Comportamento

Complexo de altura: como a baixa estatura afeta a confiança masculina

Ser alto ou não, para alguns homens, pode ser um problema e tanto. Isso, sobretudo, em suas relações amorosas. Esse complexo traz baixa autoestima e dificuldade em se considerar interessante

À sombra de um ideal, muitos homens enfrentam um silencioso conflito com sua própria imagem e altura. Para alguns, a busca por centímetros a mais no corpo reflete um desejo profundo de autoestima e aceitação social, impulsionando-os a considerar uma decisão drástica e arriscada: a cirurgia de alongamento ósseo. O procedimento, que promete transformar a estatura, revela uma faceta complexa e pouco discutida da masculinidade contemporânea.

Nas redes sociais, é comum ler que homens considerados baixos são vistos, somente, como amigos. Os comentários, geralmente feitos pelas mulheres, estão em tom de brincadeira — mas nem sempre. Isso porque, de fato, essa realidade se aplica na busca ou construção de relacionamentos amorosos. Dessa forma, não importa o quão bonito um homem seja, se ele não possuir a altura julgada como a certa, a relação será apenas de amizade.

E claro que, com esse pensamento, o público masculino trava quando deseja encontrar sua cara metade, ou, até mesmo, vivenciar situações mais casuais. Dentro desse escopo, os homens se sentem menos confiantes e com a autoestima bem baixa. Em aplicativos de relacionamento, por exemplo, é possível escolher os pretendentes a partir de uma determinada altura, que, para as mulheres, é melhor acima de 1,80m.

Freepik - Homens enfrentam problemas silenciosos com a própria altura

De acordo com Fabiano de Abreu, mestre em psicologia e pós-PhD em neurociências, em média, homens mais altos são percebidos como mais dominantes em interações diárias reais e isso se conecta à associação entre altura e status observada em diferentes amostras. "No plano neural, pistas de posição hierárquica modulam circuitos de recompensa e saliência social, reforçando o vínculo entre 'tamanho percebido' e valor social", explica.

Assim, no resultado prático, a altura torna-se um atalho inferencial para poder e competência, o que impacta a autoconfiança de quem a possui ou não. Muito dessa discussão, inclusive, nasceu da recente produção Amores materialistas, em que o personagem interpretado por Pedro Pascal faz a cirurgia de alongamento ósseo. Na trama, ele cresce cerca de 15 centímetros e, dessa forma, sente-se mais confiante para interagir com as mulheres.

"Instituições e mídia cristalizam o atalho: figurinos de liderança, heróis e atletas representam perfis mais altos; no trabalho, a meta-análise indica que altura se relaciona a estima social, emergência de liderança e renda, alimentando um ciclo de expectativas e oportunidades. Essa retroalimentação perceptiva faz com que a altura funcione como sinal de competência, mesmo quando não adiciona habilidade objetiva, ampliando a autoconfiança de uns e a dúvida de outros", acrescenta.

O peso da régua

Quando notou que a própria altura seria um problema, Erick Prado, 23 anos, estava no 1° ano do ensino médio. "Comentários como: ele é bonito, tem um corpo bonito, pena que não é muito alto, começaram a rolar", recorda. De imediato, o impacto negativo veio. Hoje, o jovem mede 1,70. E enxerga como uma estatura média e normal, mesmo que outras pessoas não visualizem dessa forma. 

Sabendo que isso seria um desafio nas relações interpessoais, especialmente as amorosas, adquiriu o que chamam de short man's syndrome (ou síndrome do homem baixo, em livre tradução). "Sempre tentei compensar não ser alto, então acabei me enchendo de tatuagens, aumentando minha constância e intensidade na academia, além de sempre comprar tênis e sapatos que aumentassem levemente minha altura", conta Erick.

A partir dessa compensação, sentiu-se melhor e com menos paranoias em relação ao quanto é alto ou não. Mesmo assim, os comentários nunca pararam de existir, mesmo que com menos intensidade. Para ele, todo esse universo também é uma questão de bolha, mas vê nitidamente que há uma preferência por homens mais altos. "Acredito que essa seja a visão da maioria das mulheres", ressalta. 

