Neurônios em dia

Por que devemos entremear a realidade com divagações fantásticas?

Os passeios do pensamento também podem ser vistos como valiosos para o aprendizado, a criatividade e o planejamento da vida pessoal

Muitos atrelam a felicidade ao conceito de 'se' ou 'quando', o que é um erro, já que os colocam em uma busca infinita de um sentimento que pode nunca chegar
 -  (crédito: Tasy Hong/ Pixabay)
Muitos atrelam a felicidade ao conceito de 'se' ou 'quando', o que é um erro, já que os colocam em uma busca infinita de um sentimento que pode nunca chegar - (crédito: Tasy Hong/ Pixabay)
postado em 17/11/2023 18:43 / atualizado em 17/11/2023 18:54

Quem é que não deixa o carro no “piloto automático” enquanto rumina uma preocupação, pensamentos que costumam estar bem distantes da atenção que a condução de um veículo exige? Já sabemos o quanto o álcool e distrações, como o uso do celular, aumentam o risco de um acidente de trânsito, mas estudos demonstram que a redução da atenção por essas divagações da mente corresponde a até 20% dos acidentes.

Contudo, esses passeios do pensamento também podem ser vistos como valiosos para o aprendizado, a criatividade e o planejamento da vida pessoal. A evolução da espécie provavelmente selecionou esses pensamentos internos como uma vantagem adaptativa para a resolução de problemas complexos, mas a condução de veículos não fazia parte do cenário. Se não estiver no volante, ou em outra situação em que a atenção seja fundamental, viver momentos em um mundo paralelo não é nada mau.

Assisti a um documentário recentemente sobre a vida do escritor GG Márquez em que amigos de infância e familiares contam que Gabito enxergava no dia a dia o que os outros não viam. Isso certamente contribuiu para que ele fosse categorizado como um representante maior do realismo mágico, alcunha que ele argumentava contrariamente: “A realidade que é mágica”. Uma salva de palmas a Gabito e a todos aqueles que enxergam na realidade o fantástico.

Isso me fez recordar uma carta que os brilhantes músicos americanos Herbie Hancock e Wayne Shorter escreveram para as próximas gerações de artistas para acender as mentes criativas. Acho que isso deveria servir de inspiração a todos nós, independentemente de sermos ou não artistas. A vida pode ser uma obra de arte. Aliás, deve ser.


Seleciono aqui um trecho da carta que acho um primor: “Finalmente, esperamos que você viva em um estado de constante deslumbramento. Com o acúmulo dos anos, partes da nossa imaginação podem se apagar. Ou por tristeza, dificuldades prolongadas, ou condicionamento social, em algum momento de suas vidas as pessoas se esquecem de como acessar esta mágica inerente que existe dentro de nossas mentes. Não deixe essa parte da sua imaginação desaparecer. Olhe para as estrelas e imagine como seria ser um astronauta ou um piloto. Imagine explorar as pirâmides ou o Machu Picchu. Imagine poder voar como um pássaro ou passar por uma parede como o Super-Homem. Imagine correr com os dinossauros ou nadar com criaturas do mar. Tudo o que existe é produto da imaginação de alguém; cuide bem e nutra sua imaginação e você sempre se encontrará à beira da descoberta. Como cada um desses fatores levam à criação de uma sociedade pacífica? — você deve estar se perguntando. Tudo começa com uma causa. Suas causas criam os efeitos que moldam o seu futuro e o futuro de todos ao seu redor. Sejam os protagonistas no filme de suas vidas. Vocês são os diretores, os produtores e os atores. Sejam ousados e incansavelmente benevolentes enquanto dançam pela viagem que é esta vida.”

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

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