Neurônios em dia

Doutor, o chá de ayahuasca pode estar deixando meu cérebro ineficiente?

Muito pouco se investigou sobre os efeitos cognitivos das substâncias alucinógenos, e os achados ainda são muito inconsistentes

Na última semana, atendi uma paciente com seus 40 anos de idade com queixas de memória e atenção. Ela relatava que teve um desempenho acadêmico ótimo na infância, na adolescência. E no início da idade adulta, há poucos anos, não tinha queixas cognitivas nem evidências clínicas de associação das queixas com um episódio de infecção pela covid-19. Outros fatores que levam muito frequentemente pessoas nessa idade a terem queixas cognitivas também não estavam presentes, como ansiedade, depressão, sono não reparador, hipotiroidismo, deficiência de vitamina B12 e uso frequente de maconha. Mas ela tinha o hábito de consumir ayahuasca, Santo Daime, semanalmente. Temos evidências que o uso agudo ou crônico desse alucinógeno pode afetar negativamente a cognição?

Temos um crescente corpo de investigações sobre os efeitos de alucinógenos como aliados no tratamento de transtornos mentais, como estresse pós-traumático, drogadição, depressão, ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo, anorexia. Muito menos se investigou sobre os efeitos cognitivos dessas substâncias e os achados ainda são muito inconsistentes. Alguns estudos apontam efeitos positivos sobre a memória e a atenção, enquanto muitos mostram prejuízos. Doses maiores parecem ter efeitos mais deletérios. Novas pesquisas devem ser conduzidas para que se esclareça os efeitos da dose, frequência de uso e nível de pureza dos preparados, refiro-me à concentração de dimetriptana (DMT), componente psicoativo da ayahuaska. Além disso, amostras maiores de indivíduos devem ser estudadas, idealmente com e sem transtornos mentais. As pesquisas até o momento foram realizadas com um número muito limitado de participantes.

Então, respondendo à pergunta da paciente: “O chá de ayahuasca pode estar deixando meu cérebro ineficiente?” A resposta é: "pode sim, e pelo que temos de evidências, pode ser pior com doses mais altas".

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

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