INOVAÇÃO

Cientistas desenvolvem baterias automotivas mais ecológicas e eficientes

A bateria que alimenta esses veículos tem reciclagem e descarte complexos. Nova técnica, desenvolvida por cientistas britânicos, recupera materiais usados nesses dispositivos de forma mais ecológica e 100 vezes mais rápida que os métodos atuais

Paloma Oliveto
postado em 12/07/2021 06:00
Veículo é carregado em rua da Noruega: testes de bateria reciclada com nova tecnologia mostram que eficiência não muda -  (crédito: Jonathan Nackstrand/AFP - 30/4/19)
Veículo é carregado em rua da Noruega: testes de bateria reciclada com nova tecnologia mostram que eficiência não muda - (crédito: Jonathan Nackstrand/AFP - 30/4/19)

Carros elétricos são, muitas vezes, apontados como a solução para reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa de um dos setores que mais emitem: o de transportes. Porém, nem tudo é tão verde quando se pensa nesses veículos que não precisam de combustíveis fósseis diretamente para funcionar. Um dos problemas está nas baterias de íon-lítio (as Li-Íon), cuja produção emprega uma quantidade muito grande de materiais e que, no fim da vida útil, acabam contribuindo para aumentar um outro problema ambiental cada vez mais grave: o lixo eletrônico.

Para contornar esses entraves, pesquisadores do projeto Instituição Faraday, das universidades britânicas de Leicester e Birmingham, desenvolveram uma tecnologia de recuperação dos materiais usados nas baterias em fim de vida. Com isso, podem utilizá-los na fabricação de novas pilhas. Segundo os pesquisadores, o novo método, que usa ondas ultrassônicas para separar material valioso dos eletrodos, é 100 vezes mais rápido, mais ecológico e leva a uma maior pureza em relação às tecnologias atuais de separação. A pesquisa foi publicada na revista Green Chemistry.

Para garantir que os benefícios ambientais e econômicos das baterias sejam totalmente atingidos, os pesquisadores da Faraday se concentram no ciclo de vida dessas peças — desde sua primeira produção até a reutilização em aplicações secundárias e, por fim, a eventual reciclagem. Um grande obstáculo, segundo eles, é o processo de segregação dos materiais, ou seja, como remover e separá-los — como lítio, níquel, manganês e cobalto — das pilhas usadas de forma rápida, econômica e ecologicamente correta.

A equipe desenvolveu uma nova técnica de delaminação (separação de materiais) ultrassônica que explode os componentes ativos dos eletrodos, deixando alumínio ou cobre virgem. Esse processo se mostrou altamente eficaz na remoção de óxidos de grafite e lítio-níquel manganês-cobalto, comumente conhecidos como NMC.

Os materiais recuperados usando a técnica demonstraram maior pureza nos testes e, portanto, maior valor, do que aqueles recuperados em abordagens convencionais de reciclagem. Além disso, segundo os cientistas, são potencialmente mais fáceis de serem usados na fabricação de novos eletrodos. A abordagem é rápida e adapta a tecnologia amplamente utilizada em outras indústrias.

Segundo Andrew Abbott, especialista da Universidade de Leicester, que lidera a pesquisa, a nova técnica funciona da mesma forma que o descalcificador ultrassônico de um dentista, quebrando as ligações adesivas entre a camada de revestimento e o substrato. “É provável que o uso inicial da tecnologia use a sucata de produção das instalações de fabricação de baterias como matéria-prima e alimente o material reciclado de volta à linha de produção da bateria, possivelmente no mesmo local. Isso pode ser uma mudança real na reciclagem de pilhas.”

Pureza

Os métodos de reciclagem atuais para a reciclagem de bateria de íon-lítio normalmente alimentam baterias no fim de vida em um triturador ou reator de alta temperatura. Um conjunto complexo de processos físicos e químicos é necessário, em seguida, para produzir fluxos de materiais utilizáveis de lítio, cobalto, níquel e cobre que eles contêm. Essas rotas de reciclagem pirometalúrgica e hidrometalúrgica consomem muita energia e são ineficientes, diz Abbott.

Se uma abordagem alternativa for tomada e as baterias em fim de vida forem desmontadas em vez de fragmentadas, há o potencial de recuperar mais material, em um estado mais puro. No estudo britânico, a desmontagem das pilhas usadas em carros elétricos conseguiu um alto rendimento (cerca de 80% do material original) e com maior pureza do que seria obtida com o uso de material triturado.

Além disso, técnicas atuais de reciclagem de delaminação usam ácidos concentrados em um processo de imersão em lote. A nova tecnologia ultrassônica é um processo contínuo de alimentação que utiliza água ou ácidos diluídos, como solvente, de modo que é mais ecológica e menos cara de operar. Ele pode delaminar 100 vezes mais material do eletrodo em um determinado tempo e volume do que as técnicas de delaminação em lote existentes.

