Saúde

Flexível demais: por que a hipermobilidade pode causar dor crônica

Comumente confundida com fibromialgia, a hipermobilidade articular nem sempre apresenta sintomas. Mas, quando aparecem, as dores podem acompanhar a pessoa até o fim da vida

Iara Pereira*
postado em 01/08/2021 08:00
 (crédito: Lucas Pacífico/CB/D.A.PRess)
(crédito: Lucas Pacífico/CB/D.A.PRess)

Estudos internacionais indicam que cerca de 30% da população mundial é hipermóvel. Isso significa que algumas pessoas conseguem realizar movimentos com uma amplitude maior que os limites normais e são mais flexíveis que outras. Porém, essa aparente vantagem vira um grande problema por aumentar o risco de lesões nas articulações e músculos, resultando em dores crônicas.

A hipermobilidade articular nem sempre apresenta sintomas. Mas, quando isso acontece, as dores podem começar na adolescência e acompanhar a pessoa até o fim da vida. Dependendo das complicações, um paciente pode ser diagnosticado com Síndrome de Ehler Danlos (SED), um espectro de doenças hereditárias que afetam o tecido conectivo, que tem o papel de unir, ligar, nutrir, proteger e sustentar os outros tecidos.

O problema é que ainda existem poucas pesquisas no Brasil sobre a condição, então, muitos sofrem a vida inteira com dor crônica sem diagnóstico ou até com um diagnóstico errado. O mais comum é que os médicos identifiquem e recomendem tratamentos para fibromialgia, o que pode ser pior para um paciente com hipermobilidade.

“Um paciente com fibromialgia se beneficia de alongamento, pilates e ioga, por exemplo. Mas, para quem tem hipermobilidade, os movimentos precisam ser extremamente cautelosos, pois existe um risco maior de causar lesões”, explica a fisiatra Angélle Jácomo, especialista em dor.

Hipermobilidade e dor crônica
A hipermobilidade é uma doença genética e hereditária causada pelo defeito em um dos genes que controla a produção de colágeno.

Principais sintomas
Pele hiperextensível
Articulações hipermóveis — facilidade em tocar o chão sem dobrar os joelhos, dobrar os cotovelos em um ângulo maior que 180°, encostar o polegar no antebraço, etc.
Dificuldade no processo de cicatrização
Pés chatos
A fisiatra Angélle Jácomo chama a atenção para outros sintomas e sinais de hipermobilidade que vão além da dor crônica, como fadiga, dor de cabeça, desenvolvimento de intolerâncias alimentares e problemas de propriocepção (capacidade do indivíduo de identificar e perceber seus movimentos no espaço).
Esses sintomas podem aparecer em qualquer momento da vida, mas é comum que já se note a hipermobilidade na infância e na adolescência.

Dificuldade de diagnóstico
Os pacientes mais jovens frequentemente não recebem o diagnóstico correto, pois a dor crônica é considerada “dor do crescimento”.

Tratamento
A Síndrome de Ehler Danlos (SED) e a Desordem do Espectro da Hipermobilidade (DEH) não têm cura. O tratamento é realizado com medicamentos e fisioterapia individualizada para cada paciente.

Consequências do desconhecimento
A classificação atual da doença é baseada em um guia internacional de 2017.
A maioria dos médicos e fisioterapeutas não têm contato com esse tipo de diagnóstico durante a graduação ou residência.
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ainda não reconhece a doença como incapacitante, portanto os pacientes não podem receber auxílio.
No convívio social, as pessoas que sofrem de hipermobilidade e dor crônica são habitualmente caracterizadas como preguiçosas, exageradas ou até mentirosas.

Palavra do especialista

Quais os principais sintomas que precisamos estar atentos para identificar a hipermobilidade?
Pessoas com hipermobilidade têm uma alta frequência de dores de cabeça, falta de equilíbrio e cansaço excessivos, além das dores nas articulações e músculos.

Pessoas que já possuem diagnóstico de fibromialgia devem se atentar para a possibilidade de terem hipermobilidade?
Sim, a maioria das pessoas que entram no consultório já tem um diagnóstico prévio de fibromialgia. O paciente, geralmente, percebe que os tratamentos e medicamentos não auxiliam mais no alívio da dor. Isso acontece porque a fisioterapia indicada para pessoas com fibromialgia estimula demais as articulações, o que só piora a dor e a fadiga.

Existe algum recorte de gênero e idade de pessoas que podem manifestar dor crônica por causa da hipermobilidade?
Em algumas mulheres é comum que as dores comecem quando ainda são bem novas, depois da primeira menstruação. Enquanto alguns homens podem passar mais tempo sem sintomas, já que os níveis altos de testosterona fortalecem os músculos, auxiliando as articulações. Mas nem todos os casos são iguais, existem mulheres que começam a sentir as consequências da hipermobilidade mais tarde e vice e versa.

Quais são os tratamentos para pessoas com hipermobilidade?
A hipermobilidade não tem cura, mas o tratamento é possível. Quanto mais cedo for feito o diagnóstico, melhor, e, por meio da fisioterapia, somos capazes de diminuir a dor e devolver a qualidade de vida do paciente.

Fernanda Rachid é fisioterapeuta do Centro Especializado em Hipermobilidade e Dor

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação