Crônica

Mesa para uma — as reflexões de uma viajante solo

Meu ato de bravura, que muitas vezes provoca a surpresa alheia, restringe-se ao simples prazer de viajar sozinha

Flávia Duarte - Especial para o Correio
postado em 07/01/2022 17:34 / atualizado em 07/01/2022 17:35
 (crédito: Maurenilson Freire/CB/D.A.Press)
(crédito: Maurenilson Freire/CB/D.A.Press)

Repetidas vezes, ouvi a afirmação: "Nossa! Eu queria ter esta coragem!" E não! Eu não estava investindo na bolsa de valores; pedindo demissão do trabalho para viver um ano sabático ou me entregando a um novo amor — decisões que, verdadeiramente, considero arriscadas. Meu ato de bravura, que muitas vezes provoca a surpresa alheia, restringe-se ao simples prazer de viajar sozinha.

Mais de uma vez, decidi o destino, arrumei as malas e convidei a mim mesma para curtir as férias. Já embarquei rumo ao deserto do Saara só comigo. Já passei a virada do ano apenas em minha companhia na Ilha do Sal, em Cabo Verde, na África. Já estive no México, na Holanda, até em Ibiza sem conhecer ninguém.

Engraçado como esse gosto provoca sentimentos diversos nos outros. Alguns admiram, outros sentem até uma pontinha de pena: "Coitada! Ninguém quis vir com você?". Mas, na verdade, eu não estou sozinha, lembro a todos. Estou comigo mesma, respondo.

O que para mim é algo confortável, para outros soa como desesperador. A ideia "de não ter com quem conversar" é uma das coisas que mais amedronta quem não pensa na possibilidade de fazer voo solo. Mas é aí que está o segredo: você vai ter a oportunidade de experimentar uma conversa íntima, pessoal e intransferível com a única pessoa que te acompanhará em todos os roteiros da vida.

Você fala e você se escuta. E é desse diálogo que muita gente foge. A maioria das pessoas tem medo de uma conversa franca diante do espelho, que dirá um bate-papo durante dias, sem outro interlocutor para ser o protagonista da história, roubar a cena e deixar que você fique só na plateia. Viajar sozinha é ser diretor, ator e roteirista de todas as cenas deste filme.

Muita gente não se conhece. Menos ainda reconhece as próprias preferências e, assim como acontece no início de qualquer relacionamento, sente medo de desapontar quanto estiver a sós. Imagina descobrir que você é tão rabugenta, que não se aguenta por quatro dias sem outra pessoa para te livrar de você mesmo? Mas pense na surpresa de descobrir como você é divertida e leve a ponto de estar muito bem só com seus pensamentos e suas escolhas.

Companhia, barulho e conversa fiada é muito legal, mas experimente a sensação de ter apenas seus desejos atendidos. Viajar sozinha é um exercício de mimar a si mesmo. Você planeja seu dia, seu roteiro, seu descanso, de acordo com suas vontades. E não há outra pessoa no mundo que fará isso com maior habilidade.

Aproveite a temporada de férias, faça a mala e pergunte a si mesma o que deseja comer e a que horas deseja acordar. Você vai decidir qual museu quer visitar ou se prefere ir a um parque. Vai escolher ir à praia ou às montanhas. Se vai ficar na cama lendo um livro ou se vai colocar um roupa bonita e escolher o melhor restaurante.

Acredite: todas as suas vontades serão prioridade. "O que você gostaria de jantar, minha senhora?", pergunte-se. E não se esqueça de pedir um drinque para celebrar o quão agradável é viajar acompanhada de si mesma. E quando te perguntarem: "Mesa para quantas pessoas?", você amará responder que "para uma, por favor!"

 

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