Especial

Entre desabafos, risadas e vinhos

Carolina Marcusse* e Letícia Mouhamad*
postado em 26/06/2022 00:01
 (crédito: Arquivo pessoal)
(crédito: Arquivo pessoal)

Quando a assistente social Katarina Macedo veio para Brasília a trabalho, há três anos, as condições para mobiliar um lugar eram escassas e a solução foi procurar por uma república em que pudesse se estabelecer temporariamente. Tal experiência já havia se repetido no interior do Ceará e na Holanda, onde ficou um ano estudando. Em terras brasilienses, porém, a vivência foi diferente: gostou tanto que ficou. E o dinheiro que iria para os eletrodomésticos foi bem gasto nas cervejas com as amigas de casa, fato que dá pistas sobre a potência desse laço. Beatriz Maiorino, paulista e estudante de fisioterapia; Daniela Toro, colombiana e estudante de doutorado; e Juliana Alexandrino, também paulista e profissional de uma editora, completam o time da cearense.

Com mais de 10 anos de existência, a ideia da moradia compartilhada surgiu de uma antiga estudante que alugou os quartos do amplo local. Katarina não sabe ao certo, mas estima que mais de 20 pessoas já passaram pelo apartamento. Hoje, quando algum cômodo fica vago, logo é anunciado nas redes sociais. Para os interessados, a "entrevista" não passa de uma conversa, na qual é dada preferência a pessoas mais maduras, que estejam trabalhando ou em uma pós-graduação. A localização, na Asa Norte e em frente à UnB, foi um ponto crucial na própria escolha pela moradia. Também há o fato de o Plano Piloto concentrar, segundo ela, a vida cultural da cidade.

Além disso, como nenhuma das jovens é do DF, nem conheciam muitas pessoas daqui, foi positivo encontrar um espaço em que todas possuíam características em comum — daí a primeira sensação de acolhimento. E por falar em afeto, a convivência em grupo não poderia ser melhor: as amigas são companheiras fiéis e se reúnem com frequência para conversar, desabafar, dar risadas e dividir o vinho. "Geralmente, quando tem algum barulho, somos nós mesmas que fazemos", brinca. Fora de casa, os encontros vão de almoços a viagens.

Sobre a divisão dos espaços e das tarefas, não existem dificuldades. Os quatro quartos são ocupados individualmente e os demais ambientes, de uso comum. A única regra estabelecida é manter todos os locais limpos. "Nunca tivemos problemas. Todas têm maturidade e respeito pelo espaço da outra. Há bom senso, então, ninguém precisa ficar lembrando de levar o lixo para fora, por exemplo." Por ser uma república feminina, a liberdade também é um ponto de destaque, "andar de roupas íntimas pela casa não é um problema", completa Katarina .

As agendas distintas — duas estão em home office, uma é estudante e a outra trabalha e é doutoranda — não impactam de forma negativa na convivência, visto que há respeito ao horário de quem precisa levantar cedo para estudar e trabalhar; barulho só até uma certa hora. Durante a pandemia, todas se mantiveram juntas e puderam falar dos seus medos, acolheram-se. "Imagina passar por tudo isso sozinha? Esse foi o período que mais nos aproximamos. Fomos a força umas das outras." Para a assistente social, o diferencial da moradia está nessa criação de laços fortes. "A república é nossa família em Brasília."

 

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Conheça o conceito do cohousing 

Você já considerou viver em residências colaborativas, como vilas, mas com cozinhas, lavanderias e escritórios compartilhados? Essa é a proposta do cohousing, que, assentado no desejo dos moradores, prevê espaços projetados segundo as necessidades do grupo. Cada residente possui sua área privativa, conhecida como unidade residencial, mas as conexões sociais ocorrem em locais comuns. Aqui, a arquitetura é pensada para auxiliar a troca, os encontros e o compartilhamento, de forma que o objetivo seja aproximar pessoas que têm interesses semelhantes. Não há hierarquia, e as casas são autogerenciadas.

