Olhos em um chip

Pesquisadores incorporam inteligência artificial a um dispositivo micrométrico para estudar alterações nos vasos sanguíneos que podem levar pacientes à cegueira. Eles esperam usar a plataforma na avaliação de outras doenças

Paloma Oliveto
postado em 04/04/2021 20:39
 (crédito: NTU Singapore/Divulgação)
(crédito: NTU Singapore/Divulgação)

Apesar dos rápidos avanços nas tecnologias de imagem na área da oftalmologia, como a análise fotográfica da retina e a tomografia de coerência óptica, ainda não é possível observar, em tempo real, alguns processos biológicos que, despercebidos, podem acarretar danos irreparáveis à visão. É o caso da formação de coágulos ou de microaneurismas nos vasos sanguíneos que irrigam os olhos. Para aprender mais sobre como essas doenças progridem, os cientistas utilizam os chamados dispositivos microfluídicos. Trata-se de chips feitos de materiais diversos, como silicone ou vidro, com microcanais, por onde correm os fluidos a serem analisados. O objetivo é imitar as condiçõs fisiológicas de um órgão, para poder estudá-lo em escala micrométrica.

No caso das doenças vasculares oculares, os métodos existentes, porém, não permitem uma avaliação precisa das características do fluxo sanguíneo, especialmente em vasos com geometrias complexas, como um microaneurisma no olho. Agora, uma equipe internacional de cientistas da Universidade Tecnológica de Nanyang, em Singapura, da Universidade de Brown e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos, desenvolveu uma plataforma de inteligência artificial (IA) que poderá, no futuro, ser usada em um sistema para avaliar doenças vasculares, que são caracterizadas pela condição anormal dos vasos sanguíneos.

A plataforma alimentada por IA combina aprendizado de máquina e um novo chip microfluídico com análise de imagens de vídeo 2D do fluxo sanguíneo, além da aplicação de leis físicas para inferir como o sangue flui tridimensionalmente. Em testes, o sistema previu com precisão as características do fluxo sanguíneo, como velocidade, pressão e tensão de cisalhamento (tensão exercida pelo fluxo sanguíneo na parede do vaso).

Suporte

Segundo os autores, a capacidade de determinar essas características com precisão pode ser um suporte crítico para os médicos na detecção e no rastreamento da progressão de doenças vasculares, uma vez que as anormalidades que a plataforma pode detectar — como uma mudança abrupta na velocidade ou na tensão de cisalhamento — podem indicar a presença ou progressão de enfermidades como a retinopatia, condição que afeta os vasos da retina. A plataforma foi descrita na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas) dos Estados Unidos na semana passada.

Para validá-la, os cientistas a testaram em microaneurismas simulados do olho, usando um chip microfluídico extremamente pequeno. Os microaneurismas são protuberâncias nos vasos sanguíneos em microescala que ocorrem no olho de pacientes de diabetes e são os primeiros sinais de retinopatia diabética. A doença é a principal causa global de perda de visão e cegueira em adultos que sofrem do distúrbio metabólico.

Uma amostra de sangue de 20 microlitros — cerca de meia gota — foi adicionada ao chip, enquanto uma câmera de alta velocidade capturava imagens do plasma movendo-se através dos microcanais. Os cientistas descobriram que a plataforma de inteligência artificial previu as características do fluxo sanguíneo — como velocidade, pressão e estresse exercido pela movimentação do sangue na parede dos vasos — em microaneurismas pequenos, intermediários e grandes, com mais precisão e eficiência do que os métodos computacionais existentes.

Monitoramento

“Atualmente, medir a mecânica do fluxo sanguíneo nos vasos sanguíneos pequenos requer equipamentos sofisticados e pessoal treinado”, comenta Subra Suresh, autor sênior do estudo e professor da Universidade Tecnológica de Nanyang. “Nossa tecnologia de IA integra imagens, dados experimentais e a física subjacente. Assim, conseguimos analisar com facilidade e precisão a lesão vascular e o estágio da doença, a partir da microcirculação do fluxo sanguíeno. Com essa plataforma, agora podemos obter importantes informações mecânicas e aprender mais sobre os mecanismos de evolução da doença, o que era muito difícil, antes.”

