Literatura

A literatura e sua habilidade de dar todo o poder à garotada

Além de transformar a visão das crianças sobre o mundo ao redor, a leitura promove uma série de benefícios para o desenvolvimento delas nas primeiras fases da vida

Raquel Ribeiro*
postado em 10/10/2021 10:00
 (crédito: Arquivo Pessoal)
(crédito: Arquivo Pessoal)

A leitura é essencial para o desenvolvimento cognitivo, social e pessoal dos indivíduos nos primeiros anos de vida. É por meio dos personagens e das histórias fictícias que as crianças criam as primeiras impressões sobre o mundo e extraem diversos aprendizados. Além disso, as mensagens transmitidas pelos livros infantis podem empoderar os pequenos e torná-los mais aptos para lidar com os desafios inerentes à existência.

“A leitura na infância contribui para o desenvolvimento do vocabulário, da escrita, da fala e até do rendimento escolar. Além disso, as histórias ajudam a estimular a criatividade e a imaginação, por meio do contato com mundos imaginados pelos autores”, comenta Mayara Reichert, 29 anos, idealizadora do clube de livros infantis Minha Pequena Feminista.

Para celebrar o Dia das Crianças, a Revista conversou com autoras de livros infantis sobre a importância da literatura na infância e o potencial transformador das narrativas.

Pequenas feministas

Com o intuito de estimular o desenvolvimento de atitudes em prol do respeito à igualdade de gênero desde cedo, a empresária Mayara Reichert decidiu criar o clube Minha Pequena Feminista, em plena pandemia, em junho de 2020. “Quando as crianças ficaram sem poder ir à escola e estavam passando mais tempo dentro de casa, comecei a pensar que seria um bom momento para levar mais livros às famílias e incrementar o ambiente de isolamento social com boas leituras e discussões sobre temas importantes”, conta.

Ela explica que o projeto uniu suas duas paixões — livros e crianças — ao desejo de contribuir com o movimento feminista. Somado a isso, confirmou, por meio de pesquisas, que a maioria dos heróis de histórias infantis é masculina e que os personagens são padronizados, o que indica pouca diversidade e inclusão nas narrativas literárias. “Assim, fortaleceu-se o propósito de enviar bons livros com histórias em que as meninas sejam as protagonistas e levar reflexões feministas para as famílias, de forma leve e divertida.”

Mayara defende que a educação para o feminismo pode ajudar na desconstrução de estereótipos machistas: “Praticar a educação contra o machismo desde cedo significa que as crianças crescerão sem desenvolver atitudes machistas e sem a ideia de que existe uma superioridade do gênero masculino”.

Assim como as meninas, os meninos também são bem-vindos ao clube. Para a empresária, eles precisam ser contemplados para que aprendam a respeitar o patamar de igualdade das meninas e valorizar as conquistas das mulheres no futuro. “Outra vertente de nosso clube fala sobre a masculinidade tóxica. Acreditamos ser bastante relevante falar com os meninos sobre o tema, estimulando-os a expressar suas emoções de maneira saudável”, acrescenta.


Indicação de livros do clube Minha Pequena Feminista


Quem disse?
Autora: Caroline Arcari (@carolinearcari)
Ilustrado por Guilherme Lira (@liraguilherme),
Editora Caqui (@editoracaqui)
Idade recomendada: 0 a 5 anos
O livro colorido e ilustrado traz novas possibilidades de brincar, ser e sonhar, desconstruindo estereótipos e padrões de gênero. Entre os temas retratados estão: masculinidade alternativa, educação de meninos e empoderamento de meninas.

"Quem disse?"
"Quem disse?" (foto: Caroline Arcari/Reprodução)

 

Lute como uma princesa: contos de fadas para crianças feministas
Autora: Vita Murrow
Ilustrado por Julia Bereciartu
Editora Boitatá (@editoraboitata)
Idade Recomendada: 9 a 13 anos
A obra reconta 15 contos de fadas tradicionais ambientados em um mundo de princesas poderosas. Enquanto a Pequena Sereia se casa com uma mulher e trabalha mantendo o oceano limpo, Bela é uma destemida detetive que se aventura pela Floresta proibida. Os clássicos contos, agora repaginados, focam na transmissão de mensagens de autoestima, empatia e representatividade, redefinindo o significado de ser uma princesa.

