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A força do artesanal: estilista brasiliense brilha com trabalho autoral

Com peças feitas sob encomenda, Tarcísio Brandão mostra como a cultura, o consumo consciente e a moda podem ser grandes aliados

Carolina Marcusse*
postado em 22/08/2021 08:00
Nascido em Brasília e com raízes paraenses e pernambucanas, Tarcísio Brandão mantém um ateliê no Lago Norte, de onde saem suas criações artesanais -  (crédito: Murilo Yamanaka/Divulgação)
Nascido em Brasília e com raízes paraenses e pernambucanas, Tarcísio Brandão mantém um ateliê no Lago Norte, de onde saem suas criações artesanais - (crédito: Murilo Yamanaka/Divulgação)

Um misto de criatividade, obras únicas e sustentabilidade. Esta seria a melhor maneira de descrever a arte e o estilo de Tarcísio Brandão. Nascido em Brasília, o estilista, de 34 anos, tem raízes paraenses e pernambucanas e morou por um ano na Alemanha. Com uma ampla bagagem cultural, ele expressa sua singularidade e forte presença nos trabalhos. Atualmente, produz obras autorais voltadas para o artesanato, honrando as técnicas tradicionais e valorizando matérias-primas locais. Esse interesse surgiu no início da carreira, com o contato com a universidade, e foi se fortalecendo com o passar do tempo.

Sua formação profissional é em desenho de moda pela Faculdade Santa Marcelina, instituição de ensino paulista pioneira em moda no Brasil. Lá, Tarcísio pôde experimentar diversas técnicas e estilos, até desenvolver o seu próprio. Hoje, com a produção de peças executadas manualmente, defende o slow fashion — conceito que representa uma moda que se preocupa com o impacto social e ambiental, distante do tradicional modelo poluente de produção massiva e efêmera.

Desde os primeiros trabalhos, Tarcísio se interessou por formas geométricas e texturas. Ao idealizar os projetos no papel, percebeu que, para colocá-los em prática, necessitava de um método artesanal para, assim, atingir o efeito desejado. Nesse momento, surgiu a forte conexão com o macramê, forma de artesanato que permite, com fios e nós entrelaçados, criar diversas proporções e figuras. Estudou e aplicou outros meios artesanais de produzir moda, como o tricô. Também pesquisou a fundo a produção da renda labirinto, proveniente do Nordeste, que se tornou tema da tese de conclusão de curso do artesão.

A falsa imagem que muita gente tem de que produtos feitos à mão estão ligados a pessoas velhas é contrariada nos projetos do artista. Em 2010, Tarcísio desenvolveu roupas que tinham nas estampas e etiquetas os QR Codes, espécies de códigos de barras que podem facilmente ser escaneados por celulares. O objetivo era trazer um aspecto contemporâneo para uma tradição consolidada, além de uma novidade que direcionava o público a conhecer a escala produtiva por trás da peça — desde quem foi a rendeira responsável pela confecção até a história da criação das formas ali presentes.

Modelo veste roupa criada pelo estilista na revista Vogue Portugal
Modelo veste roupa criada pelo estilista na revista Vogue Portugal (foto: Guilherme Nabhan/Divulgação)

Para o estilista, essa conexão deve ir além da vivenciada pelo público com as obras, deve haver um mapeamento e contato entre os artesãos também. Um exemplo dessa necessidade foi quando Tarcísio iniciou os trabalhos com o macramê, há 12 anos, e dependia de um pequeno número de pessoas que dominavam a técnica para transformar seus designs em realidade — o que causou uma série de problemas, como atrasos e confusões em como aplicar os pedidos. Essa situação levou o artista a aprender sozinho como executar o método, por meio de pequenos guias, informações disponíveis na internet e uma série de tentativas, que, em nem todas as ocasiões, saíram como o planejado.

Com a Comunidade Macramê, hoje, há uma maior proximidade entre esse grupo de criadores. O perfil nas redes sociais conta com mais de 100 mil seguidores, onde são anunciados artesãos de diferentes localidades no Brasil e em Portugal, divulgando-os e disseminando informações importantes.

Apesar de muito transformador, ainda poderiam existir outros meios de comunicação e união da categoria do artesanato como um todo, como um aplicativo que Tarcísio pretende desenvolver. Ele serviria para unificar informações e conectar pessoas que trabalham técnicas tradicionais, principalmente aquelas que vivem em cidades mais distantes, permitindo, assim, que qualquer um com conexão à internet possa criar um perfil e se cadastrar, publicar suas produções e se conectar com diversos profissionais, desde estilistas e estudantes de moda até arquitetos e decoradores.

Desfiles e reflexões

A cantora Iza usou uma peça de Tarcísio durante a gravação do clipe Ginga
A cantora Iza usou uma peça de Tarcísio durante a gravação do clipe Ginga (foto: Rodolfo Magalhães/Divulgação)

A passarela pode ser o ápice para um estilista. Contudo, Tarcísio afirma que não é a parte mais importante de seu trabalho. Depois de alguns grandes desfiles em São Paulo, polo de moda no país, há cerca de quatro anos, percebeu que aquele modelo não era mais compatível com seu propósito e produções. Desde a questão da saúde mental dos profissionais, que acabam desenvolvendo a síndrome de burnout e outros problemas relacionados ao estresse e ao esgotamento, até a volumosa produção para um simples evento, que nem sempre será a melhor forma de atingir e aproximar-se de seu público.

Mesmo distante desses grandes eventos, ainda esteve presente na mídia, tanto nacional quanto internacional. Fez parte de clipes de artistas populares, como Anitta e Iza, desenvolvendo roupas únicas e vestindo as cantoras pessoalmente. Também produziu peças para campanhas da blogueira de beleza Mari Maria, que vive em Brasília, e também para a marca de cosméticos Natura, na qual chegou a produzir uma peça para o cantor Emicida. Além dessas produções, elaborou peças para ocasiões específicas como carnaval, festivais musicais e comemorações.

Com a pandemia, essas celebrações foram paralisadas e mudaram o formato, fato que gerou uma diminuição da demanda e encomendas para o artesão. Hoje, aos poucos, ele retoma o ritmo, seguindo todos os protocolos sanitários e atendendo sob demanda, com hora marcada, em seu ateliê, no Lago Norte.

Tendências e perspectivas

Anitta já apareceu usando Tarcísio Brandão em, pelo menos, duas ocasiões: no clipe Veneno e na capa da Marie Claire
Anitta já apareceu usando Tarcísio Brandão em, pelo menos, duas ocasiões: no clipe Veneno e na capa da Marie Claire (foto: Eduardo Bravin/Divulgação)

Trabalhar pautando a sustentabilidade, sem gerar resíduos têxteis, pode ser desafiador no contexto da moda rápida, uma das indústrias que mais poluem no mundo, que, tradicionalmente, descarta, todos os anos, toneladas de tecidos não utilizados ou com defeitos. A produção de Tarcísio procura subverter essa lógica e representa grandes mudanças, como é o exemplo do macramê. Caso ocorra algum nó errado ou caso não saia da forma como foi pensando, ele pode ser desfeito e iniciado novamente, sem prejuízo para os materiais.

Outro ponto importante sobre os métodos manuais é que eles têm um potencial de democratização muito grande na presente década, pois, por meio da internet, é possível aprender com tutoriais do tipo “faça você mesmo”, que permitem uma maior autonomia e popularização do processo. Essa circulação ampliada permitiu que o artista aparecesse no editorial da revista Vogue Portugal, um marco significativo, mostrando sua presença também na grande mídia. Outra participação icônica foi na capa da revista Marie Claire, vestindo a cantora Anitta, para quem ele já havia desenvolvido peças para clipes anteriormente.

Para Tarcísio, apesar de faltas de investimentos públicos na área, há uma forte tendência à expansão de técnicas de artesanato. Por isso, ele recomenda que artistas e interessados estudem muito, conheçam referências e não tenham medo de errar. Ele garante: “Mesmo o projeto mais estranho pode provocar inspiração para coisas incríveis”. Outra dica indispensável é buscar desenvolver ideias com base no seu diferencial, naquilo que torna sua produção única e original.

*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte

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  • Modelo veste roupa criada pelo estilista na revista Vogue Portugal
    Modelo veste roupa criada pelo estilista na revista Vogue Portugal Foto: Guilherme Nabhan/Divulgação
  • A cantora Iza usou uma peça de Tarcísio durante a gravação do clipe Ginga
    A cantora Iza usou uma peça de Tarcísio durante a gravação do clipe Ginga Foto: Rodolfo Magalhães/Divulgação
  • Anitta já apareceu usando Tarcísio Brandão em, pelo menos, duas ocasiões: no clipe Veneno e na capa da Marie Claire
    Anitta já apareceu usando Tarcísio Brandão em, pelo menos, duas ocasiões: no clipe Veneno e na capa da Marie Claire Foto: Eduardo Bravin/Divulgação
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