Silencioso, raro e potencialmente fatal, o botulismo é uma doença causada pela toxina da bactéria Clostridium botulinum, apontada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, como uma das substâncias mais letais conhecidas.
A doença ataca o sistema nervoso, bloqueando a comunicação entre nervos e músculos, o que pode levar à paralisia progressiva e, nos casos mais graves, à insuficiência respiratória. Apesar de pouco frequente, cada episódio exige ação rápida de médicos e autoridades de saúde, já que a evolução pode ser rápida e fatal.
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A contaminação ocorre de maneiras distintas. A mais comum é pela ingestão de alimentos contaminados, sobretudo conservas caseiras, embutidos, enlatados estufados e mel cru. Outra forma, menos frequente, mas igualmente grave, é o botulismo por ferimentos, quando a bactéria se instala em cortes profundos ou feridas infectadas, incluindo lesões provocadas por agulhas em usuários de drogas injetáveis. Em bebês, a toxina pode se formar diretamente no intestino, causando o chamado botulismo infantil ou intestinal.
Segundo Carlos Bernardo Tauil, mestre em neurologia e doutor em ciências médicas, a intervenção médica precoce é essencial para a prevenção de sequelas. "Caso o paciente seja tratado rapidamente, é possível que não evolua com complicações. Todavia, se necessitar de cuidados em uma unidade de terapia intensiva (UTI), como intubação orotraqueal prolongada, pode desenvolver sequelas, como a polineuropatia, que é a fraqueza e a dormência nos músculos e nervos causada pelo desuso prolongado", relata.
Contraditoriamente, nem sempre a toxina da Clostridium botulinum é maléfica. Em doses mínimas e controladas, a substância é utilizada de forma segura na medicina. A versão industrializada tem uso estético, suavizando rugas de expressão, e terapêutico, no tratamento de enxaqueca crônica, espasmos musculares e suor excessivo.
O especialista em clínica médica e dor Lucas Albanaz Vargas acrescenta que a toxina botulínica usada para fins estéticos não traz riscos à saúde e casos adversos são raros, pois a dose administrada é menor do que a necessária para causar intoxicação sistêmica. Entretanto, o uso de produtos clandestinos ou a aplicação por profissionais não qualificados podem elevar o risco de efeitos adversos severos.
Diagnóstico
O diagnóstico é realizado de forma clínica, com base na suspeita do médico sobre a possível exposição à toxina, seja por ingestão de alimentos contaminados, seja por ferimentos ou fatores de risco em bebês. Exames laboratoriais podem complementar a avaliação, detectando a presença da toxina no sangue, nas fezes ou em amostras de alimentos suspeitos, mas não substituem a observação médica.
Sintomas
Os sintomas podem surgir entre seis horas e 10 dias após a exposição, no caso do botulismo alimentar, e de quatro a 21 dias, no do botulismo por ferimentos. No botulismo intestinal, comum em bebês, o período de incubação é imprevisível.
Botulismo alimentar:
— Náuseas, vômitos e diarreia.
— Visão turva ou dupla, queda de pálpebras e boca seca.
— Fraqueza muscular e dificuldade para engolir.
Botulismo por ferimentos:
— Febre pode ocorrer devido à infecção no ferimento.
— Fraqueza muscular, dificuldade para engolir e falar e comprometimento respiratório em casos graves.
Botulismo intestinal (infantil e em adultos com fatores de risco):
— Constipação inicial e dificuldade de se alimentar.
— Fraqueza muscular, choro fraco, sucção fraca, dificuldade de controlar os movimentos da cabeça.
Tratamento
O tratamento precisa começar o mais rápido possível em hospital com UTI, pois, assim, aumenta as chances de sobrevivência. Ele envolve duas frentes: suporte geral, com monitoramento do coração e da respiração, e tratamento específico, que elimina a toxina e a bactéria usando o soro antibotulínico (SAB) e, quando necessário, antibióticos. O SAB é fornecido pelo SUS mediante notificação e, antes de aplicá-lo, é preciso coletar amostras clínicas para confirmar o diagnóstico.
Prevenção
A prevenção do botulismo depende do cuidado com o preparo, o consumo e o armazenamento de alimentos, além da higiene das mãos. Evite conservas em latas estufadas, vidros danificados, vencidos ou com cheiro e aspecto alterados. O mel não deve ser dado a crianças menores de 2 anos, e o cozimento adequado dos alimentos por 10 minutos acima de 80°C elimina a toxina.
Palavra do especialista
Quais cuidados simples podem ser tomados em casa para prevenir a doença, especialmente ao manipular alimentos?
A principal forma de prevenção está relacionada ao cuidado com os alimentos. Conservas caseiras, por exemplo, só devem ser consumidas se forem preparadas em condições adequadas de higiene e esterilização. Se houver dúvida sobre o processo, é mais seguro não consumir. No dia a dia, é importante observar o estado das embalagens: latas não podem estar estufadas, enferrujadas ou amassadas. Além disso, alimentos que exigem refrigeração não devem ser deixados fora da geladeira, e o prazo de validade precisa ser respeitado. Quando esses cuidados básicos são seguidos, o risco de contaminação cai drasticamente.
Existe alguma forma simples de identificar se um alimento está contaminado antes de consumi-lo?
A toxina que causa o botulismo não muda o gosto, o cheiro ou a aparência dos alimentos, por isso não é possível perceber a contaminação apenas ao olhar ou experimentar. O que pode servir de alerta são alterações na embalagem, como latas ou vidros estufados, tampas levantadas ou que vazam líquido e conservas caseiras em que a vedação não ficou firme. Se houver qualquer dúvida ou sinal suspeito, a melhor atitude é descartar o produto. Pode parecer desperdício, mas é sempre melhor prevenir do que correr o risco de consumir algo contaminado.
Assim que os sintomas aparecem, o que é preciso fazer?
Os primeiros sintomas do botulismo, geralmente, aparecem poucas horas ou dias após a ingestão do alimento contaminado. Entre os sintomas estão visão turva ou dupla, dificuldade para engolir, fala enrolada, boca seca, sensação de fraqueza e, em casos mais graves, falta de ar. Ao perceber esses sinais, a atitude correta é procurar imediatamente um pronto-socorro ou hospital, porque o tratamento precisa ser iniciado o quanto antes com o soro antitoxina, que neutraliza a toxina e pode salvar vidas. Não adianta tentar remédios caseiros ou esperar a melhora espontânea. Manter a calma é essencial. Quanto mais rápido o atendimento médico é buscado, maior a chance de recuperação completa.
Alexandre Naime Barbosa é chefe do Departamento de Infectologia da Unesp e coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI)
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
