O sonho de Eliane Regis, quando criança, era ser aeromoça. Queria viajar e alçar voos para além da área rural de Campina Grande, na Paraíba, onde nasceu e passou a infância. Ela não se tornou comissária de bordo, mas rodou — e ainda roda — o Brasil, levando as boas lembranças, especialmente gastronômicas, vividas no interior do Nordeste.
Eliane cresceu, ganhou o mundo e se tornou cozinheira profissional — e não chef, como faz questão de ressaltar. "Nem todo chef é cozinheiro. Eu sou cozinheira com muito orgulho", diferencia. Conta que ainda consegue sentir o cheiro da comida que vinha das casas das avós e da mãe, suas grandes referências quando o assunto é comida de família. "Elas foram, e sempre serão, importantes para a minha vida e para o meu crescimento profissional."
Da avó materna, dona Nair, lembra de como ela respeitava todo o processo do alimento — do plantio à colheita, da criação ao abate. "A comida de roça é simples, mas de verdade. Nada é feito de forma acelerada." Ou seja, ainda na infância, Eliane teve contato com algo de que se tornaria, anos mais tarde, adepta: o Movimento Slow Food.
A família de Eliane morava no sítio ao lado do de dona Nair, distante 25km da cidade. Ainda pequena, ela ajudava a catar lenha para acender o fogo do fogão, onde panelas de barro cozinhavam macaxeira, arroz da terra, feijão macassar, pirão, traíra e piaba pescadas no rio, carneiro e porco criados no quintal. Frutas colhidas da árvore e verduras plantadas na horta completavam a alimentação. O pai era produtor rural e Eliane e os sete irmãos tinham o próprio pedacinho de terra para cultivar uma horta, cujos produtos eram vendidos no Ceasa de Campina Grande. "Aprendíamos, desde cedo, o valor do trabalho."
A palavra desperdício não fazia parte do vocabulário dela. "Quando o carneiro era abatido, as carnes eram separadas do bucho e das tripas, que eram usados em guisados. Até o couro era aproveitado", recorda-se. Os bolos de batata-doce, de macaxeira, pé-de-moleque — feito à base de massa de mandioca, temperado com cravo, canela e rapadura e assado na folha de bananeira —, o beiju, a tapioca molhada também fazem parte das lembranças da paraibana.
Nas férias, Eliane seguia para o sertão do estado, onde morava os avós paternos. Por lá, as refeições e o modo de prepará-las eram bem diferentes, mas não menos saborosas e rústicas. "Enquanto na região de Campina Grande não pode faltar mandioca, no sertão, a cultura principal é a do milho. Minha avó preparava o pão de milho, que é o cuscuz feito de forma mais rústica. Por lá, comia-se o cuscuz com leite, com manteiga, com carne, com mel de engenho..."
A chef conta que ainda consegue sentir o cheiro da casa da avó Cândida. "Quando eu chegava, a primeira coisa que via era o saco de pano com a coalhada sendo escorrida. A minha avó fazia queijo de manteiga."
Aos 12 anos, uma tia que morava em São Paulo visitou a família na Paraíba e propôs aos pais de Eliane levá-la para estudar na cidade grande. E lá foi ela alçar o primeiro grande voo. Casou-se ainda muito jovem, separou-se, casou-se novamente — desta vez com um militar, o que lhe proporcionou morar em várias partes do Brasil — e teve duas filhas, hoje adultas.
Em uma dessas mudanças, estabeleceu-se em Brasília. Passou a se dedicar integralmente à família, mas sempre antenada com a gastronomia. "Fazia alguns pratos sob encomenda para vender e melhorar a renda", recorda-se. Em 2013, viu uma propaganda na tevê sobre bolsas para cursos universitários e decidiu concorrer a uma vaga para o de gastronomia, no Iesb.
Foi aprovada e, logo na primeira semana de aulas, sabia que era aquilo que queria para a vida. "Eu me encontrei ali." Mais ainda quando foi apresentada o Movimento Slow food. "Percebi que aquilo era o que a minha família sempre praticou. A cada aula, era uma riqueza de informações." E Eliane agarrou todas as oportunidades.
No ano seguinte, a agora estudante de gastronomia foi a São Paulo participar do evento Mesa ao Vivo. Lá conheceu a professora Ana Paula Jacques, uma das idealizadoras do Cerrado no Prato, que lhe apresentou a Luis Carraza, diretor da Cooperativa Central do Cerrado. Eliane logo se encantou pelo projeto, que reúne diversas organizações comunitárias que desenvolvem atividades produtivas a partir do uso sustentável da biodiversidade do cerrado e da caatinga. E passou a fazer parte do quadro de colaboradores.
