O psicanalista Contardo Calligaris, na sua preciosa obra A Adolescência, começa com uma provocação bastante inspiradora: imagine que você sobreviva a uma queda de avião no meio da Floresta Amazônica e é acolhido por uma tribo de índios que nunca tiveram contato com os ditos homens da civilização. Você é avisado que precisará de 12 anos para incorporar a cultura local. Passaram esses 12 anos, você já fala perfeitamente a língua deles, conhece suas regras, você já se sente um deles e sabe que nessa sociedade é importante se sobressair, e isso inclui a habilidade da pesca. Você já está bem treinado, mas os anciões da tribo lhe comunicam que ainda serão necessários 10 anos para que você passe a ser realmente um integrante da tribo e que isso é inteiramente para o seu bem. Mais 10 anos de treino sem grandes responsabilidades. Mais dez anos no limbo: esta é a adolescência.
Calligaris fala em limbo, com muita propriedade, pois o cérebro de um adolescente gira em torno da palavra reconhecimento. Desejamos que um adolescente tenha uma dieta saudável e oferecemos a ele um conjunto de informações dizendo do que é feita essa boa dieta e por que se alimentar de junk food faz mal à saúde. Isso já foi comprovado que dá resultados com crianças, mas com adolescentes o discurso tem que melhorar. Aos 13 anos, eles não querem mensagens paternalistas dos adultos.
Um estudo publicado em 2019 pela revista Nature Human Behaviour mostrou que, em vez de informações nutricionais, apresente a eles uma série de reportagens de como os executivos da indústria de junk food usam a publicidade para manipular os adolescentes e seus relatos de que não permitem que seus próprios filhos consumam os alimentos que eles produzem. Nos três meses após essa intervenção, os adolescentes passaram a ter uma dieta mais saudável, como se fosse uma forma de protesto contra a manipulação a que foram submetidos. A resposta foi mais expressiva entre adolescentes do sexo masculino e com maiores níveis de testosterona no sangue.
Há uma linha de pesquisa já robusta evidenciando novos métodos para melhorar os problemas de comportamento na adolescência que enfatiza o respeito e reconhecimento, o senso de pertencimento a algo maior e a necessidade que o adolescente tem de reconhecer um propósito de vida.
Apesar de ser uma época em que o corpo é saudável como em nenhuma outra fase da vida, a adolescência carrega consigo índices alarmantes de acidentes, suicídio, homicídio, depressão, uso de álcool e substâncias ilícitas, violência, transtornos alimentares e obesidade. Tudo isso tem relação direta com as mudanças hormonais e seus efeitos sobre o cérebro, mas o cérebro por si mesmo passa por transformações só comparáveis às ocorridas nos três primeiros anos de vida.
Outro detalhe que faz toda a diferença: regiões do cérebro que são ligadas às emoções, ao novo, às recompensas, às ameaças e às expectativas dos pares têm um surto de crescimento que não é acompanhado na mesma velocidade pelas áreas associadas à razão, ao julgamento e a funções executivas. E esse descompasso de crescimento explica em parte o comportamento de risco e a “fome” por recompensas sociais dos adolescentes. O olhar evolutivo é de que que essas são ações que os afastam da segurança da família para explorar um mundo social maior.
Finalizando, teremos mais sucesso na comunicação com um adolescente se incorporarmos um tom de respeito à sua autenticidade e independência. E mais do que isso, se acharmos um canal pelo qual possamos reforçar uma das principais razões de ser desse cérebro em franco desenvolvimento: contribuir para o mundo social.
*Dr. Ricardo Teixeira é neurologista e diretor clínico do Instituto do Cérebro de Brasília
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