Peça-chave da eletrônica ganha versão reciclável

Cientistas estadunidenses criam um transistor 100% reaproveitável e impresso em 3D com tintas à base de carbono. A expectativa do grupo é de que o novo produto ajude a turbinar a fabricação de dispositivos elétricos mais sustentáveis

Paloma Oliveto
postado em 02/05/2021 22:06
 (crédito: Duke University/Divulgação)
(crédito: Duke University/Divulgação)

A cada ano, a quantidade de dispositivos elétricos e eletrônicos produzidos no mundo aumenta 2,5 milhões de toneladas. São smartphones, brinquedos, eletrodomésticos, computadores e uma infinidade de equipamentos que, em algum momento, serão descartados, aumentando a gigantesca pilha de lixo eletrônico. Apenas em 2019, 53,6 milhões de toneladas — ou 7,3kg por habitante — de aparelhos e componentes foram descartados. Um problema crescente que, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), chegará a 74,7 milhões de toneladas em 2030. Mas um estudo da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, pode ajudar a mudar essa realidade.

Atualmente, pouco desse lixo é reciclado: cerca de 20%. Mais difícil ainda é reaproveitar um componente essencial dos eletrônicos: o transistor. Esse dispositivo é usado em circuitos eletrônicos e em chips de computadores (incluindo smartphones). Cada equipamento contém bilhões deles. Por exemplo, um chip de um telefone de última geração chega a abrigar 30 bilhões de transistores. Como são feitos de silício, um material não reciclável, peças compostas por eles tornam-se um lixo para o qual não existe paradeiro.

Uma solução para o problema foi proposta em um artigo publicado na revista Nature Eletronics. Engenheiros da Universidade de Duke descreveram a criação de um transistor impresso em 3D feito com tintas à base de carbono, 100% reciclável. Embora ainda longe de estar pronta para uma produção em escala industrial, a técnica abre a perspectiva da produção de equipamentos sustentáveis, o que ajudará na redução da montanha de lixo eletrônico.

“Os componentes de computador baseados em silício provavelmente nunca desaparecerão, e não esperamos que eletrônicos facilmente recicláveis, como os nossos, substituam a tecnologia e os dispositivos que já são amplamente usados”, reconhece Aaron Franklin, professor de Engenharia Elétrica e de Computação da Duke. “Mas esperamos que, ao criar produtos eletrônicos totalmente recicláveis e facilmente impressos e mostrar o que eles podem fazer, esses dispositivos possam se tornar amplamente usados em aplicações futuras.”

Nanocelulose
No novo estudo, Franklin e os colegas do laboratório demonstraram um transistor totalmente reciclável e funcional. As três tintas à base de carbono que o compõem podem ser facilmente impressas em papel ou em outras superfícies flexíveis e ecologicamente corretas. Nanotubos de carbono e tintas de grafeno são usados para os semicondutores e os condutores, respectivamente. Embora esses materiais não sejam novos no mundo da eletrônica impressa, diz Franklin, o caminho para a reciclabilidade foi aberto com o desenvolvimento de uma tinta dielétrica isolante, derivada de madeira, chamada nanocelulose.

“A nanocelulose é biodegradável e tem sido usada em aplicações, como embalagens, há anos”, diz. “Embora as pessoas já conheçam há muito tempo suas aplicações potenciais como isolantes eletrônicos, ninguém ainda descobriu como usá-la em uma tinta para impressão. Esse é um dos segredos para tornar funcionais esses dispositivos totalmente recicláveis.”

Os pesquisadores desenvolveram um método para suspender cristais de nanocelulose extraídos de fibras de madeira que, com a borrifação de um pouco de sal de cozinha, produz uma tinta que funciona como isolante em seus transistores impressos. Usando as três tintas em uma impressora a jato de aerossol em temperatura ambiente, a equipe mostrou que os transistores, totalmente de carbono, funcionam bem o suficiente para uso em uma ampla variedade de aplicações, mesmo seis meses após a impressão inicial.

Rendimento preservado
Em seguida, os pesquisadores demonstraram quão reciclável é o design do transistor. Submergindo os dispositivos em uma série de banhos, vibrando-os suavemente com ondas sonoras e centrifugando a solução resultante, os nanotubos de carbono e o grafeno são recuperados sequencialmente com um rendimento médio de quase 100%. Ambos os materiais podem ser reutilizados no mesmo processo de impressão, perdendo muito pouco da viabilidade de desempenho. Como a nanocelulose é feita de madeira, ela pode ser reciclada com o papel em que foi impressa.

