"Casinha de pau a pique, sem quintal e sem portão. Morada de preto véio. Preto véio, pai Tião." A letra da antiga moda de viola da dupla Matogrosso e Mathias remete a uma casa rústica e no meio rural. A imagem faz parte da memória afetiva de muitos brasileiros, principalmente dos que viveram a infância no campo e viam as singelas construções de pau a pique pelas cidades do interior.
A popularização da bioconstrução, porém, tem mudado um pouco o quadro que vem à mente quando pensamos em pau a pique ou em outras construções criadas a partir do barro. "O uso de materiais naturais e que se afastam o máximo possível da industrialização é a base da bioconstrução", define a engenheira civil especialista em arquitetura sustentável Caroline Nunes.
Uma das principais vantagens é o respeito ao meio ambiente. Os materiais tradicionais usados em construções, como concreto e tijolos, além de dependerem muito da mineração, envolvem muita queimada, emitindo uma quantidade alta de carbono.
No caso das construções em pau a pique, também chamado de taipa de mão, taipa de pilão ou adobe, e suas variações, como o super e hiperadobe, é usado o barro cru — "o material mais abundante na terra depois da água e que temos disponível em qualquer lugar", completa Caroline.
Mas é possível ter casas modernas e sofisticadas construídas com as mesmas técnicas usadas nas comunidades rurais e alternativas? Esse preconceito com os biomateriais é uma das principais barreiras para a popularização das técnicas.
A arquiteta ecológica Taynara Ferro afirma — e comprova por meio de seus projetos ecológicos e biosustentáveis — que o barro pode ser usado na decoração de forma elegante e contemporânea. Entre os mais aceitos e fáceis de diversificar, ela chama a atenção para a taipa de pilão. "A estética mais uniforme e a possibilidade de trabalhar com diferentes cores de terra, como roxa, marrom, preta e branca, são os principais atrativos", comenta.
Taynara acrescenta que o resultado depende não apenas do material usado, mas da mão de obra qualificada. Além de pessoas que saibam trabalhar bem o produto, é importante ter uma direção de arte, sabendo combinar o estilo do morador com as muitas possibilidades dos biomateriais.
Entre outras maneiras de trabalhar a bioconstrução, Taynara sugere os telhados verdes e os jardins posicionados nas lajes, que, além de serem positivos para o meio ambiente, trazem bastante conforto térmico aos moradores. As alternativas de energia solar também são grandes aliadas. Além do retorno ecológico, trazem o financeiro.
"São investimentos que podem ter um custo maior no momento da implantação, mas, além dos benefícios ao meio ambiente e ao conforto e qualidade de vida dos moradores, acabam trazendo um retorno financeiro ao longo do tempo", explica.
Conhecimento milenar
Apesar de assumirem ares de modernidade, como alternativas para um futuro mais sustentável para os seres humanos e para o planeta, a maioria das técnicas da bioconstrução são conhecimentos da arquitetura vernacular, ou seja, herdados dos povos originários do Brasil.
Caroline lembra que, durante muito tempo, tudo que é rural ou do campo carregou um estigma de atrasado ou pouco evoluído, mas essa mentalidade está mudando aos poucos. E, dessa forma, é possível resgatar muito do conhecimento alinhado com a sustentabilidade e a ética sustentável. "Precisamos esquecer essa mentalidade de que o campo é sinônimo de precariedade. No meio rural, se produz tecnologia e conhecimento, que, com a valorização correta, podem ajudar muito nas cidades", acrescenta.
Entre as principais vantagens das paredes de barro, está o conforto térmico proporcionado pelo fato de que a casa pode "respirar". Existe uma troca de ar que permite um equilíbrio da temperatura interna. O isolamento acústico também merece destaque, assim como a absorção de radiação.
Possibilidades de formas além da retangular e quadrada também pode ser um atrativo para moradores e arquitetos e designers que gostam de ousar em seus projetos. Os biomateriais têm ainda uma durabilidade comprovada por construções que datam do século 10.
Como exemplo mais próximo, Taynara menciona a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário, no centro de Pirenópolis, construída em taipa de pilão. "É muito importante resgatar o uso da terra, um recurso adotado há milhares de anos e que foi muito deixado de lado com a industrialização", comenta.
A arquiteta acrescenta que é importante não demonizar a industrialização e todos os benefícios que foram trazidos a partir dela, mas acredita ser necessário um olhar mais cuidadoso ao aspecto ambiental. E esse equilíbrio pode ser encontrado a partir das técnicas da arquitetura ecológica, que busca resgatar uma maneira mais natural e confortável de viver em harmonia com o planeta.
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