"Lute como uma princesa"
"Lute como uma princesa" (foto: Boitatá/Reprodução)


Para assinar

Para realizar a assinatura no site (https://minhapequenafeminista.com.br/), é necessário que se indique qual a idade da criança que vai receber os livros. Todas as obras vêm acompanhadas de uma carta aos pais e adultos com orientações e reflexões para estimular os debates. Além disso, o clube busca ativamente por novos títulos e possui uma abertura para parcerias com editorias e autores independentes.


Beleza plural

Um dia, Ágata perguntou à mãe, também escritora infantil, Claudia Kalhoefer, 43, o porquê de ela ter cabelos cacheados. E afirmou que não era princesa porque não tinha o cabelo loiro e liso. O episódio tocou Claudia de tal forma que ela decidiu criar o livro Princesas encaracoladas, que trata de autoestima e beleza. “Naquele momento, fiquei pensando de que forma poderia ajudar a minha filha a aceitar os cachos dela. Como aqui em casa sempre incentivamos muito a leitura desde que minhas filhas estavam na barriga, decidi criar um livro e contar a história dela e da irmã, empoderá-las e vesti-las de princesa”, conta.

Assim como a filha, Claudia também não tinha uma relação de aceitação com os próprios cachos. Ela passou 30 anos fazendo escova progressiva, até que, inspirada pela história que estava escrevendo e a fim de “dar o exemplo” para as duas filhas, decidiu fazer a transição capilar e voltar a ter os cabelos no formato natural. Por meio do livro, ela quis passar a mensagem de que, independentemente da textura e da cor do cabelo, cada uma possui a sua própria beleza. “Eu procurei criar o livro da maneira mais lúdica possível e inserir as atividades do dia a dia das crianças, para gerar identificação.”

Na visão dela, os pais têm um papel primordial de ajudar as crianças a se aceitarem como são. No caso de Claudia, esse objetivo foi bem-sucedido. “Acho que o livro está tendo uma repercussão legal, porque as crianças veem que não é uma história fictícia. Graças a ele, fiz a percepção das minhas filhas sobre o cabelo delas mudar, se tornar mais positiva. Hoje, elas se sentem princesas e empoderadas com o cabelo natural delas. Elas se aceitam.”

As Princesas encaracoladas
Autora: Claudia Kalhoefer
Ilustrado por Aline G. S. Scheffler
Editora Sertão
O livro conta a história de duas irmãs americanas: Agatha e Alice, que amam os contos das princesas. De uma forma lúdica, fala da rotina das irmãs, trazendo lições sobre aceitação, inclusão e diversidade. Além disso, ensina ao pequeno leitor que os cabelos de todas as cores e texturas têm uma beleza única e especial.

"As Princesas Encaracoladas"
"As Princesas Encaracoladas" (foto: Claudia Kalhoefer/Reprodução)


Consciência ambiental

Desde muito novinha, Catarina Bedin, 7, tinha uma sensibilidade e uma preocupação com o lixo jogado na natureza. “Ela apontava, chamava a minha atenção e dizia que ficava triste ao ver espaços verdes poluídos. Então, catávamos para colocar na lixeira”, conta a mãe e servidora pública Alessandra Bedin, 47. Desse envolvimento da menina com temas ambientais e sustentáveis, nasceu o livro A bailarina Catarina e o ipê rosé, criado a partir das fantasias e conhecimentos adquiridos pela pequena em atividades na escola durante o período da pandemia.

