Você já ouviu falar em desrealização ou despersonalização? Ambos são transtornos dissociativos que proporcionam uma sensação persistente de estranheza com a realidade, anestesia emocional e até separação do próprio corpo.
Em transtornos dissociativos, algumas funções psíquicas se rompem. Como consequência, o paciente pode vivenciar alterações na consciência, na memória e na percepção de si próprio. "É como se a pessoa estivesse em um filme e observasse os próprios comportamentos de um lado externo. Muitos pacientes enxergam esse quadro de despersonalização assim, como se eles fossem observadores externos da própria vida", explica a psiquiatra Christiane Ribeiro.
Apesar dos sintomas, o paciente é capaz de se manter consciente, separando fantasias da realidade, mas é importante ficar atento para a possibilidade de o transtorno de despersonalização ser indicativo de outros problemas de saúde.
Sinais
Os sintomas mais comuns da despersonalização são as alterações na percepção da realidade e apatia, em que o indivíduo apresenta dificuldade em perceber emoções. Mas existem ainda sintomas que indicam que o transtorno é consequência de uma crise de ansiedade. Os sinais são episódios de taquicardia, aperto no peito e dificuldade para respirar regularmente.
Gatilho
Esse tipo de transtorno pode se desenvolver após um quadro de ansiedade intensa ou um episódio traumático. Pois, nesses casos, os níveis de estresse são muito elevados. A psiquiatra Christiane Ribeiro explica: “O paciente pode ter percepção de que o mundo ao redor está sem cor, sem graça. Então não consegue vivenciar e experimentar as situações boas nem ruins. E, em alguns casos, pode enxergar objetos desfocados, por exemplo, como se não tivesse conexão com o próprio corpo”. Christiane acrescenta que uma pessoa que sofre com transtorno de despersonalização pode sentir-se também muito angustiada e tensa com os episódios, imaginando se tratar de um quadro neurológico grave.
Outras condições psicológicas são associadas ao transtorno de desrealização. Ansiedade, estresse grave, trauma, abusos físicos ou psicológicos e situações de violência também podem ocasionar episódios dissociativos.
Amnésia
Em alguns casos, podem ocorrer também alterações na memória e na concentração. Christiane Ribeiro elucida sobre a existência da “amnésia dissociativa'', que pode acompanhar esses quadros e que impede a pessoa de se lembrar dos episódios.
Consequências
No dia a dia, na vida social e no trabalho, o paciente, muitas vezes, tem o rendimento reduzido. Por se sentir mais entorpecido, desconectado, essa dificuldade se apresenta em várias áreas do convívio social.
Tratamento
“Não existe um tratamento aprovado especificamente para o transtorno de despersonalização. Mas é possível tratar as causas de base. Então, se este transtorno for parte de um quadro ansioso, ou processo traumático, a gente vai tratar esse quadro maiores”, esclarece Christiane. A psiquiatra afirma que a primeira escolha de tratamento para a despersonalização deve ser a terapia. Realizar um acompanhamento psicoterápico dá ao paciente a possibilidade de avaliar as causas do transtorno.
“Com as técnicas cognitivas-comportamentais, é possível modificar alguns padrões de pensamento e desenvolver tarefas com as quais o paciente pode se engajar para lidar melhor com esse quadro”, diz a psiquiatra. “Em casos mais graves, podemos usar as medicações. Principalmente nesses quadros que envolvem depressão, ansiedade, trauma, quando o impacto causado pelo transtorno altera o sono, trabalho e vida social do paciente”, finaliza Christiane.
Palavra do especialista
Quais os principais sintomas aos quais precisamos estar atentos para identificar o transtorno de despersonalização?
É difícil estar atento. Porque o episódio, geralmente, acontece de maneira abrupta. O indivíduo sente que está se distanciando de si mesmo de maneira repentina, como se não tivesse mais o controle do corpo. Alguns pacientes dizem que é como se fosse um sonho, como se tivesse algo, que não ele, controlando aquele corpo.
O transtorno de despersonalização pode ser indicativo de alguma outra questão psicológica?
O transtorno de despersonalização pode ser um transtorno por si só, sem outras patologias associadas. Porém, pode indicar, sim, a manifestação de outros transtornos. Por exemplo, um transtorno de ansiedade muito grande e muito grave. A pessoa pode se ver tão ansiosa que, como defesa psíquica, ela acaba se desligando de si mesmo. Pode ser uma maneira de se manifestar uma intoxicação por drogas, por exemplo, ou uma maneira de se manifestar uma personalidade
Existe tratamento? Qual?
Sim. O tratamento é feito de maneira conjunta entre o psicólogo e o psiquiatra. O psiquiatra, por meio da medicação, ajudará o paciente a desenvolver uma maior capacidade de suporte para aguentar o estresse. Junto ao psicólogo, o paciente reconhecerá o que faz com que ele se desligue. Na psicoterapia, ele vai aprender quais os mecanismos de identificação de gatilhos.
Quais as principais dificuldades que uma pessoa com transtorno de desrealização enfrenta na rotina?
As principais dificuldades seriam conviver com os gatilhos. Aprender a identificar as demandas que fazem com que, involuntariamente, o paciente se desligue de si mesmo. E, para isso, é necessário um trabalho árduo de conhecimento de si próprio, de busca pelo autoconhecimento. Então as dificuldades seriam driblar os gatilhos, quando possível, e aprender a conviver com eles sem despersonalizar.
Marcos Negretto é psiquiatra
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.