A equipe acredita que a tecnologia pode se tornar uma ferramenta importante no diagnóstico e monitoramento de microaneurismas a partir de imagens obtidas de eventos reais. Os cientistas destacam que o método tem potencial de ser combinado com dispositivos microfluídicos que simulam distúrbios diversos envolvendo vasos sanguíneos para monitorar outras doenças vasculares. “Nosso objetivo final é usar a plataforma em ambientes clínicos para diagnóstico e prognóstico de retinopatia diabética, bem como de outras doenças que envolvem anormalidades no fluxo sanguíneo”, conta George Karniadakis, coautor do estudo e professor de Engenharia e Matemática Aplicada na Universidade de Brown.

 

 

 

 

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Exame de sangue


A combinação de inteligência artificial e chip microfluídico também foi usada por pesquisadores do Instituto de Ciências da Índia para desenvolver uma ferramenta que estima níveis de hemoglobina, um parâmetro bioquímico importante, que pode indicar uma série de condições médicas, incluindo anemia e fibrose pulmonar. Além de medir a hemoglobina no sangue, uma configuração semelhante com pequenas modificações pode ser usada para descobrir as taxas de proteína, colesterol e glicose, entre outros, disseram os autores. De acordo com eles, a plataforma permitirá realizar testes mais rápidos e com um custo menor.

Adesivo diganostica anomalia rara

 (crédito: Northwestern University/University of Hawai/Divulgação)
crédito: Northwestern University/University of Hawai/Divulgação


Uma equipe de pesquisa liderada pela Universidade de Northwestern, nos EUA, desenvolveu um adesivo que, na pele, absorve o suor e muda de cor para fornecer um diagnóstico preciso e de fácil leitura da fibrose cística em minutos. Essa doença genética rara é grave. Para bons prognósticos, é preciso detectá-la precocemente: como ela ataca o sistema digestivo, os pacientes podem ficar severamente desnutridos se não receberem tratamento logo após o nascimento.

Embora a medição dos níveis de cloreto no suor para diagnosticar a fibrose cística seja padrão, o “adesivo de suor” macio, flexível e parecido com a pele é muito mais simples de usar que as tecnologias atuais, que exigem um dispositivo rígido e volumoso. Em estudos com pacientes e voluntários saudáveis, o adesivo mostrou desempenho e precisão equivalente às plataformas tradicionais. Os resultados da pesquisa foram publicados na capa da revista Science Translational Medicine.

Ao aderir suavemente ao corpo, o adesivo com milímetros de espessura faz contato direto, mas suave, com a pele, sem machucá-la. Isso não apenas o torna mais confortável e imperceptível para o usuário, mas permite coletar 33% mais suor do que os métodos clínicos atuais.

O adesivo também tem sensores colorimétricos integrados que detectam, medem e analisam a concentração de cloreto em tempo real, usando uma câmera de smartphone, o que evita a necessidade de equipamentos de laboratório caros e tempos de espera excruciantes. Isso abre possibilidades para testes fora de casa, o que poderia fornecer alívio aos pais em áreas rurais ou de poucos recursos, sem acesso a centros clínicos com ferramentas diagnósticas especializadas, argumentam os autores.

Descartável

“Muitos laboratórios encontraram problemas causados pelos métodos de coleta atuais”, diz Shannon Haymond, coautora do estudo e vice-presidente de biologia computacional da Lurie Children’s, clínica do Hospital Universitário da Northwestern. “Achei que os sensores de pele flexíveis poderiam simplificar o processo e melhorar os resultados da coleta. E, como os adesivos de suor são descartáveis e projetados para uso único, eles têm a vantagem adicional de prevenir infecções.”

Ela afirma que os usuários podem tirar uma foto do adesivo cheio de suor e transmiti-lo sem fio a uma clínica para uma análise rápida, aliviando os atrasos no diagnóstico e permitindo que os pacientes comecem o tratamento o mais rápido possível. “Reagentes no dispositivo causam uma mudança na cor que se correlaciona com o nível de concentração de cloreto”, explica. A alteração nesses níveis rastreia a doença, facilitando o diganóstico preciso e precoce, conclui.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação