DIA DOS PAIS

Paternidade não é só ligação biológica. Afinal, "pai é quem cria"

Hoje também é dia de celebrar as figuras masculinas que desenvolveram afeto e participaram da criação e formação de "filhos" que não são biológicos

Eduardo Fernandes*
postado em 14/08/2022 08:21
 (crédito: Arquivo pessoal)
(crédito: Arquivo pessoal)

A ausência paterna dentro de núcleos familiares é uma realidade comum para muitos. Não ter contato com o pai biológico ou sequer conhecê-lo é uma experiência que pode trazer lacunas. E, diante do iminente vazio, certas figuras masculinas cumprem bem esse papel: avôs, tios, padrastos e outros homens. Eles também merecem ser homenageados e lembrados por aqueles que tiveram o privilégio de encontrar carinho e criação em quem não tinha a obrigação de fazer isso — mas que fizeram. 

Quando a mãe de Ana Lídia Queiroz ficou grávida dela, ainda muito jovem, aos 17 anos, o pai biológico não reagiu bem. Apesar de ter registrado a filha, o homem manteve raro contato com a estudante de enfermagem ao longo dos 22 anos de vida da jovem. Resumia-se, apenas, à pensão alimentícia. Diante disso, outras figuras masculinas foram responsáveis pelo acolhimento e afeto. O avô, conhecido como senhor Queiroz, e o padrasto, Adhaiuson Belloti, 50, são os seus heróis, como ela os chama.

"Eles são minhas referências, que me apoiam, são minha base. Nunca me deixaram faltar nada. O que não tive com o meu pai biológico eles supriram e suprem até hoje — o amor, o cuidado, a preocupação, o amparo", relata a moradora do Gama. Ainda que o suporte estivesse presente, as marcas do abandono eram uma questão na vida de Ana, que precisou buscar ajuda psicológica para sanar as feridas. Mas, mesmo com as inseguranças, ela se diz grata por tudo. Cada passo e experiência vivida, de uma forma ou de outra, a fizeram ser quem é: uma pessoa forte e independente, amada e querida.

Nas palavras do padrasto, Ana é fantástica, educada, linda e inteligente. Com a voz embargada, afirma que ter presenciado o crescimento da filha foi um presente divino. "Ela foi criada com muito amor. Eu e a mãe dela fizemos o possível", ressalta o policial militar. Hoje, ele, em tom descontraído, acredita ter feito um bom trabalho. De acordo com Adhaiuson, a jovem cresceu e se tornou motivo de orgulho para toda a família.

Importância do afeto

Professora do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília (UnB), Carla Antloga reforça a necessidade de uma presença masculina ao longo da vida do indivíduo. A representação, de acordo com ela, é importante para ocupar um lugar de proteção e cuidado, que pode ser exercido por tios, professores, padrastos e irmãos mais velhos.

A especialista ressalta que a figura do pai, sendo retratada por outro homem, é de caráter essencial. "Acho que a figura paterna é insubstituível. Mas a ausência paterna não é uma coisa que vá comprometer a vida da pessoa, porque ela pode estar com outras figuras fazendo esse papel, principalmente, de apoio, suporte, limite e amparo", enfatiza.

Amor construído

Nascida em Porto Alegre, Larissa Macedo, 20, conviveu com o pai durante o curto período que morou no Rio Grande do Sul. Mesmo que ele e a mãe não estivessem mais juntos, costumava buscar a filha para passar os finais de semana em sua casa. Mas, aos 3 anos, a mãe se casou novamente. Em seguida, a jovem veio para Brasília, por conta da transferência de trabalho do padrasto. Com a mudança, o pai  biológico acabou deixando de procurá-la.

Larissa Macedo, 20 anos, cresceu considerando o padrasto, Airton Queiroz, 57, como seu pai
Larissa Macedo, 20 anos, cresceu considerando o padrasto, Airton Queiroz, 57, como seu pai (foto: Fotos: Arquivo pessoal)

"No começo, foi difícil porque é muito confuso para uma criança entender porque o pai que ela tinha contato não a procura mais, mas o meu padrasto sempre fez o papel de pai e sempre foi muito presente", comenta. Mas nem sempre foi assim. Os resquícios afetivos que nutria pelo pai acabaram dificultando o relacionamento. Até que, certo dia, em um passeio na praia, Aitor da Silva, 57, disse para a estudante de odontologia que ela poderia chamá-lo de pai. A iniciativa fez com que Larissa o enxergasse de uma maneira diferente, e acabou abrindo espaço para que fosse considerada da família, recebendo o mesmo tratamento das filhas biológicas do primeiro casamento do padrasto.

Para Aitor, ter participado da formação e crescimento de Larissa é motivo de orgulho. E ele acredita ter feito um bom trabalho. O movimento de carinho e amor pela enteada foi muito natural. Nada forçado, já que a ausência paterna era uma realidade existente. "Por estar presente 100% do tempo, caberia a mim passar a base de uma boa criação, cobrar respeito, demonstrar respeito", destaca o morador de Águas Claras. Ao relembrar a primeira vez que Larissa o chamou de pai, ele descreve o momento como "gratificante". De acordo com ele, assim como as outras filhas, a jovem é um sucesso. E a ter criado foi um privilégio máximo.

Mais que um tio

Desde criança, Lucas Rodrigues, 16 anos, perguntava para a mãe onde estava o pai biológico. O questionamento sempre foi algo vivenciado pelo adolescente, que cresceu com lacunas a serem preenchidas. Na escola, sentia um certo tipo de inveja quando via os colegas ao lado dos pais. E, na tentativa de colorir esse espaço em branco, buscou em um dos familiares o mais próximo que pudesse chegar de ter uma presença paterna. "Eu me apeguei muito ao meu tio porque ele era o único homem em que eu me espelhava", confessa.

Lucas Araújo, 16, encontrou no tio Thiago Silva, 37, o mais próximo que ele poderia ter de um pai
Lucas Araújo, 16, encontrou no tio Thiago Silva, 37, o mais próximo que ele poderia ter de um pai (foto: Arquivo pessoal)

Apesar da pouca idade, conta que aprendeu sobre a importância de tratar bem as mulheres, de ser um rapaz digno e de caráter. Ainda que as feridas provocadas pela ausência morassem dentro do peito, o tio, Thiago Silva, 37, é responsável por manter os sonhos e as vontades do menino acesos. A falta de um provedor, principalmente no aspecto emocional e psicológico, ganhou força graças ao acolhimento dado pelo parente que, de acordo com Lucas, sempre foi mais que um pai.

Do outro lado da história, o tio revela que a sensação de ter ajudado o garoto a dar os primeiros passos na vida ainda é a melhor possível. Ele acredita que, mesmo jovem, Lucas será um homem diferente, porque é esforçado e especial. No relato de afeto, diz que o adolescente orgulhará toda a família. "Eu tenho certeza que daqui pra frente ele só cresce. O garoto tem carisma e um bom coração", destaca.

*Estagiário sob a supervisão de Sibele Negromonte

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