Encontro com o chef

O que é que a baiana tem? Paixão pela comida salvou personal chef na pandemia

Apaixonada pelas panelas, soteropolitana passa a oferecer serviço de personal chef durante crise sanitária de covid-19 e diverte-se enquanto cozinha

Sibele Negromonte
postado em 16/04/2023 07:30 / atualizado em 16/04/2023 13:07
 (crédito: Arquivo pessoal)
(crédito: Arquivo pessoal)

Tatiana Bastos é daquelas pessoas que amam estar rodeadas de gente. Nunca diz não para uma festa e está sempre com um sorriso no rosto. Não à toa, durante a pandemia da covid-19, quando se viu afastada dos amigos e da família, bateu uma tristeza terrível, que só era atenuada quando ela se refugiava na cozinha. "A gastronomia me salvou", sentencia.

Nascida em Salvador, Tati vem de uma família apaixonada pelas panelas. "Somos quatro irmãos e todos cozinham bem. Quando nos reunimos, principalmente na nossa casa de praia, em Itaparica, é uma farra, cada um prepara suas especialidades", conta. No caso dela, apesar de fazer de tudo na cozinha, os frutos do mar são seus pratos preferidos — para preparar e para comer.

As referências gastronômicas vêm das mulheres da família — sobretudo da avó materna, Meiga; da mãe, Norma; da funcionária da casa que a ajudou a criar, Zélia; e da fiel ajudante da avó por 45 anos, Marta. "Eu sempre ficava de olho no que elas faziam na cozinha. Bem pequena, pedia para mexer o bolo, quebrar o ovo, queria aprender tudo. Não sei como elas me aguentavam", brinca. "Minha mãe me levava para a feira, me ensinou como escolher peixes. Quando minha avó Meiga morreu, encontrei o caderninho de receitas dela e fiquei com ele."

Quando chegou a Brasília, no fim dos anos 1990, logo ganhou a fama, entre os amigos da faculdade, de que cozinhava bem. Os pais tinham vindo anteriormente, por conta do trabalho do patriarca, e ela, que cursava comunicação em Salvador, veio depois, quando conseguiu transferência para a Universidade de Brasília (UnB). Logo ganhou o apelido de Tati Baiana. "Meus pais tinham uma casa grande no Park Way e lá era o ponto de encontro da turma. E eu sempre na cozinha. Nosso grupo ficou conhecido como os 'tati baianos'."

Porém, a baiana nunca tinha pensado em trabalhar com alimentação. Formou-se em comunicação, passou em um concurso público e as panelas seguiram apenas como um hobby. Mas lembram quando ela disse que a gastronomia a salvou durante a pandemia? Pois bem, para não surtar, ela cozinhava. E postava as fotos do passo a passo do processo, com a receita, em seu perfil pessoal no Instagram. "Buscava fazer sempre pratos simples e fáceis."

A repercussão foi a melhor possível. Muitos dos seguidores aguardavam, ansiosos, pela próxima receita, geralmente postada aos sábados, e começaram a pedir que fizesse vídeos. "Eu nem sabia mexer direito com aquilo", diverte-se. Uma colega disse que ela deveria abrir a página, que era restrita aos amigos, para acesso do público geral, pois ela usava uma linguagem divertida e única. Surgia, assim, a Cozinha Terrorista — a princípio, um perfil no Instagram (@cozinhaterrorista), que acabou se tornando um serviço de personal chef.

Terrorismo sob controle

Tati diverte-se ao contar o porquê da escolha do nome para batizar o recém-criado negócio. Quando os pais da baiana eram jovens, fizeram uma excursão para a Grécia e a Turquia, onde conheceram um casal de espanhóis e, de cara, se identificaram. Os brasileiros iam terminar a viagem com uma esticada a Madri, e os novos amigos fizeram questão que eles ficassem em sua casa. Ali, foram apresentados aos amigos dos amigos e se criou um amplo ciclo de amizade, cultivado até hoje. "Sempre vamos à Espanha e eles vêm para o Brasil. Ficamos todos, inclusive os filhos, muito próximos. Temos até um grupo de WhatsApp."

Entre esses amigos dos pais, tem uma em especial que ama cozinhar e, assim como Tati, está sempre com um sorriso no rosto e uma taça de vinho nas mãos enquanto mexe as caçarolas. Chona é uma espécie de mãe espanhola da baiana. "Quando vou visitá-la, a gente sempre acaba na cozinha e prepara as comidas com o que tem na mão, no improviso; por isso, brincamos que é uma verdadeira cozinha terrorista." Com Chona, Tati aprendeu a fazer tortilha de batatas, paella, arroz de polvo e tantas outras delícias tipicamente espanholas.

Com a ajuda das sobrinhas, começou a produzir filmes curtos, para o Instagram, preparando as receitas. E foi ganhando seguidores. O passo seguinte foi inevitável: o convite para cozinhar profissionalmente na casa das pessoas. No início, eram apenas os amigos; depois os amigos dos amigos. Hoje, tem clientes que nem conhecia, mas que, claro, também se tornaram amigos. "Eu tenho essa pegada de cozinhar com alegria. As pessoas sempre acabam me chamando para participar da festa", diverte-se.

Esse contato inicial com o cliente é uma das partes preferidas de Tati — conhecê-lo pessoalmente, entender o que ele espera do evento, elaborar o cardápio em parceria. Depois de fechar o menu e a quantidade de pessoas, a personal chef vai às compras e leva tudo para o local da festa, onde cozinha.

As reuniões costumam ser pequenas, para 10, 20 pessoas, mas, recentemente, a baiana viveu um desafio. Foi contratada para preparar um almoço para 90 pessoas, e detalhe: dentro de um barco no Lago Paranoá. E ela tirou de letra.

Apesar de ser conhecida pelos frutos do mar — inclusive, a receita que compartilha com os leitores da coluna é o Arroz de Hauçá, um dos pratos preferidos de Jorge Amado —, Tati explica que prepara outros pratos. Uma das suas especialidades é o Filé Malassado, tipicamente baiano. "É um rosbife, com molho ferrugem, meio cru por dentro, que aprendi com o meu pai, que também cozinhava muito bem." Parece que a gastronomia está mesmo no sangue!

  • Revista - Encontro com o chef - Arroz de Huaçá, receita de Tatiana Bastos, personal chef Arquivo pessoal
  • Revista - Encontro com o chef - Arroz de Huaçá, receita de Tatiana Bastos, personal chef Arquivo pessoal

Arroz de Hauçá

Ingredientes (para 2 pessoas)

250g de coco seco ralado ou em pedaços (tente usar coco de verdade)

200ml de água morna ou o suficiente para cobrir o coco quando for bater

1 xícara de arroz

1 cebola fatiada e 1 cebola picada

1 tomate maduro picado

200g de carne seca desfiada e dessalgada

Azeite, alho, sal e pimenta-do-reino a gosto

400g de camarão cinza fresco descascado

1 colher de sopa de dendê

Coentro e cebolinha picados

Modo de preparar

Leite de coco

Bata o coco no liquidificador com a água morna e coe espremendo um pouco para sair todo o leite.

Arroz

Em uma panela com azeite, refogue um pouco de alho e cebola picadinhos. Acrescente o arroz e cubra com o leite de coco que você fez (mas não deixe de fazer a receita se não tiver coco em casa. Pode usar o leite de coco de garrafinha diluído em um pouco de água para não ficar muito doce). Cozinhe o arroz até ficar meio "empapadinho".

Carne seca

Refogue a cebola fatiada em um pouco de azeite. Em seguida, coloque a carne seca e misture bem até ela ficar um pouco úmida. Reserve.

Camarão

Aqueça azeite em outra panela e ponha a cebola e o alho picados. Quando murcharem um pouco, coloque o tomate. Depois, acrescente os camarões, tempere com sal e pimenta-do-reino a gosto e deixe ficarem rosadinhos. Coloque o dendê e desligue o fogo.

Montagem

Coloque o arroz em uma forma de buraco no meio (aquela de bolo) e dê uma apertadinha antes de desenformar. Mas se gosta de inventar, como eu, e não tem essa forma, não se desespere! Dá para enformar em um bowl pequeno direto no prato e fazer um buraco no meio com um copinho de cachaça ou licor. Vai ficar parecendo um vulcãozinho.

Distribua a carne seca ao redor do arroz.

Com uma colher, preencha o buraco feito no arroz com o camarão (que deve estar com um caldinho bem dourado do dendê) e finalize com o coentro e a cebolinha picados.

Agora é só se deliciar com essa receita da culinária baiana de origem bem africana, que era uma das favoritas de Jorge Amado. Tem vídeo dela lá no perfil da @cozinhaterrorista no Instagram.

Vá lá ver e bom apetite!

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