Numa época em que o pensamento eurocentrista ditava as regras do jogo violentamente em terras tupiniquins, dois homens deram passos determinantes para que pudéssemos estar hoje, comemorando o Dia da Consciência Negra. Liberdade, de ideias e de fato, foi o legado deixado por esses homens cuja coragem continua a nos inspirar.
Se a insubordinação de Zumbi fez com que milhares de homens, mulheres e crianças se atrevessem a romper com as leis absolutamente injustas daquele momento histórico, o talento assombroso de Machado de Assis permitiu que todo o povo brasileiro tivesse a chance de se perceber capaz de autonomia intelectual, moral e prática.
Machado de Assis escreveu em quase todos os gêneros literários de modo igualmente genial. Sua poesia, sua prosa, seus contos, seus romances, suas crônicas e sua dramaturgia são a prova de que ter uma origem pobre, sem qualquer acesso à educação, nunca foi motivo para se render.
Seu prestígio, dentro e fora do país, mostrava a todo instante ser possível vencer mesmo sendo um autodidata, cuja mãe lavadeira morreu precocemente, deixando o filho, ainda criança, aos cuidados do pai, um escravo alforriado que logo também veio a falecer. De algum modo, Machado seguiu firme e, aos 21 anos, já era uma personalidade considerada entre as rodas intelectuais cariocas.
Rui Barbosa pronunciou, as seguintes palavras, na Academia Brasileira de Letras, por ocasião de seu velório: "Do que ela (a obra de Machado) se reserva em surpresas, em maravilhas, de transparências e sonoridade e beleza, hão de dizer os seus confrades, já o está dizendo a imprensa, e de esperar é que o diga, dias sem conta, derredor do seu nome, da lápide que vai tombar sobre o seu corpo, mas abrir a porta ao ingresso da sua imagem na sagração dos incontestados, a admiração, a reminiscência, a mágoa sem cura dos que lhe sobrevivem".
Belas palavras, que demonstram o profundo respeito dos seus colegas imortais.
No entanto, são tantas as histórias opostas à de Machado de Assis, em que não foi possível dar a volta por cima das injustiças. E, infelizmente, muitas estão esquecidas.
Pois bem, dois séculos se passaram e chegamos hoje a um tempo em que uma nova luz vem nos fazendo perceber a necessidade diária de atenção, intenção e ação na tarefa de admitir o absurdo a que os descendentes da raça negra foram submetidos e de retratação urgente.
Um fato extremamente relevante precisa ser levado em conta: nós todos trazemos em nosso sangue, em nossa genética e em nossa memoria algum resquício da história de abusos e violências, afinal somos brasileiros, e a mistura de sangues é a nossa maior característica.
Meu convite hoje ao amigo leitor é que busque pesquisar em suas origens sobre as histórias de algum avô, bisavô ou parente, mesmo que distante, que mereça um novo olhar para que alguma dor seja tratada, algum conflito entendido, perdoado ou alguma relação seja alvo de reconciliação... E sigamos em frente aceitando, assumindo e apreciando nossas histórias.
Salve Machado, Salve Zumbi!
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