Meio ambiente

Peça-chave da eletrônica ganha versão 100% reciclável

Cientistas estadunidenses criam um transistor 100% reaproveitável e impresso em 3D com tintas à base de carbono. A expectativa do grupo é de que o novo produto ajude a turbinar a fabricação de dispositivos elétricos mais sustentáveis

Paloma Oliveto
postado em 03/05/2021 06:00
 (crédito: Duke University/Divulgação)
(crédito: Duke University/Divulgação)

A cada ano, a quantidade de dispositivos elétricos e eletrônicos produzidos no mundo aumenta 2,5 milhões de toneladas. São smartphones, brinquedos, eletrodomésticos, computadores e uma infinidade de equipamentos que, em algum momento, serão descartados, aumentando a gigantesca pilha de lixo eletrônico. Apenas em 2019, 53,6 milhões de toneladas — ou 7,3kg por habitante — de aparelhos e componentes foram descartados. Um problema crescente que, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), chegará a 74,7 milhões de toneladas em 2030. Mas um estudo da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, pode ajudar a mudar essa realidade.

Atualmente, pouco desse lixo é reciclado: cerca de 20%. Mais difícil ainda é reaproveitar um componente essencial dos eletrônicos: o transistor. Esse dispositivo é usado em circuitos eletrônicos e em chips de computadores (incluindo smartphones). Cada equipamento contém bilhões deles. Por exemplo, um chip de um telefone de última geração chega a abrigar 30 bilhões de transistores. Como são feitos de silício, um material não reciclável, peças compostas por eles tornam-se um lixo para o qual não existe paradeiro.

Uma solução para o problema foi proposta em um artigo publicado na revista Nature Eletronics. Engenheiros da Universidade de Duke descreveram a criação de um transistor impresso em 3D feito com tintas à base de carbono, 100% reciclável. Embora ainda longe de estar pronta para uma produção em escala industrial, a técnica abre a perspectiva da produção de equipamentos sustentáveis, o que ajudará na redução da montanha de lixo eletrônico.

“Os componentes de computador baseados em silício provavelmente nunca desaparecerão, e não esperamos que eletrônicos facilmente recicláveis, como os nossos, substituam a tecnologia e os dispositivos que já são amplamente usados”, reconhece Aaron Franklin, professor de Engenharia Elétrica e de Computação da Duke. “Mas esperamos que, ao criar produtos eletrônicos totalmente recicláveis e facilmente impressos e mostrar o que eles podem fazer, esses dispositivos possam se tornar amplamente usados em aplicações futuras.”

Nanocelulose


No novo estudo, Franklin e os colegas do laboratório demonstraram um transistor totalmente reciclável e funcional. As três tintas à base de carbono que o compõem podem ser facilmente impressas em papel ou em outras superfícies flexíveis e ecologicamente corretas. Nanotubos de carbono e tintas de grafeno são usados para os semicondutores e os condutores, respectivamente. Embora esses materiais não sejam novos no mundo da eletrônica impressa, diz Franklin, o caminho para a reciclabilidade foi aberto com o desenvolvimento de uma tinta dielétrica isolante, derivada de madeira, chamada nanocelulose.

“A nanocelulose é biodegradável e tem sido usada em aplicações, como embalagens, há anos”, diz. “Embora as pessoas já conheçam há muito tempo suas aplicações potenciais como isolantes eletrônicos, ninguém ainda descobriu como usá-la em uma tinta para impressão. Esse é um dos segredos para tornar funcionais esses dispositivos totalmente recicláveis.”

Os pesquisadores desenvolveram um método para suspender cristais de nanocelulose extraídos de fibras de madeira que, com a borrifação de um pouco de sal de cozinha, produz uma tinta que funciona como isolante em seus transistores impressos. Usando as três tintas em uma impressora a jato de aerossol em temperatura ambiente, a equipe mostrou que os transistores, totalmente de carbono, funcionam bem o suficiente para uso em uma ampla variedade de aplicações, mesmo seis meses após a impressão inicial.

Rendimento preservado


Em seguida, os pesquisadores demonstraram quão reciclável é o design do transistor. Submergindo os dispositivos em uma série de banhos, vibrando-os suavemente com ondas sonoras e centrifugando a solução resultante, os nanotubos de carbono e o grafeno são recuperados sequencialmente com um rendimento médio de quase 100%. Ambos os materiais podem ser reutilizados no mesmo processo de impressão, perdendo muito pouco da viabilidade de desempenho. Como a nanocelulose é feita de madeira, ela pode ser reciclada com o papel em que foi impressa.

Franklin explica que, demonstrando o primeiro transistor totalmente reciclável, a expectativa é de dar um primeiro passo em direção à tecnologia que está sendo buscada comercialmente para dispositivos simples. Por exemplo, o pesquisador diz que pode imaginá-la sendo usada em um grande edifício que precisa de milhares de sensores ambientais simples para monitorar o uso de energia. Ou, ainda, adesivos de biossensores personalizados para rastrear condições médicas.

“De forma alguma, eletrônicos recicláveis, como esse, vão substituir uma indústria inteira de meio trilhão de dólares, e, certamente, não estamos nem perto de imprimir processadores de computador recicláveis”, admite Franklin. “Mas demonstrar esses novos materiais e sua funcionalidade é, esperançosamente, um trampolim na direção certa para um novo tipo de ciclo de vida de eletrônicos.”

Palavra de especialista

Pressão ambiental

“As quantidades de lixo eletrônico estão aumentando três vezes mais rápido do que a população mundial e 13% mais rápido do que o PIB (Produto Interno Bruto) mundial durante os últimos cinco anos. Esse aumento acentuado cria pressões ambientais e de saúde substanciais, além de demonstrar a urgência de combinar a quarta revolução industrial com estratégias inovadoras e sustentáveis. Caso contrário, representará o colapso dos recursos naturais.”

Antonios Mavropoulos, ex-presidente da Associação Internacional de Resíduos Sólidos

 

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