Em pouco tempo, estava chefiando os eventos promovidos pela cooperativa. "Fazíamos de café da manhã a brunchs e jantares, para 10 pessoas a 2 mil. Conheci pessoas com histórias lindas, mulheres de assentamentos, as quebradeiras de coco babaçu..."
Eliane também passou a ser militante do Slow Food — movimento que defende que todas as pessoas têm o direito de se alimentar de forma boa, limpa e justa — tanto na comunidade do cerrado quanto da Paraíba. "Ele representa toda a minha história", resume.
O Slow Food abriu as portas para a chef conhecer novas culturas. Em 2018, ela foi uma das representantes do Brasil no congresso que ocorre anualmente na Itália, país onde nasceu o movimento, e reúne cerca de 170 nações. "Lá, eu tive a oportunidade de falar sobre óleos brasileiros e de preparar um prato." No mesmo ano, foi, ao lado de quatro colegas, ao Parque Indígena do Xingu, na aldeia nova Kkatxi do povo Kisêdjê, conhecer e fazer registros da gastronomia desenvolvida pelo povo local. "Foi uma experiência que mudou a minha vida."
No mesmo ano, Eliane precisou se afastar da Cooperativa Central do Cerrado, pois se mudou com o marido para São Gabriel da Cachoeira, na Amazônia — a cidade mais indígena do Brasil, com 23 etnias. Por lá, ficou quatro meses. "Foi um banho de cultura, eu me joguei totalmente."
Com o fim do casamento, voltou para Brasília e continuou a estudar os biomas brasileiros e toda a riqueza que eles oferecem. Mais que isso, passou a incorporar esses ingredientes na gastronomia que gosta e sabe fazer.
Veio a pandemia e a chef fez de tudo um pouco — comida sob encomenda, pequenos eventos, piqueniques, cafés da manhã e os famosos brigadeiros de frutas do cerrado. Costuma dar palestras e consultorias sobre a grande paixão. Agora, está de malas prontas para voltar à Paraíba e às origens, que faz questão de manter vivas!
Babaçu livre
As quebradeiras de coco babaçu são grupos formados por mulheres de comunidades extrativistas do estado do Maranhão, Tocantins, Pará e Piauí. Recentemente, o movimento (@ miqcb_) lançou a campanha Babaçu Livre: Vida, Território e Luta, que tem como objetivo impulsionar a valorização dos
modos de vida das quebradeiras, o livre acesso aos babaçuais e o direito de viver em territórios livres, além da aprovação de novas leis do babaçu livre, e o fortalecimento e a fiscalização das já existentes. As quebradeiras de coco babaçu movimentam a economia de mais de 271 municípios brasileiros, incentivando a autonomia de mulheres no campo, as trocas econômicas justas, a valorização do modo de vida tradicional, a segurança alimentar e nutricional e as práticas agroecológicas como base das relações com a natureza. Produtos feitos por elas estão à venda na Cooperativa Central do Cerrado.
Bolo de banana com canela
Ingredientes
3 xícaras (chá) de farinha de trigo
2 xícaras (chá) de açúcar mascavo
3 ovos
4 colheres (sopa) de farinha de mesocarpo de babaçu
1 xícara de (chá) de leite de coco
5 bananas
4 colheres (sopa) de manteiga
1 colher (sopa) de fermento em pó
Açúcar, manteiga e canela para finalizar
Modo de preparar
Bata as claras em neve, reserve.
Em outra tigela, bata as gemas com açúcar e manteiga até esbranquiçar. Adicione o leite de coco e as farinhas, bata por dois minutos. Acrescente três bananas amassadas à massa. Misture delicadamente com uma espátula, adicione o fermento. Por fim, adicione as claras em neve e, novamente, misture delicadamente. Coloque pedaços de manteiga e polvilhe com açúcar e canela.
Preaqueça o forno por 15 minutos, asse o bolo por mais ou menos 35 minutos, ou até que enfie o palito e saia limpo.
Serviço
Instagram: @elianeregis.br
Para seguir: @centraldocerrado
@cooperativacopabase
@sitiobocadomato
@quitandasborborema
@agroecologiaaspta
@miqcb_
@anamariaromeirorodrigues
@coppalji
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