Saúde

Relatos de sequelas cardíacas após a covid-10

Especialistas explicam as possíveis causas para o novo coronavírus atacar o coração. Em alguns casos, depois da completa recuperação da doença. Entenda os riscos

Amanda Silva*
postado em 21/02/2021 08:00
 (crédito: Valdo Virgo/CB/D.A.Press)
(crédito: Valdo Virgo/CB/D.A.Press)

No início da pandemia, acreditava-se que o novo coronavírus afetava apenas os pulmões. Com o passar dos meses e das descobertas científicas, descobriu-se que a covid-19 pode mexer com o coração — durante ou depois de ter sido infectado.

De acordo com Gabriel Luan Queiroz Alves da Cunha, especialista em cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e que atua na Clínica Atlas, a contaminação pelo novo coronavírus pode ocorrer em vários graus. Isso significa que, em uma infecção leve, pode não comprometer o coração, mas, nos casos graves, causar inflamações, como a miocardite viral.

“É possível medir o grau de inflamação cardíaca por meio de exames realizados nos pacientes. Em alguns casos, essa inflamação pode incluir até o que chamamos de insuficiência cardíaca, que é uma dificuldade do coração de exercer sua função primordial de bombear sangue”, explica o cardiologista.

Ainda segundo Gabriel, estudos apontam que 30% das pessoas infectadas pelo novo coronavírus podem ter algum grau de acometimento cardiovascular durante a infecção. “Mas, menos de 1% vão ter alguma sequela cardíaca, vão ficar realmente com uma doença crônica a longo prazo. É necessário acompanhar esses casos.”

Enquanto a pessoa infectada está com o vírus no corpo, o esforço que o coração faz é muito agressivo. Segundo o médico, isso pode resultar em dois problemas: fibrose e evoluir para uma insuficiência cardíaca congestiva. “Essa pessoa perde parte da função contrátil do coração, e ela acaba se tornando doente cardiovascular crônico e tem que tomar medicações para tentar controlar o máximo possível”, adverte Gabriel.

O médico afirma ainda que pessoas com sintomas leves podem desenvolver sequelas e complicações cardiovasculares durante o curso da doença. “Embora seja muito menos frequente, existe uma correlação direta de gravidade com o acometimento cardiovascular, tanto agudo quanto crônico.”

Problema 40 dias depois

Eugênio Frauzio só apresentou problema cardíaco 40 dias depois de receber alta hospitalar
Eugênio Frauzio só apresentou problema cardíaco 40 dias depois de receber alta hospitalar (foto: Arquivo pessoal)

Eugênio Frauzio, 62 anos, engenheiro civil, teve covid-19 em agosto de 2020 e, ao longo dos dias que esteve infectado, seu estado foi considerado moderado, mas com grandes riscos de inflamação. Ele ficou internado durante10 dias, teve febre alta, perda de olfato e de apetite, dor no corpo, cansaço e falta de ar moderada.

Após 40 dias da alta, o engenheiro sofreu um bloqueio atrioventricular total (BAT), sem nunca ter tido nenhum problema no coração anteriormente. “Pratico corrida quatro vezes por semana há mais de 20 anos”, relata Eugênio.

“Eu tinha acabado de estacionar o carro e tive um apagão, tipo aqueles que temos quando estamos agachados e levantamos rapidamente, só que com muito maior intensidade. Em casa, comecei a sentir calafrios e uma pressão no peito. Acompanhei meus batimentos no relógio e eles estavam caindo, chegando a menos de 50bpm”, relembra.

Após chegar ao pronto socorro, ele foi diagnosticado com BAT e a solução era a implantação de um marca-passo. “Nesse período, passei por um ecocardiograma detalhado e um cateterismo para confirmar se realmente não havia outro problema que estivesse causando os sintomas. Confirmado o diagnóstico, recebi o marca-passo definitivo.”

Eugênio diz que a equipe médica concluiu que o problema foi uma sequela da covid-19 porque ele teve um alto nível de inflamação. Hoje, a vida dele segue normal. O engenheiro voltou a correr, ainda um pouco abaixo do desempenho de antes da infecção, mas, aos poucos, vai melhorando.

