Cidade nossa

Outro carnaval sem folia

Paulo PestanaEspecial para o Correio
postado em 27/02/2022 00:01
 (crédito: Maurenilson Freire)
(crédito: Maurenilson Freire)

Mais um ano sem carnaval, ainda que estejamos todos — os que têm juízo, pelo menos — mascarados. Se faltava alguma coisa para bater o prego no caixão, as marchinhas, que estão entre nós desde o início do século passado, trazidas pelos portugueses e que tomaram forma definitiva a partir da década de 1920, sucumbiram ao funk.

A aposta é que nos dias de folia deste ano o que vai ser ouvido é um certo Pedro Sampaio, que lançou duas canções — Galopa e No Chão Novinha — que só têm como rival o xote estilizado Revoada no Colchão, de Zé Felipe e Marcynho Sensação. A única certeza é de que vai faltar algodão para colocar nos ouvidos.

Na verdade, não são músicas de carnaval, embora sejam carregadas de malícia como as velhas e boas marchinhas; certamente bem mais explícitas, como tudo hoje em dia. Voltamos ao início de tudo, quando o carnaval era embalado por outros ritmos.

Muito antes das marchinhas, que se popularizaram pela facilidade oferecida aos foliões, que nem precisavam de muito molejo: é só marcar o passo andando em círculos nos bailes ou indo sempre em frente nas ruas. Os salões se abriram aos foliões em 1835, quando o Hotel de Itália, no Rio, promoveu o primeiro baile — animado por polcas, tangos (não o argentino, que nem existia ainda), chulas e até emboladas.

O carnaval só foi para a rua em 1852, quando o sapateiro português José Nogueira de Azevedo juntou amigos lusos e saiu dando vivas a um certo Zé Pereira. Era um personagem de folias portuguesas que em terras brasileiras acabou virando sinônimo de bloco de sujos.

As marchinhas só entraram na farra em 1899, quando Chiquinha Gonzaga fez Ô Abre Alas para o Cordão Rosa de Ouro. Mas ainda seriam necessárias mais duas décadas para que a marchinha assumisse a preferência do chamado tríduo momesco — A Baratinha, de João Rabelo, deu o tom. Até a Bandeira Branca ser desenvergada.

Renato Vivacqua, que divide a vida entre as pesquisas musicais e a fisioterapia, diz que a canção de Max Nunes e Laércio Alves fechou o ciclo das marchinhas em 1970. De fato, muito pouco se produziu depois disso, embora outros sucessos carnavalescos, mas na forma de sambas e frevos, tenham se destacado.

No novo milênio, o carnaval parece ter se resumido aos desfiles de escolas de samba que, premidas entre um horário a cumprir, regras rígidas na formação das alas, custos que afastam os menos abastados, desfilam com sambas tão velozes que se aproximam das marchinhas, impedindo os passistas de mostrar samba no pé.

A liberação dos costumes também atrapalhou a folia. Toda sexta-feira tem balada. Ninguém mais precisa esperar os três dias de folia e brincadeira, você pra lá, eu pra cá até quarta-feira ou para se fantasiar de Antonieta e ir dançar no Bola Preta até o sol raiar, como ensinam as velhas canções.

E é só observar os cabelos coloridos, as roupas soltas e estampadas, as maquiagens cada vez mais esdrúxulas para entender que agora todo dia é carnaval. Evoé, Momo.

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