021 09:00
 (crédito: Paula Carrubba)
(crédito: Paula Carrubba)

Em mais um dos paradoxos vividos entre 2020 e 2021, ao mesmo tempo em que nos vimos compelidos a manter distância de outros indivíduos, a convivência entre familiares que dividem o mesmo teto se tornou mais intensa e, apesar de positiva, em muitos casos foi, também, desafiadora.

Enquanto os números de casos da covid-19 crescem, assim como o de mortos, e diversos estados e cidades ao redor do mundo atingem marcas assustadoras, o isolamento social e a quarentena autoimposta, hoje em dia, são tão importantes — senão mais — quanto no início da pandemia.

Depois de quase um ano vivendo dentro das paredes seguras de nossos lares, a tarefa de continuar parece difícil e, enquanto nos acostumamos a enxergar o mundo pelas janelas, algumas famílias começaram a buscar alternativas seguras, nem que seja uma janela diferente.

Chamado de staycation, o movimento de viver dias de descanso na própria cidade, em casas ou espaços alugados nos quais não há contato com funcionários ou outros hóspedes, ganhou espaço durante a pandemia.


Cantinho especial para família

Usuários esporádicos do aplicativo Airbnb e pioneiros do staycation durante a pandemia, os empresários Alan Valente, 42 anos, e Patrícia Lima da Silva, 42, enxergaram, na plataforma, a salvação para o descanso da família, em home office e aulas on-line dentro de um apartamento desde o início de 2020.

O casal aproveitou o clima romântico da natureza
O casal aproveitou o clima romântico da natureza (foto: Arquivo Pessoal)

“Não podíamos viajar sem aumentar os riscos, não podíamos sair, as crianças já estavam ficando doidas presas dentro do apartamento”, conta Alan, referindo-se aos filhos do casal, Noah Kael, 5, e Sophie Gomes, 6.

Atentos aos protocolos de higienização, o período de limpeza e espera entre um hóspede e outro e da ausência de contato com outras pessoas, Alan e Patrícia enxergaram no staycation uma forma de manter a saúde mental da família toda enquanto respeitavam a quarentena.

O casal chegou a pesquisar alguns hotéis e pousadas, mas não sentiu segurança em estar em ambientes com outras pessoas. “Desesperados”, sem escola e sem creche, encontraram o Recanto de Maria Flor, que, na época, estava com a agenda livre. Foi amor à primeira vista, enquanto as crianças se sentiram em casa e se aventuraram na piscina, os pais puderam relaxar e trabalhar de lá quando foi necessário.

Ao longo do ano passado, Alan viu a prática se popularizar e até disse que preferia ter mantido segredo. “O segmento cresceu muito, no começo da pandemia tinha várias opções disponíveis e depois de alguns meses começaram a ficar todas cheias. O Recanto mesmo, indiquei e agora quase não consigo mais ficar lá. Estou esperando uma vaguinha”, brinca.

A família de Alan hospedou-se em três casas no Distrito Federal, as preferidas ganharam bis e ,assim, adultos e crianças puderam descansar e fugir um pouco de casa, priorizando a saúde e o contato com a natureza.

“É uma experiência maravilhosa com paz e sossego. Você se sente fora de Brasília, mas, ao mesmo tempo, tem toda a estrutura, com internet e outras comodidades. Todos nós adoramos”, comenta Alan sobre um dos preferidos da família, o Recanto de Maria Flor.

Alan confessa que, hospedado, sentia alívio e recarregava as energias esquecendo um pouco do mundo ao redor, sentia um certo peso na consciência pelas pessoas que não podem fazer o mesmo. “Mas, apesar desse sentimento, valorizamos o aspecto de que enquanto continuamos respeitando o isolamento, estamos ajudando e protegendo o próximo”, afirma.

Alan e os filhos: descanso perto de casa
Alan e os filhos: descanso perto de casa (foto: Arquivo Pessoal)

Tranquilidade compartilhada

O Recanto de Maria Flor foi criado por Marcus Vinícius Heusi, 62. Quando comentou com a filha que pensava em vender o espaço em Sobradinho, ela sugeriu que ele experimentasse alugar por um fim de semana e o apresentou ao Airbnb.