Doenças cardiovasculares mais comuns após a covid-19

Arritmia
Taquicardia sinusal
Extrassístoles
Miocardite

Grupos de risco

De acordo com Alessandro Fernandes de Oliveira, médico cardiologista e professor do curso de medicina do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos (Uniceplac), os principais grupos de risco são os pacientes com cardiopatias, principalmente os que têm hipertensão.

Pessoas que têm doença coronariana e cardiomiopatia, que possuem os níveis das enzimas elevados (troponina I), também têm sido apontadas como preditoras de risco para menor sobrevida, até mesmo nos casos de apresentação leve da covid-19. “Quando os pacientes apresentam a forma grave da doença, podem evoluir rapidamente para quadro com importante comprometimento cardiovascular, choque e falência múltipla de órgãos. Estudo chinês mostrou que até 20% dos pacientes internados evoluíram para quadros graves com choque”, relata o professor.

Pacientes que apresentaram miocardite podem desenvolver insuficiência cardíaca e arritmias. “A inflamação gerada em resposta à doença é capaz de desestabilizar placas de aterosclerose, localizadas nas artérias coronárias, causando infarto agudo do miocárdio”, detalha Alessandro.

Principais sintomas cardíacos relatados por pacientes recuperados da covid-19

- Palpitações
- Dor no peito
- Tontura
- Falta de ar

Gabriel Luan Queiroz Alves da Cunha explica que os sintomas variam dependendo do quadro. Quanto mais leves, menos sintomas cardiovasculares. Mas em quadros graves, podem haver sequelas. “Eles sentem muita arritmia, taquicardia sinusal, extrassístoles, que são batimentos além do normal. O coração tem o batimento normal e, de repente, uma batida extra”, explica.

O tratamento

Segundo o professor Alessandro Fernandes de Oliveira, o tratamento será indicado de acordo com cada caso, respeitando as contraindicações presentes, referentes à estabilidade clínica e à presença de outras disfunções. Exemplos de tratamentos são a angioplastia e a revascularização.

Angioplastia – permite abrir uma artéria do coração que está com acúmulo de colesterol. Após feito, diminui a dor e evita outras complicações, como o infarto.

Revascularização – também conhecida como ponte de safena, consiste em ligar o coração a outras artérias que não estão comprometidas, para melhorar a saúde do músculo.

“Os pacientes devem manter rigorosa adesão ao tratamento prescrito, dieta adequada, prática de atividade física, sono regular, evitar exposição ao cigarro e ao álcool. Se apresentar dor no peito ou algum outro sintoma, procurar um serviço de cardiologia”, recomenda.

Palavra do especialista

Como a covid-19 impacta na saúde e no funcionamento do coração?
Estudo com pacientes recentemente recuperados da infecção por covid-19 revelou comprometimento cardíaco em 78% deles, e inchaço (edema) sugestivo de inflamação do miocárdio em andamento em 60% dos pacientes, independentemente de condições, gravidade e evolução geral da doença aguda e do tempo desde o início diagnóstico.

Como o vírus ataca o coração?
O mecanismo direto envolve infiltração viral no tecido miocárdico, que leva à morte e à inflamação dos cardiomiócitos. Como o miocárdio é responsável pela contração do coração, a inflamação acaba prejudicando o bombeamento do sangue pelo corpo. Já os mecanismos indiretos incluem estresse cardíaco, devido a insuficiência respiratória/hipoxemia, e inflamação cardíaca secundária, a hiperinflamação sistêmica grave. As alterações na microcirculação coronária podem levar a isquemia miocárdica.

Quais são os sintomas cardíacos que os pacientes estão relatando no período de recuperação da covid-19?
Os sintomas relatados são palpitações, dor no peito, tontura e falta de ar. Pacientes que apresentaram miocardite podem desenvolver insuficiência cardíaca e arritmias. A inflamação gerada em resposta à doença é capaz de desestabilizar placas de aterosclerose, localizadas nas artérias coronárias, causando infarto agudo do miocárdio.

Alessandro Fernandes de Oliveira é médico cardiologista e professor do curso de medicina do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos (Uniceplac)

*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte

 

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