Em países com clima quente, como o Brasil, o uso do ar-condicionado é recorrente, apesar do gasto energético e do preço alto dos equipamentos. Para reduzir a demanda por esse tipo de aparelho, pesquisadores dos Estados Unidos desenvolveram uma tinta ultrabranca que consegue deixar as superfícies mais frias. O produto inovador tem como matéria-prima o sulfato de bário, um elemento químico presente em cosméticos e papéis fotográficos e que, nessa nova aplicação, é usado em forma de nanopartículas. O projeto foi apresentado na última edição da revista especializada ACS Applied Materials & Interfaces.
A busca dos cientistas por uma tinta ultrabranca teve início há seis anos. Durante a jornada, eles testaram mais de 100 materiais, sendo que, nos últimos dois anos, focaram em 10. Após testes com 50 fórmulas distintas, em outubro último, a equipe chegou à receita “quase perfeita”, que tinha como base o carbonato de cálcio, um composto encontrado facilmente na terra, principalmente em rochas.
“Utilizando esse elemento, chegamos a 95,5% da luz solar refletida. Ficamos felizes, mas ainda insatisfeitos. A partir daí, partimos para o nosso projeto atual”, relata, em comunicado, Xiulin Ruan, professor do curso de engenharia mecânica da Universidade de Purdue, nos Estados Unidos, e um dos autores do estudo.
Na tentativa de um resultado ainda mais positivo, os pesquisadores escolheram o sulfato de bário. “Analisamos vários produtos comerciais, basicamente qualquer coisa branca”, brinca Xiangyu Li, pesquisador de pós-doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e também autor do estudo. “Descobrimos que, usando o sulfato de bário, chegávamos a um produto final muito mais branco que todos os testados anteriormente. Com isso, atingíamos também a uma reflexão da luz solar ainda mais alta”, detalha.
Os cientistas também conseguiram aumentar o poder de reflexão da luz solar da nova tinta usando partículas do produto químico com tamanhos variados. “Isso dá à tinta a mais ampla dispersão espectral, o que contribui para uma reflexão maior”, explica Joseph Peoples, pesquisador na Universidade de Purdue e autor do estudo. A equipe contou com a ajuda da nanotecnologia para fazer os ajustes e chegar à “receita ideal” sem prejudicar a qualidade da tinta. “Embora uma concentração de partículas mais alta seja melhor para fazer algo mais branco, você não pode aumentar muito a concentração. Quanto maior, mais fácil será para a tinta quebrar ou descascar”, detalha Li.
Em testes finais, os pesquisadores usaram equipamentos de leitura de temperatura de alta precisão, chamados termopares, e observaram que, durante a noite, a tinta consegue manter as superfícies em que está 7°C mais frias do que o ambiente. “Se você usa essa tinta para cobrir uma área de telhado de cerca de 300 metros, pode obter uma potência de resfriamento de 10 quilowatts. É algo mais potente do que os condicionadores usados na maioria das casas”, estima Xiulin Ruan.
Alguns tipos de tinta branca comercial podem deixar o ambiente até mais quente, e mesmo as tintas já existentes no mercado projetadas para “rejeitar” o calor refletem entre 80% e 90% da luz solar, segundo os cientistas. Essas taxas não são suficientes para tornar as superfícies mais frias do que o ambiente. A tinta ultrabranca, por sua vez, reflete até 98,1% da luz solar. Os pesquisadores acreditam que esse nível de brancura pode ser o equivalente mais próximo ao revestimento “preto mais preto”, conhecido como vantablack, que absorve até 99,9% da luz visível (Leia Para saber mais).
Outra vantagem do novo produto é que a técnica usada para a sua fabricação é bastante compatível com o processo de tintas comerciais, o que pode facilitar a comercialização do novo revestimento. Ainda assim, os criadores ponderam que mais análises precisam ser feitas para aperfeiçoar a tecnologia.
Obstáculos
Rogério Machado, professor de química da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, avalia que a estratégia usada no desenvolvimento da tinta ultrabranca é extremamente inteligente, mas acredita que algumas características do elemento químico usado pelo grupo podem influenciar a produção a nível industrial. “O sulfato de bário é uma espécie de sal químico extremamente branco, mas que pode ser tóxico para humanos. Ele é o que definimos como um metal pesado, algo que é maléfico à saúde e, por isso, exige um cuidado para ser manuseado. No caso desse tipo de uso, para pintar paredes, já é mais tranquilo. Por ser uma tinta, é pouco provável que alguém consuma”, explica.
Segundo o especialista, o uso da nanotecnologia foi essencial para conseguir o resultado obtido. “As nanopartículas desse elemento químico fizeram toda a diferença para que a luz fosse refletida a níveis tão altos. Pode ser um pouco trabalhoso repetir o mesmo feito em grande escala, durante uma fabricação comercial, mas é possível, principalmente se houver um grande interesse”, opina.
O professor pontua ainda que os benefícios gerados ao meio ambiente ao poupar o uso de ar-condicionado merecem destaque. “Sabemos que esse tipo de aparelho funciona com base no gás refrigerante, que, quando vaza, vai direto para a camada de ozônio, a barreira que nos protege da radiação solar. Ter formas de evitar que esses elementos sejam usados vai nos ajudar a poupar o planeta, o que é algo muito positivo”, justifica Rogério Machado.
Para saber mais
Pintura à baixa pressão
O vantablack é um revestimento, desenvolvido pelo Laboratório Nacional de Física do Reino Unido, em 2006, que consegue absorver até 99,96% da luz que incide sobre ele. Ao contrário das tintas e dos pigmentos, utiliza apenas nanotubos de carbono puro, e a forma como é aplicado nas superfícies é essencial para garantir o seu funcionamento. Para revestir algum objeto com o vantablack, utiliza-se a técnica chamada deposição de vapor químico, que consiste no uso de uma câmara de baixa pressão em que o material é exposto a uma temperatura de 400 °C para que o carbono se fixe na superfície. A cor extremamente preta e o arranjo dos nanotubos do vantablack fazem com que a luz que atinge o material fique presa. Ele é usado principalmente na área de projetos espaciais, na aviação e também é testado por fábricas automotivas.
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