Com isso, Erick decidiu investir no que podia para, de alguma forma, ter mais valor perante a sociedade. Foi para a academia, buscou ganhar dinheiro e, principalmente, quis ser um homem mais interessante e inteligente. Todavia, confirma sem pensar duas vezes: se pudesse e não fosse caro, faria a cirurgia de alongamento ósseo, sem dúvidas. Até realizou pesquisas, mas o alto valor e o pós-operatório são problemas que não quer ter que enfrentar. 

"Você basicamente tem que fazer fisioterapia por um período de seis meses a um ano. Desenvolvi muitas habilidades esportivas e tenho muito medo de perdê-las. E aí surge essa contradição — posso corrigir o fato de ser baixo, mas, em troca, corro o risco de perder aquilo que conquistei para compensar. Hoje, tenho mais carinho pelas habilidades que descobri e desenvolvi para lidar com a minha altura do que pela ideia de simplesmente ser alto", finaliza

Como funciona?

A cirurgia de alongamento ósseo aparece como uma alternativa que vem para sanar as questões que rodeiam a baixa estatura. Contudo, não é um procedimento simples, tampouco barato. Julian Machado, ortopedista e chefe da ortopedia do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e diretor científico da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia do DF (SBOT/DF), explica que a cirurgia de alongamento ósseo é considerada um procedimento de grande porte, com riscos e complicações significativos. 

Ele descreve, ainda, que o processo envolve a quebra do osso (uma fratura controlada) e a fixação de uma haste interna e aparelhos externos para guiar o crescimento do novo tecido ósseo. "Para maior estabilidade e segurança, é comum usar o fixador externo junto com uma haste intramedular (que vai dentro do osso). A haste guia o crescimento, previne desvios e permite que o paciente comece a se reabilitar e a pisar mais cedo, acelerando a recuperação", detalha.

No alongamento apenas com fixador externo, o cirurgião faz um corte no osso (tíbia ou fêmur) e usa um aparelho externo (fixador) para esticá-lo gradualmente. "Esse processo estimula a formação de um novo tecido ósseo, que se consolida com o tempo. Esse método geralmente é usado para alongar o osso até 5cm a 6cm", completa. Todavia, durante a cirurgia, podem surgir problemas como embolia e infecção. 

A cirurgia de alongamento ósseo pode, teoricamente, adicionar até 20cm à altura de uma pessoa (10cm no fêmur e 10cm na tíbia). No entanto, um ganho tão grande de altura, segundo o profissional, pode deixar o corpo desproporcional. Por isso, a avaliação de cada paciente é fundamental para determinar o quanto ele quer e pode crescer sem comprometer a proporção corporal.

Consequências psicológicas 

Wladimir Rodrigues da Fonseca, coordenador do curso de psicologia do Centro Universitário Uniceplac, afirma que a insegurança com a altura pode gerar um efeito cascata: isolamento social; dificuldades em se colocar em relacionamentos; e baixa autoestima, que evolui para quadros de ansiedade ou depressão. "Muitos desses homens relatam sentir vergonha do próprio corpo, como se estivessem sempre em desvantagem. Essa comparação constante corrói o senso de identidade e pode, sim, levar ao sofrimento psíquico severo", esclarece.

Há, inclusive, um termo mais popular do que científico na psicologia, chamado de complexo de Napoleão, não usado como diagnóstico, mas para compreender que existe uma dinâmica compensatória: quando um homem se sente menor ou inferior em algum aspecto, ele pode exagerar em outro comportamento — ser mais agressivo, autoritário, controlador. Esse mecanismo é estudado pela psicologia social e pela clínica como uma forma de defesa do ego. Mas é importante dizer: não é inevitável. "Muitos homens de baixa estatura têm autoestima saudável e não apresentam esse padrão."

O sinal de alerta, para o profissional, é quando o incômodo com a altura se torna uma obsessão: o sujeito passa a pensar nisso o tempo todo, evita fotos, deixa de sair, rejeita relacionamentos, ou entra em busca compulsiva de cirurgias e procedimentos sem conseguir se satisfazer. Isso é típico do transtorno dismórfico corporal (TDC) — uma condição séria em que a pessoa tem uma percepção distorcida de sua imagem corporal. Nesses casos, a psicoterapia, às vezes associada ao tratamento psiquiátrico, é fundamental para reconstruir uma relação mais saudável com o próprio corpo. 

 


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