Moda

Alunos apostam em estilo dentro e fora da escola

A obrigatoriedade dos uniformes escolares não restringe a possibilidade dos adolescentes expressarem suas personalidades por meio do modelo da roupa

Letícia Mouhamad*
postado em 30/01/2022 11:30 / atualizado em 30/01/2022 12:09
 (crédito: Divulgação/Netflix)
(crédito: Divulgação/Netflix)

Há quem diga ser na adolescência que as tendências são mais apreciadas e seguidas, enquanto outros afirmam ser este o momento mais disruptivo da vida, em que o objetivo é ser diferente. De toda maneira, estilo e personalidade andam lado a lado e, consciente ou inconscientemente, os jovens deixam pistas de como desejam ser vistos e em quais grupos querem se encaixar.


Esta fase, apesar de confusa e delicada, é também muito passível à criatividade e, no que tange à moda, não é diferente. Roupas e acessórios adquirem novos significados, podendo quebrar estereótipos e até mesmo expressar a liberdade de querer — e poder — ser quem é. Na série americana Sex Education, da Netflix, isso fica evidente quando os estudantes, acostumados a um ensino mais liberal, são obrigados a vestirem uniformes, mas nem por isso deixam seus estilos, algo importante para eles, de lado, buscando complementá-los de outras maneiras.

Postura moderna

Nas escolas brasileiras, é comum a determinação do uso de uniformes e, para a psicóloga Elen Alves, especialista em infância e adolescência, há um fator curioso nessa imposição: a existência de uma lei e, consequentemente, de limites. “A lei necessita existir na vida de todos, e na do adolescente é fundamental até para ele ter algo a questionar. Sem lei, não há questionamentos, e o adolescente pode se perder por não ter os limites de forma clara”, evidencia. Ao mesmo tempo, ter espaço para mostrar ideias e defender pontos de vista é primordial e necessário.


Para a estudante Maria Clara Teixeira, 16 anos, há, no seu estilo, a expressão da sua identidade e é neste momento que ela permite a imaginação fluir para suas criações. “Eu gosto de usar e misturar tudo, porém tenho algumas preferências, como a moda dos anos 1990 e 2000. Faixas no cabelo e roupas coloridas são minhas peças favoritas”, pontua. Já na escola, os acessórios são o destaque: anéis, pulseiras, braceletes e brincos. Além disso, a maquiagem é um complemento importante e em que criatividade é mais depositada, sendo os delineados futuristas sua marca registrada.

Para Maria Clara, imaginação e criatividade são fundamentais em seu estilo
Para Maria Clara, imaginação e criatividade são fundamentais em seu estilo (foto: Arquivo pessoal)


Grande apreciadora da moda, em geral a jovem acompanha e inspira-se em conteúdos de maquiagem e looks, tendo como influenciadoras preferidas a Elviedesu e a Avani Gregg. Sobre a relevância em identificar-se com determinado estilo, ela acrescenta: “Essa é uma das maiores formas que temos de expressar nossa liberdade, deixando sair toda arte que há em nós”. Do mesmo modo, Elen explica que essa linguagem releva aspectos da nossa subjetividade e, na adolescência, isso se deve à reorganização da identidade, dos interesses e dos gostos.


No caso da estudante e modelo Hanna Luísa da Silva, 17, há grande diversificação na forma como se veste e se identifica, atrelada aos estilos hip-hop, vintage e gótico. Isso se deve às inspirações em artistas que admira, entre elas, Rihanna, Zendaya, Chloe Bailey, Normani e Iza, mulheres que utilizam seus protagonismos para chamarem atenção a causas feministas e antirracistas. Para a estudante, esses são tópicos importantes. “Como uma mulher preta eu gosto muito de expressar meu estilo através do meu cabelo, colocando tranças, fazendo penteados e utilizando perucas” destaca. Na escola, os acessórios não ficam de lado — durags, bandanas e presilhas são os mais usados.

Hanna Luísa aposta em penteados e acessórios para aprimorar seus looks
Hanna Luísa aposta em penteados e acessórios para aprimorar seus looks (foto: Arquivo pessoal)

Moda subversiva

A ascensão de coleções de roupas que não abarcam apenas os gêneros feminino e masculino acompanha as discussões sobre a representatividade de pessoas não-binárias e lembra que, antes de tudo, quem escolhe o que vestir deve sentir-se confortável. O estudante Gustavo Musa, 17 anos, compreende bem essa pauta e define o seu estilo como fluido e sem gênero, superando os limites e os debates do que é considerado “vestimenta de homem” e “vestimenta de mulher”. Entre as referências estéticas presentes em seus looks, está o punk e o subversive basics, tendência experimental que conta com tecidos transparentes e recortes que deixam a pele a mostra.


