Beleza

Arrependimento tardio: o preço pela busca pelos padrões de beleza

A busca por mudanças nunca foi tão grande no Brasil — e o arrependimento, também. Especialistas alertam para o impacto emocional das transformações feitas por modismo e sem preparo psicológico

O Brasil é o país que mais realiza procedimentos estéticos no mundo: foram 1,8 milhão de cirurgias plásticas e mais de 3,3 milhões de intervenções minimamente invasivas em 2023, segundo a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS). O mercado movimentou mais de US$ 425 milhões apenas no último ano e as projeções apontam para crescimento próximo de 50% até 2029.

Nas redes sociais, influenciadores e celebridades exibem rostos milimetricamente preenchidos, mandíbulas marcadas e silhuetas simétricas. A demanda cresce — mas, em silêncio, aumenta também o número de pessoas tentando desfazer o que fizeram. Entre ácido hialurônico, próteses e bioestimuladores, surge um novo capítulo da estética: o arrependimento tardio.

Casos públicos ajudam a escancarar o tema. Andressa Urach precisou ser internada após sofrer complicações com hidrogel nas pernas. MC Gui, Gretchen e Lucas Lucco voltaram atrás em harmonizações faciais que os deixaram irreconhecíveis. A influencer Bruna Griphao, ex-BBB, removeu preenchimentos e declarou que "não se via mais no espelho". A apresentadora Simony fez explante de silicone após sintomas crônicos. Do exagero à reversão, a linha entre autoestima e distorção é cada vez mais tênue.

Reprodução/Instagram - O ex-BBB Eliezer decidiu reverter a harmonização facial

O cirurgião plástico Fernando Bianco, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), confirma que existe uma lista de intervenções campeãs de frustração. "A rinoplastia está entre as mais delicadas, porque pequenas mudanças geram grande impacto emocional. O silicone em grandes volumes costuma gerar arrependimento com o tempo, e a harmonização facial exagerada, quando o rosto perde traços naturais, é hoje uma das mais desfeitas."

Segundo ele, a motivação é o que separa satisfação de desencanto. "Quem opera por necessidade funcional tende a conviver melhor com o resultado. Quem faz por pressão estética é mais vulnerável à frustração. Quando a pessoa espera que a cirurgia resolva problemas emocionais ou sociais, o risco de arrependimento é altíssimo. A maioria dos arrependimentos vem da expectativa emocional, não do resultado técnico."

Reversível, mas nem sempre sem danos

Se a cirurgia corporal ainda carrega um ar de permanência, os procedimentos faciais criaram uma falsa sensação de "faz e desfaz". Mas nem sempre é tão simples. A cirurgiã dentista Luciana Goloni, especialista em estética orofacial, relata o aumento expressivo de pacientes buscando reverter exageros. "O rosto é nossa identidade. Qualquer alteração fora da medida causa estranhamento — e, às vezes, rejeição."

Lábios e mandíbulas estão no topo dos arrependimentos. "Antes, volume era sinônimo de status. Hoje, o padrão virou a naturalidade. A paciente que quer parecer outra pessoa é a que mais se arrepende."

Para os especialistas, a discussão não é "a favor" ou "contra" os procedimentos. O ponto é a consciência. "Já recusei pacientes por perceber instabilidade emocional", afirma Bianco. "O 'não' também é cuidado." E Luciana reforça: "A harmonização precisa ser ferramenta de autoestima, não de comparação. Ninguém deveria entrar num consultório querendo copiar um rosto — deveria querer valorizar o seu."

Entre os relatos que vêm à tona, um dos mais frequentes é o de mulheres que colocaram próteses de silicone nos anos 2000 — auge da valorização de seios maiores — e hoje buscam o explante.

A nutricionista e chef de cozinha Luciana Queiroz, 49 anos, viveu exatamente esse ciclo. Colocou silicone há quase duas décadas buscando confiança. O arrependimento não veio de uma vez, foi chegando com o tempo, em forma de sintomas difíceis de ignorar. "Meu corpo começou a dar sinais: inflamações recorrentes, fadiga, alergias. Quando percebi que ele estava reagindo de dentro pra fora, entendi que havia algo em desequilíbrio."

Sem contraturas ou dores físicas diretas, ela acredita ter vivido uma reação inflamatória crônica. Ao decidir pelo explante, descreve o processo como libertador. "As coceiras sumiram, a energia voltou. Foi como recuperar meu corpo e minha identidade. A verdadeira beleza é se sentir livre e em paz com a própria imagem."

A estética que cura ou adoece

O próprio mercado começa a reagir a esse movimento de reversão. Clínicas especializadas em "detox estético" — voltadas a desfazer ou suavizar intervenções passadas — têm crescido no Brasil e no exterior. Segundo relatório da consultoria Euromonitor, termos como "natural look" e "slow beauty" lideram as buscas no setor de estética desde 2024. "Há um retorno à autenticidade, uma estética que respeita o tempo e a singularidade de cada rosto", comenta Luciana Goloni. "O que antes era esconder, agora é revelar."

Para os especialistas, a discussão não é "contra a estética". A questão é quando ela deixa de ser cuidado e vira fuga. Talvez a pergunta que mais importe não seja "o que eu quero mudar?", mas "o que eu espero sentir depois?". Como resume Luciana Queiroz, "se a motivação for estética, tudo bem — mas é preciso ouvir o corpo. O silicone me afastou de mim mesma por anos; o explante me devolveu."

*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte

 

 

 

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