Franklin explica que, demonstrando o primeiro transistor totalmente reciclável, a expectativa é de dar um primeiro passo em direção à tecnologia que está sendo buscada comercialmente para dispositivos simples. Por exemplo, o pesquisador diz que pode imaginá-la sendo usada em um grande edifício que precisa de milhares de sensores ambientais simples para monitorar o uso de energia. Ou, ainda, adesivos de biossensores personalizados para rastrear condições médicas.

“De forma alguma, eletrônicos recicláveis, como esse, vão substituir uma indústria inteira de meio trilhão de dólares, e, certamente, não estamos nem perto de imprimir processadores de computador recicláveis”, admite Franklin. “Mas demonstrar esses novos materiais e sua funcionalidade é, esperançosamente, um trampolim na direção certa para um novo tipo de ciclo de vida de eletrônicos.”

Palavra de especialista

Pressão ambiental

“As quantidades de lixo eletrônico estão aumentando três vezes mais rápido do que a população mundial e 13% mais rápido do que o PIB (Produto Interno Bruto) mundial durante os últimos cinco anos. Esse aumento acentuado cria pressões ambientais e de saúde substanciais, além de demonstrar a urgência de combinar a quarta revolução industrial com estratégias inovadoras e sustentáveis. Caso contrário, representará o colapso dos recursos naturais.”

Antonios Mavropoulos, ex-presidente da Associação Internacional de Resíduos Sólidos


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Circuitos sob condições extremas

 (crédito: Handout /AFP - 22/2/21)
crédito: Handout /AFP - 22/2/21

A tecnologia de ponta do futuro próximo precisará de eletrônicos que possam tolerar condições extremas. Pensando nisso, um grupo de pesquisadores liderado por Jason Nicholas, da Universidade Estadual de Michigan, nos EUA, desenvolveu circuitos de prata mais resistentes ao calor, com a ajuda do níquel. A equipe descreveu o trabalho na revista Scripta Materialia.

Os tipos de dispositivos que a equipe está trabalhando — células de combustível de próxima geração, semicondutores de alta temperatura e células de eletrólise de óxido sólido — podem ter aplicações nas indústrias automotiva, energética e aeroespacial. Embora tão cedo não será possível comprá-las, os pesquisadores já estão fabricando as peças em laboratórios para testar a aplicabilidade no mundo real e até mesmo em outros planetas.

Por exemplo, a Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) desenvolveu uma célula de eletrólise de óxido sólido que permitiu ao Mars 2020 Perseverance produzir oxigênio na atmosfera marciana, em 22 de abril. A Nasa espera que esse protótipo, um dia, leve a um equipamento que permita aos astronautas criarem combustível para foguetes e ar respirável enquanto estiverem em Marte.

“Para ajudar esses protótipos a se tornarem produtos comerciais, no entanto, eles precisarão manter seu desempenho em altas temperaturas por longos períodos de tempo”, diz Nicholas, professor-associado da Faculdade de Engenharia. Ele foi atraído para essa área depois de anos usando células a combustível de óxido sólido, que criam energia a partir de gases e combustíveis. “Essas células funcionam com gases em alta temperatura. Somos capazes de reagir eletroquimicamente a eles para obter eletricidade, e esse processo é muito mais eficiente do que a explosão de combustível como um motor de combustão interna faz”, explica o cientista, que lidera um laboratório do Departamento de Engenharia Química e Ciência dos Materiais.

800ºC
Mas mesmo sem explosões, a célula de combustível precisa resistir a condições de trabalho intensas. “Esses dispositivos, normalmente, operam em torno de 700ºC a 800ºC graus e têm que fazer isso por um longo tempo, cerca de 40 mil horas. Isso é quase o dobro da temperatura de um forno de pizza comercial, e, ao longo da vida útil, ele está termicamente ciclando — resfriando e aquecendo de novo. É um ambiente muito extremo. Você pode fazer com que os fios do circuito se soltem”, continua.

Portanto, um dos obstáculos enfrentados por essa tecnologia avançada é bastante rudimentar: o circuito condutor, geralmente feito de prata, precisa aderir melhor aos componentes cerâmicos subjacentes. O segredo para melhorar a adesão, descobriram os pesquisadores, era adicionar uma camada intermediária de níquel poroso entre a prata e a cerâmica. Ao realizar experimentos e simulações em computador de como os materiais interagem, a equipe otimizou a forma como o níquel é depositado na cerâmica E, para criar as camadas finas e porosas de níquel na cerâmica em um padrão ou desenho de sua escolha, eles apostaram na serigrafia. “É a mesma usada para fazer camisetas”, diz Nicholas.

“Para ajudar esses protótipos a se tornarem produtos comerciais, no entanto, eles precisarão manter seu desempenho em altas temperaturas por longos períodos de tempo”

Jason Nicholas, professor-associado da Universidade Estadual de Michigan

 

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