As portas escancaradas parecem mostrar que os bares são ambientes abertos a qualquer um. Ledo engano. É possível entrar, ser atendido, trocar meia dúzia de palavras e até sair satisfeito, mas é preciso bem mais para fazer parte da confraria, aquele ambiente quase familiar, onde não faltam nem chatos (substituindo cunhados e primos distantes), nem briga. E era isso o que o meu amigo queria saber: há regras para se integrar num boteco?
O modo mais simples é mesmo ser introduzido por um frequentador habitual, como acontece nos melhores clubes, tentando evitar o desprazer de uma bola preta, que era — ou é — o formato encontrado pelos esnobes do Jockey Clube do Rio de janeiro para dispensar indesejáveis. Bola branca, aliás, virou sinônimo de bem-vindo.
Como no aristocrático clube carioca, nem mesmo uma boa apresentação garante automaticamente a inscrição do cidadão. O poder de veto dos frequentadores mais antigos tem força de lei; basta um conviva implicar para que o sujeito seja limado, normalmente com o requinte de crueldade de uma fritura — que, ironicamente, começa com um gelo —, como acontece com ministros e secretários indesejáveis. Botequim tem um quê de Jockey.
O segredo é entender o tempo do boteco. Ali só se respeita o relógio na hora de ir embora, porque a pressão do proprietário, no local, ou da patroa, em casa, é inexorável. E depois que inventaram o telefone celular, a marcação ficou mais dura do que a zaga do Vasco nos tempos do Moisés. No bar, o GMT — que vem acertando os ponteiros do planeta desde o século 19 — não tem a menor consideração.
Minutos passam de forma diferente; o tempo para as novidades é ainda mais lento. Quem frequenta o bar é, antes de tudo, um conservador ciumento. Não gosta nem que mudem as cadeiras, nem se for presente da fábrica de cerveja. Portanto, é preciso pisar macio para não sofrer rejeição.
Quem não tem padrinho não precisa morrer pagão. Mas a tática é diferente, como ensina Jorge, que viaja muito e precisou desenvolver uma técnica para se imiscuir entre desconhecidos. O busílis é fingir que não está dando muita bola; chegar, dar um cordial boa-noite, pedir uma bebida (com álcool), sentar-se a mesa próxima aos frequentadores habituais e abrir um jornal, de preferência deixando um caderno à vista.
O detalhe do jornal à mostra atiça a curiosidade alheia. Com um pouco de sorte a manchete vira assunto e o pretendente é instado a opinar. E, nessa hora, dada a conflagração nacional, é preciso cuidado para não causar muitas arestas, embora um pouco de polêmica seja salutar para quebrar o gelo.
Muitas vezes, a tática não funciona da primeira vez; é preciso perseverar. Meu amigo só recomenda que não se tente agradar o dono do estabelecimento, normalmente sujeito de maus bofes. Melhor é dar uma boa gorjeta ao garçom, com o cuidado de não viciar o cidadão. Mas se nada disso não der certo, não se apoquente: é que aquele bar não o merece. Mude.
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