Há quatro anos, Marcus aluga a casa e afirma se sentir grato por compartilhar o pedaço de paraíso da família com outras pessoas. Desde o início, Marcus afirma que tinha hóspedes todos os fins de semana, mas que a procura durante a pandemia foi surpreendente. “Começaram a aparecer muitas reservas, em todos os dias da semana, e tenho muita gratidão por compartilhar a natureza que temos aqui com o mundo”.

Marcus acredita que o sucesso é também em virtude das características que se tornaram prioridade durante o isolamento. Lugares sem contato com outras pessoas, arejados e com bastante ventilação, a presença da natureza e estrutura para trabalhar, se necessário, além da proximidade com o Plano Piloto. “Quem não quer passar o isolamento em um lugar aprazível?”, questiona.

Enxergando a possibilidade de valorizar a região e incentivar o turismo local seguro, Marcus não aluga por grandes períodos de tempo. A ideia é ter tempo para higienização entre uma família e outra, mas permitir que diversos hóspedes tenham a oportunidade de fugir um pouco das paredes da própria casa.

Viajar sem sair do lugar

Carlos, com Kátia: "Colocamos tudo em uma balança carinhosa e ganhou a nossa saúde"
Carlos, com Kátia: "Colocamos tudo em uma balança carinhosa e ganhou a nossa saúde" (foto: Clóvis H. Henke/Divulgação)

 

Muitas pessoas com férias programadas desistiram dos planos, priorizando a segurança de suas famílias e do próximo e escolheram refúgios dentro do próprio estado para o descanso físico e mental tão necessário. O casal de aposentados Carlos Alberto Gonçalves, 67 anos, e Kátia Godinho, 55, por exemplo, tinha planos de viajar o mundo e, desde o início da pandemia, está hospedado no Distrito Federal, a poucos quilômetros de onde morava.

Considerando a si próprios como “aventureiros de verdade”, Carlos e Kátia viviam em um apartamento na 115 Norte e, depois da aposentadoria, colocaram em ação o sonho de viver pelo mundo, passando dois anos em cada continente, começando pela África.

A ideia era explorar os quatro pontos cardeais, seis meses em cada lugar e depois partir para o próximo continente. “Mas, o prazo era maleável, como aposentados aventureiros, nosso compromisso era ir com os nossos desejos e para o lugar que nos chamasse”, conta Carlos.

Porém, na hora de comprar as passagens, a pandemia começou e o casal, que estava fazendo um teste em um pequeno apê alugado, sentiu que precisava de ar fresco e contato com a natureza. Foi aí que Carlos e Kátia se mudaram para um dos lofts do Cerrado Lodge, um espaço no DF onde é possível ter privacidade e contato com a natureza.

Os planos mudaram de vez, totalmente ambientados e sem enxergar uma saída da pandemia a curto prazo, os aposentados encontraram verdadeira felicidade em viver o isolamento em meio ao cerrado. “Apesar do prazer em viajar, colocamos tudo em uma balança carinhosa e ganhou a nossa saúde”, comenta Carlos.

E, para eles, o contato direto com a natureza é um dos fatores primordiais, quando se fala em saúde mental, motivo pelo qual o espaço conquistou seus corações. “Aqui, estamos dentro e fora de Brasília ao mesmo tempo, temos a cidade a poucos minutos, mas, ao mesmo tempo, vemos macaquinhos na janela”, completa Carlos.

Sem data para sair, o casal pretende continuar hospedado no espaço mesmo após o fim da pandemia e garante que assim que for realmente seguro, vai voltar a viajar.


A busca pela paz

O espaço escolhido por Carlos e Kátia é do engenheiro Ricardo do Monte Rosa, 59 anos, que decidiu transformar a chácara no tipo de lugar em que gostaria de ficar. Há alguns, enquanto reformava a casa, Ricardo se hospedou no centro da cidade e não gostou da experiência.

“Eu me sentia preso, sem a natureza ao meu redor. Percebi que muitas pessoas deveriam se sentir assim e que eu poderia ter esse espaço e dividir com outras pessoas. Trazer uma opção de hospedagem que valorizasse a liberdade”, conta.

Ricardo percebeu que, entre os hóspedes, a grande maioria buscava uma espécie de escapada de seus próprios lares, que, muitas vezes, tornaram-se sufocantes durante a pandemia.