Trata-se de um ambiente diferente das repúblicas, normalmente constituídas para atender a uma necessidade temporária. "A pandemia foi um momento de reflexão: como gostaríamos de viver bem e com qualidade de vida? Moradores de cohousings na Europa e EUA relataram que foram beneficiados durante este período, pois estavam isolados, mas vivendo de forma colaborativa", explica Deize Ximenes, arquiteta urbanista da E-COhousing Brasil, consultora de projetos com ênfase na sustentabilidade ambiental e infraestrutura verde.

Entre os benefícios desse modelo, é possível citar: a troca de experiência promovida pela contribuição de cada morador nas atividades e tarefas compartilhadas; a alternativa à solidão; o fomento à atividades diversas, como hortas comunitárias, atividades físicas, jogos e eventos; e, principalmente, o incentivo ao envelhecimento ativo, no qual haja autonomia e independência. No que tange aos aspectos ambientais, a construção destas moradias colabora na formatação de cidades sustentáveis e o consumo consciente, promovido pelo conceito do compartilhamento, gera menor impacto. Financeiramente, há redução de custos.

No Brasil, apesar do cohousing ser recente, já existem iniciativas que investem no setor. A E-COhousing Brasil, idealizada pelas arquitetas e urbanistas Deize Ximenes, Catharina Teixeira e Rosangela Rachid, aposta neste mercado de moradia colaborativa e de compartilhamento para a população sênior, que carece em modelos adequados para aqueles que envelhecem de forma ativa. A finalidade da empresa é viabilizar a inovação no mercado brasileiro, com foco nas necessidades atuais, envolvendo pertencimento, conexões e sustentabilidade, indo ao encontro dos ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável), da OMS (Organização Mundial da Saúde) e do WEF (Fórum Econômico Mundial).

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Tentativas e mudanças

Economia, organização e facilidade. Esses são os pontos que chamaram a atenção da estudante Carla Santos e a convenceram a procurar por moradias compartilhadas. Distribuir as tarefas domésticas permite maior tempo disponível, além do fato de que, para alugar esses locais, não são exigidos tantos pré-requisitos e burocracias, normalmente cobrados por imobiliárias, daí a flexibilidade. E haja experiência: em 2019, dividiu o quarto com duas meninas; em 2020, passou seis meses em uma república feminina; na pandemia, voltou para a casa da família; em 2021, morou em um quarto no mesmo apartamento que a proprietária; e, em 2022, mudou-se para uma república masculina.

Inicialmente, sentiu medo em morar apenas com rapazes, três, algo que hoje já não a preocupa. Carla se recorda de chegar em um apartamento sujo e desorganizado e que, com diálogos, conseguiu contornar a situação e criar uma rotina de limpeza e organização em que todos limpam o apartamento nos dias combinados e o organizam. "Foi a melhor escolha que fiz, tenho paz e ninguém problematiza qualquer situação", relata, afirmando que ao serem requeridos para realizar suas obrigações, os colegas de república respeitam.

Com experiências muito diversas, conta que a melhor parte de todos os locais que frequentou foram os momentos de conhecer outras pessoas, fazer amizades e conhecer lugares, fora, claro, o menor custo com moradia. Em contraponto, as principais dificuldades são a convivência no dia a dia, como não ter seu espaço respeitado, deixar comidas estragarem e falta de cumprimento de acordos.

Com a bagagem que tem hoje, Carla recomenda que, para selecionar uma nova moradia, a dica é visitar todos os lugares possíveis, a fim de ter mais opções e conhecer as residências pessoalmente, dado que muitas imagens enganam. Conhecer bem a vizinhança, o comércio ao redor, a distância para a faculdade ou trabalho, a disponibilidade de ônibus no local, se é muito perigoso à noite e quem mora por perto também são pontos que merecem atenção.

Além disso, algumas formas de não cair em ciladas, segundo ela, é não aceitar exigências abusivas em contratos, não fazer depósitos antecipados, ter ciência dos problemas que o imóvel possui, como por exemplo, goteiras, problemas elétricos ou na estrutura. "E o principal é saber analisar bem a balança entre benefícios e custos, pois, na maioria das vezes, o mais barato não compensa", finaliza Carla.

 

 

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