A aviação comercial despeja na atmosfera 2% das emissões totais de gases de efeito estufa. Embora, percentualmente, pareça pouco, em números, é uma quantidade considerável, e vem crescendo anualmente. Em 2018, foram 905 milhões de toneladas, segundo o Instituto de Estudos Energéticos e Ambientais, nos Estados Unidos. Cinco anos antes, eram 710 milhões, passando para 860 milhões em 2017. A tendência, com o aumento mundial dessa modalidade de transporte — desacelerado, agora, devido à pandemia de covid-19 —, é que a participação do setor na poluição atmosférica continue em evolução.
Na busca pela mitigação do impacto do setor no aquecimento global, companhias aéreas e empresas públicas e privadas passaram a considerar a mistura de combustíveis feitos a partir de biomassa ao querosene tradicional, de origem fóssil. Até meados da década passada, essa era uma grande aposta, mas, nos últimos cinco anos, a ideia arrefeceu. Um dos motivos para o uso de biocombustível na aviação não ter decolado, segundo Jeong-Myeong Ha, do Centro de Pesquisa de Energia Limpa do Instituto de Ciência e Tecnologia da Coreia, é a dificuldade de produzir em massa uma substância de qualidade. Agora, ele diz ter encontrado a solução.
O cientista desenvolveu uma tecnologia que, em testes, foi capaz de produzir biocombustível a partir de resíduos da madeira. De acordo com ele, o resultado foi uma substância com características semelhantes às do querosene tradicional, com alta eficiência e baixo ponto de congelamento (algo essencial, considerando que, nas alturas, a temperatura externa chega a atingir -50ºC). No entanto, esse combustível tem estrutura diferente à do petróleo e, segundo Ha, poderia oferecer uma alternativa com melhor desempenho e, principalmente, sustentável.
Além disso, o método permitiria a fabricação do combustível limpo em grandes quantidades. O biocombustível tem como base a lignina, uma macromolécula que constitui 20% a 40% da biomassa de celulose — madeiras e gramíneas. Grandes volumes de lignina são gerados como resíduos nos processos de polpação, usados na produção de papel, explica o cientista. A pirólise da lignina (veja arte) produz um óleo que tem pouca utilidade industrial devido a sua alta viscosidade. Por esse motivo, o resíduo dessa reação é, normalmente, usado pelas fábricas de papel como combustível de baixa qualidade para abastecer caldeiras.
Método adaptado
Para garantir o aproveitamento do óleo, a equipe de pesquisadores adaptou um método da indústria petroquímica chamado hidrocracking. Trata-se de um processo no qual moléculas orgânicas complexas — nesse caso, a lignina — são quebradas em moléculas mais simples, como os hidrocarbonetos. Essa tecnologia, que depende de altas temperaturas e de um catalisador específico, normalmente é usada para transformar o petróleo bruto em um produto industrialmente viável.
“O produto final foi semelhante ao conteúdo do combustível de aviação, com um baixo ponto de congelamento em comparação à gasolina e ao diesel, e uma alta densidade de energia, sendo adequado aos combustíveis de aviação”, diz Jeong-Myeong Ha. Por ser uma tecnologia há muito tempo utilizada, com combustíveis fósseis, na indústria de petróleo e refino, isso permitiria a produção em massa do bioquerosene. “Os métodos convencionais de reação química não foram capazes de converter os grandes volumes de resíduos de lignina das fábricas de papel em combustíveis de alta qualidade, mas nossa pesquisa abriu o potencial para a produção em massa de combustíveis de aviação a partir dos resíduos de outra forma inúteis”, comemora o cientista.
Menos poluentes
“A redução das emissões de gases de efeito estufa é crítica para o futuro da indústria da aviação”, afirma Bin Yang, professor-associado de engenharia de sistemas biológicos do Laboratório de Bioprodutos, Ciências e Engenharia de Tri-Cities, nos EUA. O cientista, que não tem relação com a equipe coreana, também estuda o uso da lignina na composição de bioquerosene. O projeto liderado por Yang faz testes de viabilidade de moléculas conhecidas como mono, di e tricicloparafinas, obtidas a partir dessa macromolécula. “Com esses testes, não só estamos vendo uma eficiência aumentada, mas, também, uma queda nas emissões, durante a produção”, conta.
Atualmente, a equipe de Yang trabalha com testes em três variações da lignina para identificar qual é a mais eficiente e prática para compor um bioquerosene 100% verde. “Com recursos adicionais, podemos continuar os testes e, potencialmente, desenvolver um combustível que inaugure o futuro das viagens aéreas sustentáveis”, aposta.
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