Pedaços de cerâmica deixados para trás por sociedades antigas costumam desafiar cientistas. Nem sempre é simples determinar a origem e o estilo desses cacos históricos. Arqueólogos da Northern Arizona University, nos Estados Unidos, desenvolvem uma tecnologia que pode revolucionar a maneira como se monta esses quebra-cabeças. Usando uma forma de aprendizado de máquina conhecida como redes neurais convolucionais (CNNs), eles criaram um método computadorizado que classifica milhares de designs de cerâmicas em várias categorias estilísticas de forma rápida e consistente.
Uma das principais vantagens da ferramenta é a agilidade, segundo os criadores. “Agora, usando fotografias digitais de cerâmica, os computadores podem realizar, em uma fração do tempo e com maior consistência, o que costumava envolver centenas de horas de trabalho tedioso e extenuante de arqueólogos. Eles têm que separar fisicamente pedaços de cerâmica quebrada em grupos”, explica, em comunicado, Leszek Pawlowicz, professor adjunto do Departamento de Antropologia da instituição estadunidense.
Hoje, um cientista pode levar meses para dominar e aplicar corretamente as categorias de design a pequenos pedaços de um antigo pote quebrado. Outro problema é que o resultado do trabalho nem sempre é bem acatado — arqueólogos frequentemente discordam sobre qual tipo é representado por um fragmento e podem achar difícil expressar seu processo de tomada de decisão em palavras.
Pawlowicz e o professor de antropologia Chris Downum começaram, em 2016, a pesquisar a viabilidade de usar um computador para facilitar esse processo. A dupla partiu do princípio de que se as CNNs podem ser usadas para identificar coisas como raças de cães e produtos de que um consumidor pode gostar, por que não aplicar essa abordagem à análise de cerâmicas antigas? Os resultados do trabalho foram revisados por pares e serão publicados na edição de junho do Journal of Archaeological Science.
Os cientistas reuniram milhares de fotos de fragmentos de cerâmica que tinham um conjunto específico de características de identificação conhecido como Tusayan White Ware. Esse estilo é comum em grande parte do Arizona e estados americanos próximos. A dupla, então, recrutou quatro dos maiores especialistas em cerâmica do sudoeste do país para identificar o tipo de design de cerâmica de cada caco e criar um “conjunto de treinamento” de cacos com o qual a máquina pudesse aprender. Por fim, treinou o computador para aprender os tipos de cerâmica se concentrando nos espécimes com os quais os arqueólogos haviam dado a mesma classificação.
As respostas surpreenderam os cientistas. “Os resultados foram notáveis. Em um período de tempo relativamente curto, o computador se treinou para identificar a cerâmica com uma precisão comparável e, às vezes, melhor do que a dos especialistas humanos”, relata Pawlowicz. Para os quatro arqueólogos com décadas de experiência separando fragmentos de cerâmicas reais, a máquina superou dois e foi comparável com os outros dois.
O que impressionou ainda mais a dupla de cientistas foi que o método computadorizado conseguiu vencer uma dificuldade ainda maior entre os arqueólogos: descrever por que tomou as decisões de classificação. Usando mapas de calor codificados por cores de fragmentos, a solução apontou as características de design que usou para tomar as decisões de catalogação, fornecendo, assim, um registro visual de seus “pensamentos”.
Semelhanças regionais
Chris Downum conta que também chamou a atenção a capacidade do computador de, a partir de um caco, encontrar correspondências quase exatas de fragmentos específicos de desenhos. “Usando medidas de similaridade, a máquina foi capaz de pesquisar milhares de imagens para encontrar a contraparte mais semelhante de um design de cerâmica individual”, diz. Isso pode ajudar, por exemplo, a, em um antigo depósito de lixo, encontrar pedaços espalhados de um único pote entre uma infinidade de fragmentos semelhantes.
Há ainda a possibilidade de fazer uma análise regional de semelhanças e diferenças estilísticas considerando o trabalho de várias comunidades antigas. “Esses cacos fornecem aos arqueólogos informações críticas sobre a época em que um local foi ocupado, o grupo cultural com o qual foi associado e outros grupos com os quais interagiram”, complementa Downum.
O trabalho da dupla está recebendo muitos elogios. “Espero, fervorosamente, que os arqueólogos do sudoeste adotem essa abordagem e o façam rapidamente. Faz muito sentido”, diz Stephen Plog, professor emérito de arqueologia da Universidade da Virgínia. O também autor do livro Stylistic variation in prehistoric ceramics (Variação estilística na cerâmica pré-histórica, em tradução livre) avalia que é o momento de surgirem novos avanços na análise desse tipo de material histórico. “Aprendemos muito com o sistema antigo, mas ele durou muito além de sua utilidade, e é hora de transformar a forma como analisamos projetos de cerâmica.”
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Banheiro inteligente pode facilitar exames médicos
A inteligência artificial poderá transformar os banheiros comuns em uma espécie de laboratório de exames clínicos. Cientistas da Duke University, nos Estados Unidos, apostam em um algoritmo de aprendizado para desenvolver uma ferramenta que facilite o rastreamento e o gerenciamento de complicações gastrointestinais. “A tecnologia Smart Toilet nos permitirá coletar as informações de longo prazo necessárias para tornar mais preciso o diagnóstico de problemas gastrointestinais crônicos”, afirma Deborah Fisher, professora-associada de medicina da instituição estadunidense e uma das criadoras da solução, que será apresentada na edição deste ano do Digestive Disease Week.
Fisher conta que, normalmente, para ajudar a determinar a causa dessas complicações, os médicos dependem de informações relatadas pelo próprio paciente, e elas nem sempre correspondem à realidade. “As pessoas, muitas vezes, não conseguem lembrar a aparência das fezes ou com que frequência evacuam, o que faz parte do processo de monitoramento padrão”, ilustra.
A nova tecnologia pode ser adaptada nas tubulações de banheiros simples, como o da casa de um paciente. Sempre que ele evacuar e der descarga, será tirada uma imagem das fezes dentro dos canos. Ao longo do tempo, os dados coletados fornecerão ao gastroenterologista informações de relevância médica, como a presença de sangue. “É algo que pode ser instalado nos canos dos vasos sanitários e não exige que o paciente faça nada além de dar descarga”, diz Sonia Grego, pesquisadora-chefe do estudo.
Aplicações
Para desenvolver o banheiro inteligente, a equipe analisou 3.328 imagens de fezes, que foram revisadas por gastroenterologistas conforme a Bristol Stool Scale, uma ferramenta clínica comum para classificar esse material. Em testes, o protótipo do dispositivo, baseado em um algoritmo de aprendizado avançado, classificou, com precisão, a forma das fezes em 85,1%. No caso da detecção de sangue bruto, a taxa foi de 76,3%.
A equipe trabalha, agora, em melhorias na acurácia do dispositivo e na possibilidade de ele fazer análise de marcadores bioquímicos dos excrementos, o que ampliaria o monitoramento de doenças. “Uma crise de doença inflamatória intestinal pode ser acusada com o banheiro inteligente, e a resposta dos pacientes ao tratamento, monitorada com a mesma tecnologia.”
Sonia Grego indica ainda a possibilidade de a solução ser usada em outras instalações. “Ela pode ser especialmente útil para pacientes que vivem em instituições de cuidados de longo prazo, que podem não ser capazes de relatar suas condições”, ilustra.