A obra transmite a mensagem de que sonhos são possíveis se forem acompanhados de criatividade e dedicação. “Meu sonho é ter uma natureza limpa e bela”, afirma a própria Catarina. Atualmente, ela participa de um projeto que recolhe tampinhas plásticas para arrecadar dinheiro e ajudar animais em risco. “Por iniciativa dela, temos um coletor no nosso bloco. Todos os vizinhos ajudam recolhendo tampinhas”, explica Alessandra.

Segundo a mãe, Catarina é um exemplo de que as crianças também podem despertar a consciência para as causas ambientais, mesmo com pouca idade. Além disso, ela enxerga os livros como ferramentas transformadoras na vida das crianças: “A leitura é a forma de a criança adquirir conhecimentos e experiências para poder inserir-se e compreender o mundo que a cerca. Através da leitura a criança se sente inspirada e desafiada para viver suas próprias experiências”.

A bailarina Catarina e o ipê rosé
Autora: Catarina Bedin
Ilustrado por Padma Sarina Editora
Editora Faz e Conta
A publicação independente é toda costurada à mão e aborda a história da pequena bailarina Catarina, que, preocupada com as questões ambientais, aproxima-se do ipê rosé, que sofre com o lixo jogado em seu entorno. Ela e o ipê trocam confidências e refletem sobre o papel que cada um de nós exerce no meio em que vivemos. A obra conta com a tiragem de 100 exemplares, vendidos a preço de custo, revertido integralmente para a Ampare de Brasília.

"A Bailarina Catarina e o Ipê Rosê"
"A Bailarina Catarina e o Ipê Rosê" (foto: Arquivo Pessoal)


A união faz a força

Inspirada pela crise pandêmica e pelo clássico de George Orwell, A Revolução dos Bichos, a escritora baiana Eliana Oubiña decidiu criar o livro Animatrópole, que conta a história de uma catástrofe que está prestes a acometer uma cidade habitada apenas por animais, fazendo com que todos precisem se unir. “Como a criança está formando o senso crítico dela, eu quis trazer uma história que a ajudasse a construir a ideia sobre a importância do coletivo. Quando vivemos em uma sociedade, cada um possui um papel, todos trabalham para o bem comum”, pondera a escritora.

Para ela, o mais gratificante foi observar que as crianças que ganhavam o livro começaram a levá-lo para as escolas a fim de compartilhar com os colegas. “Essa atitude indica que a obra instigou uma curiosidade na criança que a fez querer partilhar aquilo com os outros. O maior feedback é ver que o livro gera um impacto positivo na vida da criança”, diz.

Acostumada a ler para o filho com frequência, a escritora considera que a leitura é uma peça-chave para o aprendizado e o fortalecimento emocional dos pequenos de uma forma lúdica: “Se a criança consegue desde pequena trabalhar a leitura, seja na escola, seja em casa, com certeza, ela se tornará um adulto mais saudável e potente, porque conseguiu construir emoções, fortalecer vínculos, desenvolver senso crítico e adquirir conhecimento”.

Animatrópole
Autora: Eliana (Liu) Oubiña
Ilustrado pelo artista plástico baiano Heitor Neto
Editora Pé de Pitanga
A narrativa se passa em uma cidade formada apenas por animais. Quando um desastre atinge o prefeito Teobald Tatu, o pânico se espalha entre a bicharada. Para encontrar uma solução, os bichos precisam esquecer as diferenças e se unir. O livro é uma ferramenta para que os pais ensinem os pequenos sobre alteridade, coletividade, tomada de decisões e diversidade.

"Animatrópole"
"Animatrópole" (foto: Pé de Pitanga/Reprodução)

 

*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte

 

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  • "Lute como uma princesa" Foto: Boitatá/Reprodução
  • "Quem disse?" Foto: Caroline Arcari/Reprodução
  • "Animatrópole", de Eliana (Liu) Oubiña. CB, 10/10/2021. Revista do Correio, p. 15;
    "Animatrópole", de Eliana (Liu) Oubiña. CB, 10/10/2021. Revista do Correio, p. 15; Foto: Pé de Pitanga/Reprodução
  • "As Princesas Encaracoladas" Foto: Claudia Kalhoefer/Reprodução
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