Adesivos médicos ainda mais funcionais

Progressos na nanotecnologia alavancam soluções vestíveis voltadas para o monitoramento e o tratamento de doenças diversas

Vilhena Soares
postado em 01/08/2021 20:10
 (crédito: Nature Biomedical Engineering/Divulgação)
(crédito: Nature Biomedical Engineering/Divulgação)

Avanços na nanotecnologia têm levado ao desenvolvimento de projetos para fazer o monitoramento médico e até o tratamento de doenças por meio de pequenos aparelhos colados na pele dos pacientes. Uma das soluções baseadas nessa técnica inovadora é um adesivo, criado por cientistas dos EUA, que consegue avaliar o fluxo sanguíneo das principais artérias e veias do corpo humano. Já um minúsculo sensor desenvolvido em Israel é capaz de recuperar nervos danificados ao ser instalado diretamente na área prejudicada. Os dois novos dispositivos podem evitar o surgimento de problemas de saúde graves, como ataques cardíacos e derrames, além de auxiliar em terapias de reabilitação.

Saber quão rápido e quanto sangue flui através dos vasos sanguíneos de um paciente pode ajudar os médicos a diagnosticarem várias condições cardiovasculares, incluindo coágulos, má circulação nos membros ou bloqueios nas artérias. Para realizar essa tarefa de forma simples e rápida, pesquisadores americanos criaram um adesivo eletrônico que consegue monitorar a pressão sanguínea em tempo real.

O dispositivo é feito com uma folha fina de polímero elástico e flexível que adere à pele e faz as medições por meio de um conjunto de 12 transdutores de ultrassom. Cada transdutor é controlado por uma central de comando, um computador. De acordo com as ordens recebidas, ele vibra de forma suficiente para emitir as ondas de ultrassom pela pele, conseguindo, assim, realizar o monitoramento. “Com essa tecnologia minuciosa, podemos manipular a atividade de ultrassom da maneira que quisermos”, afirma Muyang Lin, pesquisador em nanoengenharia na Universidade da Califórnia e coautor do artigo que detalha o dispositivo, apresentado na revista especializada Nature Biomedical Engineering.

O adesivo médico pode ser usado no pescoço ou no peito e tem como característica mais importante a capacidade de, de forma não invasiva e bastante precisa, detectar e medir os sinais sanguíneos a uma profundidade de até 14 centímetros. “Esse tipo de dispositivo pode fornecer uma imagem mais abrangente e precisa do que está acontecendo nos tecidos profundos e em órgãos essenciais, como o coração e o cérebro. Tudo estando na superfície da pele”, enfatiza Lin. “Detectar sinais em tal profundidade é extremamente desafiador para a área da eletrônica vestível. É nessa região que estão os sinais mais críticos do corpo e os órgãos centrais”, acrescenta Chonghe Wang, ex-aluno de graduação em nanoengenharia na instituição americana e coautor do estudo.

Para Joel Rodrigues, membro do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE) e professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), a principal vantagem do adesivo é justamente essa análise profunda. “Apesar de ser um modelo ainda recente, um protótipo, temos um sistema que permite um monitoramento que, além de ser feito de forma contínua, consegue detectar as mudanças do fluxo sanguíneo em uma profundidade muito boa”, justifica. “Isso também é importante porque abre um leque de possibilidades para o desenvolvimento de mais dispositivos capazes de realizar outros tipos de análises, em outros sistemas, mas com essa mesma vantagem.”

Em casa

Os criadores da solução explicam que, para muitas pessoas, o fluxo sanguíneo não é um parâmetro avaliado durante a visita regular ao médico. Geralmente, ele é foco de atenção depois que se detecta um risco de problemas cardiovasculares. Além disso, as análises tradicionais podem ser demoradas e imprecisas. Como o novo adesivo tem uso simplificado, essas limitações podem ser superadas. “Basta colocá-lo na pele e, em seguida, ler os sinais. Não é dependente de um operador e não representa trabalho extra ou sobrecarga para os técnicos, médicos ou pacientes”, diz Sai Zhou, estudante da universidade e coautor do estudo. “No futuro, os pacientes poderão usar algo assim para fazer um monitoramento contínuo em casa”, aposta.