Economia

“Devemos nos concentrar em todo o ciclo de vida — da mineração de materiais essenciais à fabricação de baterias e à reciclagem — para criar uma economia circular que seja sustentável para o planeta e lucrativa para a indústria”, comenta o professor Pam Thomas, presidente da Faraday Institution. “Esse esforço para gerar impacto comercial, social e ambiental está se mostrando uma grande promessa. É imperativo que a academia, a indústria e os governos redobrem seus esforços para desenvolver a infraestrutura tecnológica, econômica e legal para obter todos os benefícios de um setor de transporte descarbonizado.”

Os pesquisadores estão em discussões iniciais com vários fabricantes de baterias e empresas de reciclagem para colocar um demonstrador de tecnologia em um parque industrial ainda neste ano. A equipe de pesquisa das universidades de Leicester e Birmingham testou a tecnologia nos quatro tipos de pilhas para carros elétricos mais comuns e descobriu que ela funciona com a mesma eficiência em cada caso.

Segundo a equipe do Faraday, alguns fabricantes de automóveis já estão percebendo a importância de considerar a reciclagem no projeto dos veículos, como uma necessidade na criação de uma economia circular para as matérias-primas das baterias. “O projeto para reciclagem visa trabalhar com os fabricantes para realizar pequenas alterações nas estruturas do produto, de modo que as matérias-primas possam ser devolvidas mais facilmente ao processo de fabricação pela metade do custo em comparação com as fontes primárias”, escreveram no artigo da Green Chemistry.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

  • David Baillot/UC San Diego Jacobs School of Engineering
    David Baillot/UC San Diego Jacobs School of Engineering Foto: David Baillot/UC San Diego Jacobs School of Engineering
  • 
Anodo de uma bateria de íon-lítio (esquerda): separação ultrassônica resulta em matéria-prima (direita) para novas pilhas
    Anodo de uma bateria de íon-lítio (esquerda): separação ultrassônica resulta em matéria-prima (direita) para novas pilhas Foto: Max Pixel/Divulgação

Foco no uso e na produção

 (crédito: Universidade Chalmers de Tecnologia/Divulgação)
crédito: Universidade Chalmers de Tecnologia/Divulgação

Além do desafio no reaproveitamento de baterias, carros elétricos têm sido criticados, nos últimos tempos, devido ao processo de fabricação, que exige uso intensivo de energia, e porque, atualmente, a eletricidade usada para carregá-los é parcialmente produzida a partir de combustíveis fósseis. Porém, para Anders Nordelöf, pesquisador da Universidade Chalmers de Tecnologia, na Suécia, é hora de parar de discutir se esses veículos são mocinhos ou vilões. “Em vez disso, a indústria, as autoridades e os formuladores de políticas precisam trabalhar juntos para torná-los o mais ecologicamente corretos possível”, diz.

Nordelöf, especialista em análise de sistemas ambientais, é autor de uma tese recente na qual aponta ferramentas que ensinam como a avaliação do ciclo de vida pode auxiliar no desenvolvimento de carros elétricos mais sustentáveis. Para ele, é preciso focar na solução dos problemas que surgem na transição para a nova tecnologia. Dessa forma, comparar carros elétricos com veículos movidos a diesel ou gasolina é relevante, mas não a questão mais importante — nem o que resolverá os problemas em longo prazo.

“Sabemos que os combustíveis fósseis devem ser eliminados gradualmente. O mais importante, então, é encontrar o melhor caminho a seguir. Se carregarmos o carro a partir de uma fonte limpa de eletricidade e combinarmos isso com as emissões de dióxido de carbono mais baixas possíveis durante a produção, o carro elétrico será revolucionário. Mas não podemos esperar encontrar uma solução pronta imediatamente”, destaca.

Segundo o pesquisador, a avaliação do ciclo de vida (ACV), técnica que mensura os possíveis impactos causados como resultado da fabricação e utilização de um produto, pode ser usada para minimizar o impacto ambiental a longo prazo.

“É importante perceber que a fabricação de componentes representará uma proporção cada vez maior do impacto ambiental do carro elétrico à medida que nossos desenvolvimentos progridem, especialmente se você adotar uma perspectiva mais ampla do que apenas os gases de efeito estufa”, diz. “Existem grandes desafios ambientais na extração de metais, colocando muitos requisitos na cadeia de abastecimento.”

Na tese, o pesquisador comparou o impacto ambiental geral de três motores elétricos diferentes e indicou como projetar essas peças produzindo o mínimo impacto ambiental possível. Por fim, o cientista ressalta que a eficiência energética e a maior produção de energia elétrica a partir de fontes renováveis são a chave para reduzir o impacto ambiental dos carros elétricos em fase de operação, em nível global.

 

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação