O ano é 1971. O psicólogo Philip G. Zimbardo da Universidade Stanford dividiu aleatoriamente um grupo de estudantes mentalmente sãos entre “guardas” e “prisioneiros”, que deveriam conviver por duas semanas em uma prisão simulada no câmpus. Zimbardo teve de interromper o estudo prematuramente depois de apenas seis dias, porque os guardas haviam se tornado sádicos, abusando física e psicologicamente dos prisioneiros.
Mas como jovens pacatos puderam se transformar de forma assustadora em tão pouco tempo? Naquela época, Zimbardo ofereceu uma resposta simplista: protegidas pelo anonimato da multidão, as pessoas perdem todos os limites e desprezam normas éticas. Tornam-se animais de um rebanho desenfreado, sem controle ou compaixão.
Pesquisas recentes indicam que, muito embora grupos levem seus integrantes a se comportar de uma forma que eles não fariam no dia a dia, essas ações podem ser tanto positivas quanto negativas. No final de 2001, quando os psicólogos britânicos Stephen D. Reicher e S. Alexander Haslam reproduziram a experiência do prisioneiro para o que viria a ser um reality show exibido pela rede BBC, os guardas agiram de forma um tanto cautelosa.
Em razão dos resultados contraditórios, Haslam e Reicher concluíram que o comportamento do grupo depende das expectativas de seus membros sobre os papéis sociais que eles deveriam desempenhar. Se acreditam que se espera deles uma conduta autoritária, é bem provável que ocorram abusos. Zimbardo, por exemplo, encorajava os guardas a portarem-se de modo ameaçador. A chave para entender como os indivíduos de um grupo irão proceder são suas crenças pré-condicionadas sobre o que devem fazer.
Um indivíduo em um grupo de voluntários arrisca a vida para salvar uma criança, evitando que ela caia nas águas de uma enchente, enquanto outro, em nome de uma causa coletiva “maior”, de bom grado, se sacrifica como homem-bomba.
Em geral, o temor das pessoas em relação à mentalidade das massas cria nelas a expectativa de que grupos apresentem aspectos sinistros, apesar de a história mostrar, por exemplo, que mudanças sociais positivas são impossíveis sem movimentos de massa. O surgimento dos direitos humanos, a queda do Muro de Berlim, o ambientalismo — muitos avanços recentes resultaram do engajamento massivo de pessoas que lutaram por um bem comum, colocando seus interesses pessoais em segundo plano para atingi-lo.
Quanto mais a pessoa se envolve com o coletivo, maior a sua identificação com ele e mais completa a sua aceitação de valores e normas do grupo (personalidade coletiva). Comportamentos agressivos têm mais probabilidade de irromper se a personalidade coletiva assume o controle sobre a percepção e as ações do indivíduo. Desse modo, a pessoa não mais distingue entre o “eu” e o “ele”, mas apenas entre o “nós” e “os outros”.
Essa dinâmica pode surgir de forma esporádica, també,m entre pessoas que levam vidas normais, como o vizinho gentil que todos os sábados se transforma no barulhento torcedor de futebol, xingando os torcedores do outro time. Para ele, essa atitude é o resultado lógico de sua profunda lealdade ao “nós” de seu amado clube. Se o primeiro a arremessar uma pedra é reconhecível, de forma inequívoca, como um membro do coletivo — por exemplo, por suas roupas ou palavras de ordem — sua ação acaba com qualquer dúvida sobre o papel que os demais devem desempenhar. Eles rapidamente imitam o comportamento do “personagem exemplar”. Esse fenômeno é conhecido como “efeito manada”, conceito que faz referência ao comportamento de animais que se juntam para se proteger ou fugir de um predador. Aplicado aos seres humanos, refere-se à tendência das pessoas de seguirem um grande influenciador ou mesmo um determinado grupo, sem que a decisão passe, necessariamente, por uma reflexão individual.
(Adaptação de texto original de Bernd Simon 2005)
*Dr. Ricardo Teixeira é neurologista e diretor clínico do Instituto do Cérebro de Brasíli
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.