Já que no tange às inspirações, Gustavo cita o ator Billy Porter e os influenciadores Eduardo e Filipe, do canal Diva Depressão. Com Maíra Medeiros e Nátaly Neri, também personalidades da internet, o jovem aprendeu a valorizar composições com roupas de segunda mão, vindas de brechós e bazares. Mas a maior inspiração certamente está na artista Pablo Vittar: “É uma figura presente na minha adolescência e, por ser uma drag queen e um homem gay, eu me vejo e me identifico muito nele”, conta. Na escola, o estilo fica por conta de acessórios como brincos e colares, de maquiagem com sombras coloridas e das mudanças constantes no cabelo, que todo mês recebe um corte ou uma cor diferente.

Para Gustavo Musa, as roupas devem trazer conforto e traduzir sua personalidade
Para Gustavo Musa, as roupas devem trazer conforto e traduzir sua personalidade (foto: Arquivo pessoal)


Reconhecer-se em personalidades públicas, em pautas sociais e em determinados discursos — muitas vezes vistos como subversivos — é fundamental para a reafirmação da personalidade e para formação de grupos, que podem ser espaços de acolhimento e compreensão. “O grupo é um refúgio e proteção para lidar com aquilo que o adolescente ainda se sente impotente, por exemplo, diante dos pais, da escola, das leis”, ressalta a psicóloga Elen.

Sob outro viés

Que aluno nunca reparou naqueles professores mais jovens, com estilos diferenciados e que, normalmente, estão atentos às novidades do mundo adolescente? A professora de inglês Melody Erlea é um desses exemplos. Com o blog Repete Roupa, que acumula mais de 25 mil seguidores em sua página no Instagram, Melody escreve sobre moda, cinema, música, história e cultura pop; e mais recentemente lançou a hashtag #repeteprofe, em que mostra os looks que compõe para o trabalho em sala de aula.


Para ela, demonstrar o próprio estilo na adolescência compreende um equilíbrio interessante, pois, ao mesmo tempo que os jovens desejam pertencer a determinado grupo e seguir os códigos ali presentes, eles também pretendem destacar sua individualidade e diferenças. “Quem olha de longe, sem repertório, acaba vendo grupos de adolescentes "iguais", com o mesmo estilo de cabelo, tênis parecidos e até os itens e acessórios do momento. Mas cada grupo de adolescentes "padrão" tem sua dinâmica interna, e eles se diferenciam dentro do padrão” aponta.

Melody Von Erlea é professora e idealizadora do blog Repete Roupa (@repeteroupa)
Melody Von Erlea é professora e idealizadora do blog Repete Roupa (@repeteroupa) (foto: Divulgação/Repete Roupa)


A educadora observa que, na sala de aula, em que todos os alunos estão uniformizados, gostos e escolhas estéticas revelam-se nos detalhes: há, nas mochilas, uma customização ou estampa diferente, e até a maneira de carregá-las nos ombros indica uma tentativa de afirmação de estilo pessoal. Os cabelos longos e divididos ao meio das meninas, muito comuns, distinguem-se nas pontas coloridas, nas tranças, nas presilhas utilizadas — são dessas maneiras que elas afirmam sua individualidade.


Apesar disso, Melody acredita que seguir as grandes tendências, o que está em alta, é uma atitude completamente ligada a essa fase da vida, justamente por existir a pressão de pertencer a grupos e sentir-se aceito, algo que, de certa maneira, traz maior segurança. Porém, destaca: “a adolescência é o período em que a gente tem autorização para arriscar e sair um pouco do padrão. Riscar seu tênis All Star com letras de músicas e recados de amigos, neste momento, é ok, na vida adulta pode soar estranho”.

*Estagiária sob supervisão de José Carlos Vieira

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    23/01/2022 - Revista - Moda - Edição Educação - Cena da série Sex Education Foto: Divulgação/Netflix
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    Para Maria Clara, imaginação e criatividade são fundamentais em seu estilo Foto: Arquivo pessoal
  • Melody Von Erlea é professora e idealizadora do blog Repete Roupa (@repeteroupa)
    Melody Von Erlea é professora e idealizadora do blog Repete Roupa (@repeteroupa) Foto: Divulgação/Repete Roupa
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    Para Gustavo Musa, as roupas devem trazer conforto e traduzir sua personalidade Foto: Arquivo pessoal
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    Hanna Luísa aposta em penteados e acessórios para aprimorar seus looks Foto: Arquivo pessoal
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    23/01/2022 - Revista - Moda - Edição Educação - Cena da série Sex Education Foto: Divulgação/Netflix