Nos testes iniciais, o adesivo apresentou desempenho tão bom quanto o de uma sonda de ultrassom usada na área clínica. Ele registrou, com precisão, o fluxo sanguíneo nos principais vasos sanguíneos, como a carótida, que fornece sangue ao cérebro. Ter a capacidade de monitorar mudanças nesse fluxo pode, por exemplo, ajudar a identificar se uma pessoa está sob risco de derrame bem antes do início dos sintomas.

A equipe da Universidade da Califórnia pondera que há um longo caminho a percorrer até que o adesivo seja comercializado. Atualmente, para funcionar, ele precisa estar conectado a uma fonte de alimentação e a uma máquina eletrônica, onde os resultados coletados pela tecnologia são visualizados. O grupo trabalha para que ele possa ser usado sem a necessidade de fios.

“Essas alterações são necessárias para que o adesivo seja fácil de usar. Com isso, provavelmente, o custo também será baixo, algo importante para democratizar essas ferramentas”, avalia Joel Rodrigues. “Acredito que, em pouco tempo, teremos esse dispositivo disponível e até outras tecnologias similares, muitas delas vindo já incorporadas em roupas, por exemplo. Com certeza, esse é um nicho que vai crescer ainda mais na comunidade científica.”

 

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Palavra de especialista

Facilitando a prevenção

“É um adesivo que ainda não tem bluetooth, mas logo terá a tecnologia sem fio. Ele teve um desempenho tão bom quanto um transdutor de ultrassom convencional, pois registrou, com precisão, o fluxo nos principais vasos sanguíneos. Basta colocá-lo na pele e você vai ter os sinais. Por não ser dependente de um operador, os pacientes poderão usá-lo como telemonitoramento domiciliar, algo essencial para a prevenção de diversas enfermidades. Saber dados sobre a circulação sanguínea de um paciente é importante porque o médico poderá diagnosticar, por exemplo, tromboses nas artérias que podem causar AVC ou infarto do miocárdio. Outras inovações no uso de tecnologias vestíveis com foco em cuidados médicos já estão surgindo. Por exemplo, camisetas capazes de diagnosticar doenças respiratórias. Temos até meias que detectam o desenvolvimento de úlceras nos pés. É uma área bastante rica e que deve crescer ainda mais.”

Rubens de Fraga, especialista em geriatria e professor de gerontologia da Faculdade Evangélica Mackenzie,no Paraná

 

Chance de recuperar o tato

 (crédito: Universidade de Tel Aviv/Divulgação)
crédito: Universidade de Tel Aviv/Divulgação


Pesquisadores de Israel desenvolveram um dispositivo que pode ajudar pessoas a recuperarem o sentido do tato, perdido após lesões e amputações. O aparelho também foi criado com a ajuda da nanotecnologia, e a motivação para o seu desenvolvimento surgiu durante observações cotidianas dos especialistas envolvidos no projeto. “Sempre conversei com colegas sobre os desafios que enfrentamos em nosso trabalho. Tratar pessoas que perderam a sensibilidade tátil é algo complicado, e os resultados demoram a surgir”, conta Ben Maoz, engenheiro biomédico da Universidade de Tel Aviv.

A tecnologia utiliza dois sensores quadrados e pequenos. Um deles é posicionado no nervo do membro lesado — em um dedo, por exemplo. O outro é conectado diretamente a um nervo saudável. Cada vez que o membro toca um objeto, o sensor é ativado e conduz uma corrente elétrica entre o nervo em funcionamento e o doente, recriando, assim, a sensação de toque. “Quando o dedo machucado toca algo, o toque libera a tensão correspondente à pressão aplicada ao dispositivo — tensão fraca para um toque fraco e tensão forte para um toque forte — exatamente como em um sentido normal do toque”, detalham os criadores.

Essa eletricidade só é induzida devido a uma tecnologia de ponta chamada nanogerador triboelétrico (TENG), que não precisa ser implantada no corpo nem carregada. “O sensor realmente funciona com a força de atrito: sempre que o dispositivo detecta atrito, ele se carrega sozinho”, explicam os autores do artigo, publicado no Journal ACS Nano.

Os pesquisadores testaram o protótipo em ratos com problemas motores nas patas, e os resultados foram animadores. A próxima etapa da equipe é avaliar a tecnologia em cobaias maiores e, depois, em humanos. Os cientistas adiantam que o dispositivo poderá ser incorporado em qualquer parte do corpo, de forma segura. Outra vantagem, segundo eles, é que o sensor é feito de material biocompatível, seguro para uso no corpo humano, além de não demandar manutenção.(VS)

 

 

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