A empreendedora Patrícia Herzog, 43, dona dos espaços Alecrim Dreams, também observou esse aspecto de escape nas hospedagens. Morando em uma área com bosques e pomares plantados por ela e sua família, que passou a aceitar hóspedes há cerca de quatro anos, ela enxergou a necessidade das pessoas se reconectarem com a natureza e consigo mesmas.

Patrícia Herzog: "É um espaço todo pensado para este momento de paz e desligamento do mundo externo"
Patrícia Herzog: "É um espaço todo pensado para este momento de paz e desligamento do mundo externo" (foto: Paula Carrubba)

Há 20 anos, Patrícia e o parceiro de vida reflorestaram o Alecrim Dreams com espécies nativas do cerrado e criaram uma casa design com princípios permaculturais, ou seja, sustentáveis e produtivos em equilíbrio e harmonia com a natureza. O lar da família virou refúgio para os amigos e, em 2018, Patrícia abriu o espaço para algumas parcerias e eventualmente hospedagens.

“Queria muito oferecer aos outros o que nós vivemos aqui. É um espaço todo pensado para este momento de paz e desligamento do mundo externo, com uma imersão no cerrado e Brasília”, comenta Patrícia, que viu a procura aumentar vertiginosamente durante a pandemia.

A maioria dos hóspedes é da própria cidade e Patrícia acredita que o desejo por recolhimento é um dos grandes responsáveis. Pessoas buscam o espaço sozinhas à procura de inspiração profissional enquanto famílias com crianças reservam longos períodos para tirar os filhos de apartamentos.

Fora de casa sem sair do isolamento

A turismóloga Cristina Malheiros, 45, hospedou -se em um dos lofts do Alecrim Dreams em 2020 e define o espaço como um “lugar encantado”. Morando em um apartamento com o filho e vivendo o isolamento social de forma rígida, Cristina encontrou no staycation uma maneira de valorizar o tempo consigo mesma sem se colocar em risco.

Cristina Malheiros: "Sentia que precisava de um momento para mudar de ares e descansar"
Cristina Malheiros: "Sentia que precisava de um momento para mudar de ares e descansar" (foto: Arquivo Pessoal)

Cristina acredita que, entre aqueles que tiveram o privilégio de manter o home office e realmente ficaram em isolamento, muitos passaram a sentir a necessidade de se conectar com a natureza ao mesmo tempo em que podiam se desligar do mundo ao redor. “Sentia que precisava de um momento para olhar mais para dentro, mudar de ares e descansar, mas não me via viajando ou colocando alguém em risco só para sair de casa. Então, vi essa possibilidade de sair ao mesmo tempo que continuava isolada”, conta Cristina.

A escapada teve como objetivo o descanso, nos dias em que passou sozinha no Alecrim, aproveitou para fazer as refeições nos horários em que sentisse vontade, dormir até mais tarde, tomar sol e ficar à toa, apenas ouvindo os passarinhos. “Sou canceriana, ao mesmo tempo que amo conviver, preciso do meu momento concha, quando posso fazer o que quero no meu próprio tempo. Isso é muito valioso para mim”, comenta.

Ao escolher o seu refúgio, considerou a proximidade com o Plano Piloto e a presença do cerrado nos arredores. “É um lugar encantado, o lago é pertinho. A casa tem ambientes amplos, ventilados e com muita luz. Eu me senti aconchegada e segura. É do lado da cidade e, ao mesmo tempo, é possível desconectar completamente de tudo”, elogia.

Analisando do ponto de vista profissional, a turismóloga comenta que se hospedar em casa não é uma tendência nova, ela se popularizou através da plataforma Airbnb, mas teve um crescimento considerável durante a pandemia. “Nas casas, temos mais segurança. Você consegue pegar seu carro e chegar nesse espaço sem precisar ter contato com absolutamente ninguém”, afirma.

Ela defende que as pessoas, mesmo após a pandemia, continuem valorizando o turismo local e a possibilidade de viver experiências únicas e diferentes dentro da própria cidade. “É interessante manter esse olhar cuidadoso e curioso na própria cidade. Tem muitas casas legais nos arredores”.

 

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